Nada de novo no controle de constitucionalidade pelo TCU
JOTA.Info 2023-09-06
É algo como uma tradição espontânea desta coluna publicar artigo anual tratando da súmula 347, do Supremo Tribunal Federal, que diz: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. Os anos de 2020, 2021 e 2022 ganharam suas análises sobre o assunto e agora é a vez de 2023.
São sempre duas as questões jurídicas de fundo: a súmula 347, aprovada em 1963, teria sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988? Se sim, como seria a avaliação de constitucionalidade que competiria a tribunais de contas?
Nos últimos dias, foi bastante noticiado que, no mandado de segurança 25.888/DF, julgado em agosto de 2023, o STF teria confirmado a súmula 347, reforçando a possibilidade de o TCU avaliar a constitucionalidade de leis e atos administrativos.
Embora o acórdão do caso não tenha sido publicado, artigos e posts têm lançado declarações como que “A decisão do STF é de grande impacto no sistema jurídico do país, visto que esclarece o papel e as competências dos Tribunais de Contas na avaliação da constitucionalidade de leis e ações governamentais”. Tomam por base notícia veiculada no site do STF, cujo título é “Supremo afirma a compatibilidade da Súmula 347 com a Constituição Federal de 1988”.
Ainda não pude ler o acórdão diante da ausência de publicação. Contudo, o entusiasmo em relação ao julgamento decorre apenas do título — equivocado — utilizado para fazer sua divulgação e não do conteúdo em si da decisão. Digo isso porque é possível extrair do noticiado pelo STF o seguinte:
- A decisão do relator, ministro Gilmar Mendes, seguida pela maioria do tribunal, foi pela perda do objeto do mandado de segurança. Não houve, desse modo, o julgamento do mérito, caso em que poderia haver algum posicionamento do STF sobre a súmula 347.
- O relator, em obter dictum, fez considerações a respeito da importância de “recuperar o significado originário” da súmula, o que significaria a possibilidade de tribunais de contas afastarem a aplicação de normas que contrariassem jurisprudência do STF — algo como fazer uma “interpretação conforme” do parco texto da súmula 347.
- Dado que essas considerações foram feitas em obter dictum, a adesão da maioria dos ministros ao voto do relator foi em relação à perda do objeto.
- Não é possível concluir, com base nesse julgamento, que o STF formou maioria para fincar qualquer posicionamento a respeito da recepção da súmula 347 pela Constituição Federal.
Pautado nessas conclusões, não creio que o mandado de segurança 25.888 tenha mudado algo quanto ao tema. E, ainda que tivesse havido julgamento do mérito, os argumentos apresentados pelo ministro relator não são diferentes daqueles apresentados em casos passados. O Supremo continuaria vinculando a atuação dos tribunais de contas às declarações de inconstitucionalidade feitas pelo próprio Judiciário.
Sei que não é usual um texto para dar notícia sobre a falta de novidade. Mas, nesse caso, pareceu-me pertinente. Afinal, segue aberta a discussão sobre a recepção da súmula 347 pela Constituição Federal.