Quanto vale o dano moral?
JOTA.Info 2023-09-22
Juízes trabalhistas sempre enfrentaram dificuldades para definir um valor justo para a compensação de danos morais sofridos pelos empregados. Isso era agravado pela ausência de critérios objetivos antes da reforma trabalhista de 2017. Porém, mesmo seis anos após as mudanças implementadas, o problema ainda não foi totalmente resolvido.
Ainda que o norte sempre tenha sido a busca de uma reparação adequada à gravidade do dano causado, a ausência de parâmetros predeterminados acabou estimulando decisões judiciais inconsistentes, gerando incertezas tanto para os trabalhadores como para as empresas envolvidas.
Com o intuito de estabelecer critérios para os valores arbitrados judicialmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi alterada para implementar a chamada indenização tarifada. Com isso, dependendo da gravidade do dano causado – se leve, médio, grave ou gravíssimo –, a vítima poderia receber indenização variando entre 3 e 50 salários mensais.
Mas, embora a reforma tenha trazido alguma objetividade para essa discussão, o tema continua sendo debatido – inclusive perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque a utilização do último salário contratual do empregado como parâmetro para a indenização pode gerar reflexos sociais relevantes. Afinal, o mesmo dano causado a um empregado que receba salário-mínimo e a um alto executivo seria reparado com valores absolutamente distintos.
Foi nesse contexto, e com a preocupação de eventual violação do princípio da isonomia, que o tema da quantificação financeira do dano moral trabalhista foi levado ao STF por meio das recentemente julgadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6050, de autoria da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra); 6069, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e 6082, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI).
Segundo entendimento da maioria dos ministros, a atual redação da CLT, além de não excluir o direito à reparação por dano moral indireto ou em ricochete no âmbito das relações de trabalho, traz critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial que devem ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. Dessa forma, seria constitucional arbitrar valores superiores aos limites máximos inseridos na norma, quando consideradas as circunstâncias de cada caso e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade.
Em outras palavras, embora os parâmetros trazidos pela reforma de 2017 devam ser utilizados pela Justiça do Trabalho para orientar as decisões sobre a fixação do valor do dano moral, eles não podem ser vistos como impeditivos para a concessão de indenização acima de 50 salários. Ou seja, apesar de observar a gradação proposta na CLT, os juízes do trabalho devem, ainda, analisar cada caso para garantir uma compensação justa e proporcional, mesmo que isso signifique extrapolar o teto legal.
Importante mencionar que a expressão “critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial” utilizada na decisão significa que na esfera judicial não se poderá decidir com base em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas suas consequências práticas. A decisão judicial deve demonstrar a necessidade e a adequação da medida imposta por arbitramento em valores distintos dos parâmetros normativos, também devido às possíveis alternativas.
Ainda que a Constituição Federal já assegurasse, no âmbito judicial e administrativo, a necessidade de fundamentação adequada das decisões como garantia da efetiva transparência na atuação dos órgãos jurisdicionais, a decisão proferida pelo Supremo joga um holofote nesse tema, buscando evitar arbitrariedades e promover racionalidade nos julgamentos relativos aos danos morais.
Na prática, a decisão do STF trará, novamente, mudanças na fixação do dano moral na Justiça do Trabalho, com impactos relevantes não só na forma como o dano moral será avaliado e fixado nos casos trabalhistas, mas também no racional utilizado para esse arbitramento. O julgador não poderá empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto.
Para evitar o restabelecimento do cenário de incerteza de antes da reforma trabalhista, será preciso que os juízes busquem uma padronização dos critérios para a fixação do dano moral por meio de uma análise mais aprofundada de cada caso concreto. Se de um lado é necessário continuar buscando que esse instituto não seja utilizado como forma de enriquecimento sem causa do trabalhador, de outro, deve-se buscar um tratamento isonômico que recompense o dano causado de maneira adequada, independentemente do salário mensal da vítima.
Viveremos mais tempos de incertezas nos próximos anos. Mas há a expectativa de que decisões cuidadosamente fundamentadas, seguindo os parâmetros fixados pelo Supremo junto dos já estipulados na CLT desde 2017, tragam mais previsibilidade sobre a quantificação justa e adequada do dano moral trabalhista.