Controvérsias relativas ao IRPF sobre o ganho de capital
Consultor Jurídico 2021-03-29
A base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) sobre o Ganho de Capital é a diferença pecuniária entre o valor decorrente do custo de aquisição de um bem imóvel – constante na declaração de IRPF – e o valor pelo qual o referido bem foi alienado. Desde o ano-calendário de 2017, em decorrência da Lei n. 13.259, que alterou a redação dos dispositivos da Lei n. 8.981 de 20/01/1995, o ganho de capital percebido por pessoa física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza está sujeito à incidência de imposto de renda, com alíquotas progressivas de no mínimo 15% e no máximo 22,5%.
Desde 16 de junho de 2005, vigora a isenção do Imposto de Renda sobre o Ganho de Capital do valor auferido por pessoa física residente no Brasil na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 dias contados da celebração do contrato (e não da escritura pública), aplique 100% do valor da venda na aquisição de outros imóveis residenciais no País, o que está previsto na Lei n. 11.196/2005[1]. Tal isenção foi regulamentada pela Instrução Normativa n. 599/2005 da Secretaria da Receita Federal que determinou que a mesma não se aplica: “I – à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante”. Contudo, ao meu ver, a referida Instrução Normativa fez mais do que regulamentar tal isenção, já que estabeleceu restrições ao seu gozo que não estão previstas na Lei n. 11.196/2005. Imaginemos um exemplo prático no qual João é o vendedor de um imóvel no valor de R$ 1.000.000,00, sendo esse seu único imóvel de natureza residencial. João resolve vender tal imóvel para Pedro, já que assinou um contrato de promessa de compra e venda de outro imóvel no valor de R$ 1.500.000,00. Pedro pagará a João o valor da seguinte forma: a) R$ 500.000,00 em dação em pagamento de imóvel de sua propriedade; b) R$ 300.000,00 em dação em pagamento de automóvel de sua propriedade; c) R$ 200.000,00 em moeda corrente nacional, o que perfaz R$ 1.000.000,00. João irá utilizar – dentro dos 180 dias – 100% do produto da venda do seu imóvel para a quitação do contrato de compra e venda de seu novo imóvel, além de outros R$ 500.000,00 em dinheiro.
Entretanto, o § 11º do artigo 2º de tal Instrução Normativa determina que, mesmo utilizando os 100% do produto da venda na compra de outro imóvel e, ainda, acrescentando R$ 500.000,00, João não poderá usufruir da referida isenção do Imposto de Renda sobre o Ganho de Capital, na medida em que, além de dinheiro, recebeu dações em pagamento de bens móveis (carro) e imóveis e, como já havia assinado um contrato de promessa de compra e venda de seu outro imóvel, no valor de R$ 1.500,000,00 (o que havia garantido com R$ 500.000,00 como sinal para início de negócio), tornou-se possuidor do mesmo.
Assim, a isenção do IRPF sobre o Ganho de Capital é reconhecida para João tão somente em relação aos R$ 200.000,00 que recebeu em dinheiro, já que a Receita Federal do Brasil entende que a permuta entre bens móveis e imóveis é passível, sim, de Ganho de Capital.[2]
João, então, tendo como base de cálculo de tal Ganho de Capital os R$ 800.000,00, deveria ter recolhido aos cofres públicos federais a quantia de 15% (quinze por cento) sobre tal valor, ou seja, R$ 120.000,00. Como não o fez tempestivamente, lhe será aplicada uma multa de 75% sobre o valor devido, ou seja, mais R$ 90.000,00 acrescidos de correção pela taxa Selic. Assim, esse auto de infração alcançará, no mínimo, a quantia aproximada de R$ 230.000,00.
Contudo, há precedentes dos Tribunais Pátrios dando ganho de causa aos Contribuintes, tanto no âmbito do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), inclusive com trânsito em julgado, quanto no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).[3]
No bojo de tais julgamentos restou consignado que: a) não existe distinção na legislação de regência entre os recursos recebidos em dinheiro, bens móveis e/ou imóveis, para fins de fruição da isenção prevista na Lei n. 11.196/2005; b) o verbo nuclear da hipótese de incidência prevista na norma de isenção não foi ADQUIRIR, mas, sim, APLICAR na aquisição; c) é dificílimo que se efetivem, sucessivamente, duas transações imobiliárias num curso espaço de tempo em apenas 180 dias, pois a perfectibilização da venda/compra de imóvel contempla as fases negocial, financeira, burocrática cartorial, com o pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e a lavratura da respectiva escritura pública de compra e venda, além de, por derradeiro, o imprescindível registro no cartório de registro de imóveis.
Diante das referidas decisões pró-Contribuintes, o Ministério da Fazenda emitiu a Nota SEI n. 48/2018 dispensando a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de contestar/recorrer em processos que tenham a referida situação fática/jurídica.[4]
No entanto, durante os anos de 2018, 2019 e 2020, os Contribuintes continuaram a serem autuados com base nesse entendimento e a PGFN, mesmo com a existência da referida Nota SEI, continuou atuando na defesa do Ente Tributante em tais processos. Para comprovar tais argumentos, cabe demonstrar que em todo início de ano a Receita Federal do Brasil dá acesso aos Contribuintes no seu site a um documento batizado de “Perguntas e Respostas do Imposto de Renda da Pessoa Física”.
Então, confira-se o que consta no referido arquivo, especificamente no item 545, que trata das Isenções do Ganho de Capital em relação aos anos de 2020 e 2021[5]:
Isso indicaria entender que a questão está pacificada – pró-Contribuintes – e que a Receita Federal do Brasil deixará de autuar em situações como as referidas aqui nesse artigo? Que estaria superada a Instrução Normativa da Receita Federal n. 599/2005 e a Solução de Consulta COSIT n. 25/2011?
As respostas aos questionamentos, infelizmente, são negativas. Os processos judiciais continuam sendo discutidos, inclusive com manifestações da PGFN e, em junho de 2019, a Receita Federal do Brasil expediu mais uma Solução de Consulta, qual seja, a de número 211, de 24/06/2019 (COSIT), referendando o entendimento da IN SRF n. 599/2005.
Entretanto, agora, identificamos uma importante modificação do entendimento da Receita Federal do Brasil sobre a regulamentação da isenção prevista na Lei 11.195/2005, que está expressa no programa “Perguntas e Resposta do IRPF 2021” item 545 […] 6 – […] III, disponível no próprio site do Ente Tributante referendado, também, pela Nota SEI n. 48/2018, expedida pelo Ministério da Fazenda, situações fáticas e jurídicas que, no mínimo, proporcionam aos Contribuintes: a) o encaminhamento de Procedimentos Administrativos de Consultas ao Ente Tributante sobre a continuidade da vigência da Instrução Normativa da Receita Federal n. 599/2005; b) a possibilidade de extinção dos processos administrativos e judiciais tributários que tratem dessa matéria com ganho de causa para os Contribuintes; c) a possibilidade de repetição do indébito do valor pago a título de IRPF sobre o Ganho de Capital, em situações como as aqui mencionadas nos últimos cinco anos, corrigido pela taxa Selic.
O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça:
[1] Art. 39. Fica isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País.
[2] Perguntas e Respostas Imposto de Renda da Pessoa Física 2021. PERMUTA ENTRE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS. 597 – Qual é o tratamento tributário aplicável na permuta entre bens móveis e imóveis? No caso de permuta tendo por objeto bens móveis, não se aplica o tratamento tributário previsto no art. 132 do Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/2018, aprovado pelo Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018, devendo ser apurado o ganho de capital relativo a cada uma das alienações. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/irpf/2020/perguntao/p-r-irpf-2020-v-1-3-2020-10-27.pdf e https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/declaracoes/dirpf/pr-irpf-2021-v-1-0-2021-02-25.pdf. Acesso em 02 março de 2021.
[3] a) REsp n. 1.726.884/PR, STJ, 2ª T., Relator Ministro Herman Benjamin, j. 24.04.2018, DJe 21.11.2018, transitado em julgado em 28.02.2018; b) REsp n. 1.469.478/SC, STJ, 2ª T., Relator Ministro Herman Benjamin, j. 25.10.2016, DJe. 19.12.2016, transitado em julgado em 27.09.2018; c) Apelação Cível n. 5005396-94.2019.4.04.7100/RS, TRF da 4ª Reg., 1ª T., Relator Juiz Federal Convocado Alexandre Gonçalves Lippel, j. 19.08.2020; d) Remessa Necessária n. 5079079-67.2019.4.04.7100, TRF da 4ª Reg., 1ª T., Relator Juiz Federal Convocado Alexandre Gonçalves Lippel, j. 15.07.2020; e) Apelação Cível n. 5069075-05.2018.4.04.7100, TRF da 4ª Reg., 1ª T., Relator Desembargador Federal Roger Raupp Rios, j. 01.06.2020.
[4] Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/legislacao-e-normas/documentos-portaria-502/nota-pgfn-crj-34-2018.pdf. Acesso em 02 de março de 2021.
[5] Disponíveis em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/irpf/2020/perguntao/p-r-irpf-2020-v-1-3-2020-10-27.pdf e https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/declaracoes/dirpf/pr-irpf-2021-v-1-0-2021-02-25.pdf. Acesso em: 02 mar. 2021.