Governadores de MG e SP flertam com divisão do Brasil de olho em 2026
JOTA.Info 2023-08-07
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), cometeu não apenas um erro político ao sugerir que Sul e Sudeste são explorados pelos estados do Norte e Nordeste do país. Integrante da mais notória linha auxiliar do bolsonarismo, Zema também demonstra não ter o menor conhecimento do modelo federativo brasileiro escolhido pelos constituintes de 1988. Nossa federação tem fortes elementos redistributivos.
Na melhor das hipóteses, Zema — tal como seus colegas de partido e campo político — parece querer reeditar a Constituição de 1891, feita aos moldes do federalismo dos Estados Unidos. Em última instância, o governador e presidenciável para 2026 parece querer fazer cosplay do general Robert E. Lee, que liderou as tropas do sul dos EUA, escravista, contra o norte industrial na Guerra de Secessão, que durou de 1861 a 1865.
Um leitor mais atento pode estar pensando: essa analogia seria indevida pois, no caso brasileiro, são justamente os estados mais desenvolvidos que estão se rebelando contra as unidades da federação mais pobres. Porém, no contexto da pós-globalização, são justamente as atividades extrativistas — nas quais Minas Gerais tem clara vantagem comparativa — e o agronegócio os grandes vencedores da força econômica do Sul e Sudeste dos últimos dez anos.
Em contrapartida, o Nordeste como centro industrial é muito mais promissor. Isso por conta da sua proximidade do Norte Global, que busca localidades para instalar investimentos de alto valor agregado para se livrar da dependência de mercados asiáticos — notadamente a China. Não é à toa que o Nordeste foi a região do Brasil mais desenvolvida economicamente desde o início da colonização até o começo do século 19 por conta da proximidade com a metrópole portuguesa.
Um dos exemplos mais robustos de industrialização no Nordeste é o Ceará. Diferentemente do que se passa no Sudeste, o estado conseguiu converter a transição de sua economia para setores de maior valor agregado em políticas públicas de qualidade, principalmente na educação básica. Hoje o estado ostenta os melhores índices nas avaliações de estudantes no país. A Bahia também não fica para trás, ainda mais no contexto de investimentos chineses na reindustrialização promovida pelo atual governo federal, como ocorre no polo industrial de Camaçari, que vai receber uma fábrica de veículos automotores chineses elétricos.
Evidências anedóticas não costumam servirem de fundamento para análises precisas. Porém, ao elaborar este texto, foi inevitável lembrar-me que entre os meus melhores alunos de destaque nos últimos anos mais da metade vêm do Nordeste. Sua capacidade de articulação e sistematização de informações complexas superam em muito a média dos alunos que vieram dos principais colégios da capital paulista.
Portanto, Zema e seus colegas do consórcio Sul-Sudeste correm o risco de estarem se convertendo no atraso da vanguarda. Se antes essas regiões eram a vanguarda do atraso que caracteriza um país tão desigual e violento quanto o Brasil, a proeminência da bancada BBB — boi, bala e Bíblia — em estados do Centro-Sul do país indica que um futuro cosmopolita para nossa nação está ao norte de Belo Horizonte.
Por fim, cabe notar o que causa mais espécie na fala de Zema: ela vem do governador de um estado que sempre foi o símbolo do equilíbrio entre Norte e Sul, algo fundamental para a união nacional. Se Zema tem indicado simpatia por ideologias de extrema direita e flerta — para ser bem elegante — com a desunião nacional, imagine o que políticos com base eleitoral mais ao Sul devem pensar nas suas reflexões mais íntimas. Quiçá estejam confortáveis com as falas racistas da extrema direita, que serviu de base para o bolsonarismo e fomenta os filhotes desse movimento político.
Por falar nisso, Zema não é o único a disputar o espólio da direita radical. O governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) — este sim um filhote direto do bolsonarismo — não faz nenhuma questão de esconder sua chancela a ações violentas da polícia contra pessoas das periferias, compostas — entre outros grupos — por descendentes de migrantes nordestinos.
Há pouco mais de dez anos, eu criticava muito o PT por enfatizar a política de classes — enfim, o “nós contra eles”. Porém, a extrema direita parece ter aprendido rapidamente com os vícios da esquerda. Se Zema faz cosplay de confederado americano, Tarcísio fica numa fronteira entre o malufismo, com a lógica da “Rota na rua”, e o bolsonarismo.
Passados sete meses desde a posse, Tarcísio está muito longe do estilo tocador de obras que sempre caracterizou o populismo de direita paulista desde os tempos de Adhemar de Barros. Sai o concreto, fica apenas o sangue da carne mais barata do mercado e o moralismo, exemplificando um dos fundamentos do bolsonarismo: a velha máxima de tratar a questão social não pela política com pê maiúsculo, mas pela via policial, com pê minúsculo e pé na cara dos excluídos.