Manutenção da democracia depende de punição a golpismo bolsonarista
JOTA.Info 2023-08-18
O cerco fecha-se em torno de Jair Bolsonaro. A pergunta do momento não é se o ex-presidente será preso, mas quando isso ocorrerá. O questionamento subjacente é quem ele vai levar consigo para ver o sol nascer quadrado. Membros da família? Senhores que não honram a farda verde-oliva que vestem? Doa a quem doer, o Brasil vê-se diante de uma possibilidade jamais experimentada de julgar e condenar aqueles que se engajam em crimes contra a democracia e, portanto, o Estado democrático de Direito.
Seja devido ao caso das joias, seja na tentativa de prejudicar o processo eleitoral, são notórias as evidências que apontam que Bolsonaro é um “criminoso contumaz”, termo empregado pelo hacker Walter Delgatti durante a CPI do 8 de Janeiro para se referir ao ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR). Delgatti relata que o ex-presidente lhe ordenou invadir os sistemas da Justiça Eleitoral e redigir para o Ministério da Defesa a famigerada e infame nota divulgada em 2022 em que os militares colocaram sob suspeita a lisura do processo eleitoral.
Nada demais para quem deixou o serviço militar ativo depois de ser absolvido da acusação de planejar explodir bombas em quartéis do Rio de Janeiro na segunda metade dos anos 1980 e passou 28 anos no Congresso Nacional difundindo ameaças a seus opositores enquanto estava resguardado pelo manto da imunidade parlamentar. Muito antes das eleições de 2018, Bolsonaro já tinha dado demonstrações mais que suficientes de que não era digno de ser eleito para qualquer cargo público, quiçá chegar à posição de chefe de Estado.
Nosso futuro como democracia depende da punição exemplar aos golpistas, independentemente da posição que ocupavam na hierarquia da quadrilha que tomou a República sob a justificativa de limpar o sistema. O argumento é nada original: acusaram os outros de serem o que, na verdade, eles são — usurpadores de bens públicos e da Constituição.
Nesta sexta-feira (18), foram cumpridos mandados de prisão contra a cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal por conta da omissão dos comandantes da corporação diante das ações dos golpistas de 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes. Quanto mais as investigações avançam, mas próximas ficam as evidências daqueles que juraram lealdade à pátria, mas apenas transformaram o significado da sigla EB. Em vez de Exército Brasileiro, pretendiam que a força se tornasse o Exército Bolsonarista.
Ironicamente, Bolsonaro e seu círculo de horrores não serão punidos por aquele que me parece ter sido o crime mais grave cometido pelo inquilino do Planalto entre 2019 e 2022: a omissão diante da pandemia de Covid-19. Novos genocidas, porém, serão ceifados caso a República subverta a relação de subordinação que, com raras exceções, os militares impuseram aos civis e à população em geral desde 1889.
Chegou a vez do povo — desde os descamisados até os engravatados — limpar as Forças Armadas, as quais sempre se arrogaram a missão de sanear a política e a sociedade por meio de golpes. Esqueceram-se de se livrar dos Bolsonaros e Mauros Cids da vida — maus militares. Sem coragem para cortar na própria carne, os militares têm de ser postos finalmente sob comando civil.
Isso, porém, não quer dizer que o radicalismo de direita será derrotado. Tarcísios, Zemas, Damares, Felicianos vão continuar a assombrar a democracia enquanto houver demanda da sociedade por governos iliberais, que sacrificam as liberdades individuais e direitos sociais em nome de um reformismo de fachada, o qual nada mais que é que a reencarnação do patrimonialismo à brasileira.
Saíram os senhores de engenho, entraram os pastores que escravizam almas, os gestores que sem pudor algum contratam empresas de subordinados, colocam o Estado a serviço do lucro imediato para poucos e a miséria para os demais. Sequer no caso de entregarem prosperidade material tais situações seriam aceitáveis.
Bolsonaro e seu círculo mais próximo devem sair de cena em breve, mas o bolsonarismo — entendido como a direita iliberal brasileira — terá vida longa. Cabe, portanto, ceifar o seu golpismo, demonstrando aos conspiradores e seus eventuais aprendizes que, embora possam chegar ao poder, não podem em hipótese alguma eliminar a democracia e, portanto, a ordem constitucional sem a devida punição, taoquei?