Inconstitucionalidade da cobrança de ITCMD sobre doações e herança no exterior
Consultor Jurídico 2021-09-03
No dia 26 de fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou, em sede de repercussão geral, o julgamento do Recurso Extraordinário n. 851.108, fixando a tese de que é vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações de Qualquer Natureza (ITCMD), instituído pelo artigo 155, inciso I da Constituição Federal, incide sobre a transmissão de bens ou direitos por sucessão causa mortis ou doação. Além de outorgar aos Estados e ao Distrito Federal competência para legislar sobre o ITCMD, tal dispositivo constitucional também define para qual ente federativo será devido o imposto, considerando a natureza do bem ou direito transmitido.
Ocorre que, o artigo 155, parágrafo 1º, inciso III, da Constituição Federal, prevê expressamente a necessidade de edição de lei complementar para regulamentar a cobrança do ITCMD nas hipóteses em que a transmissão de bens apresentar elemento de conexão com outros países, como: (a) nas doações por doador residente ou domiciliado no exterior; (b) na herança de falecido residente ou domiciliado no exterior; (c) na herança de falecido com bens no exterior; ou (d) quando o inventário for processado no exterior.
A referida lei complementar jamais foi editada, mas isto não impediu que 22 (vinte e duas) das 27 (vinte e sete) unidades da federação editassem leis ordinárias prevendo a incidência do ITCMD sobre a transmissão de bens e direitos por sucessão causa mortis ou doação no exterior, sob a justificativa de que a Constituição Federal lhes teria outorgado competência suplementar, com base em seu artigo 24, parágrafo 3º.
O julgamento do Recurso Extraordinário n. 851.108 se deu por maioria (7 votos a 4), restando definida a inconstitucionalidade da cobrança do imposto nas hipóteses elencadas. Os vencidos, Ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Gilmar Mendes, votaram pelo provimento do recurso, por entenderem que os Estados e o Distrito Federal teriam competência legislativa plena, ante a inércia da União na regulamentação da incidência do ITCMD nas hipóteses previstas no art. 155, parágrafo 1º, inciso III, alíneas ‘a’ e ‘b’, da Constituição Federal, até a superveniente edição de lei complementar.
Pois bem. Em que pese a tese dos contribuintes ter prevalecido, restava indefinida a eventual aplicação da modulação de efeitos ao precedente. No dia 1º de março, a questão foi submetida à deliberação e, por maioria, foi definido que a tese só produziria efeitos quanto aos fatos geradores posteriores à publicação do acórdão, ressalvadas as ações judiciais pendentes de conclusão cujo objeto seja: o Estado para o qual deve ser efetuado o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e a validade da cobrança do imposto quando não recolhido anteriormente.
Os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, votos vencidos na deliberação da modulação de efeitos, entenderam que as legislações estaduais que preveem a cobrança do ITCMD são nulas e, por essa razão, não poderiam surtir qualquer efeito, seja no passado, seja no futuro. Além disso, no decorrer do julgamento, o Ministro Relator Dias Toffoli acolheu a proposta de modulação de efeitos formulada pelo Ministro Luís Roberto Barroso que envolvia efeitos prospectivos e a elaboração de apelo ao legislador federal para que, suprindo a omissão, disciplinasse a matéria. Em relação a este ponto os Ministros também decidiram, por maioria, a inaplicabilidade do apelo, divergindo do voto do Relator.
Ante o exposto, embora se vislumbre uma decisão favorável aos contribuintes no mérito, é importante mencionar que não haverá proveito econômico para aqueles que optaram por recolher o mencionado imposto no passado. Isto é, os contribuintes que recolheram o ITCMD nos últimos anos com base nas previsões de leis ordinárias estaduais agora consideradas inconstitucionais não poderão restituí-lo.
Não obstante o exposto, em caráter excepcional, o entendimento favorável será aplicado aos contribuintes que sejam parte de ações judiciais pendentes de conclusão conforme as hipóteses definidas na modulação de efeitos citada anteriormente.
Vale mencionar que, em 17 de março, foi apresentado Projeto de Lei Complementar n. 37 (PLC 37/2021) na Câmara dos Deputados visando suprimir esta lacuna constitucional. De acordo com o projeto, nas hipóteses de transmissão de bens e direitos no exterior, o ITCMD seria devido ao:
- Estado da situação do bem, se envolver bens imóveis localizados no Brasil;
- Estado onde se processar o inventário ou tiver domicílio o doador, em se tratando de bens móveis, títulos, imóveis, ou créditos no exterior; e
- Estado em que tiver domicílio o beneficiário dos bens ou direitos em se tratando de doador residente no exterior ou se o falecido tiver seu inventário processado no exterior.
Cumpre salientar que os projetos de lei complementar possuem quórum diferenciado para aprovação, exigindo maioria absoluta de votos favoráveis, ou seja, 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 votos no Senado Federal. Durante a tramitação, os projetos de lei complementar são submetidos à análise de mérito e de admissibilidade, considerando a sua constitucionalidade e adequação financeira e orçamentária. Assim, em virtude destas análises, trechos do projeto de lei complementar poderão sofrer alterações.
Dessa forma, não obstante a apresentação do PLC 37/2021 à Câmara dos Deputados representar um alerta, o projeto ainda passará pelo trâmite de aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e será, por fim, submetido ao presidente da república para sanção ou veto.
Em síntese, enquanto não houver a edição, publicação e vigência de lei complementar que regulamente o ITCMD nas hipóteses de transmissão de bens ou direitos no exterior por sucessão causa mortis ou doação, a cobrança será considerada inconstitucional por força do quanto decidido pelo STF no Tema 825. Assim, a partir da publicação do acórdão, os contribuintes poderão usufruir da segurança jurídica de que não haverá incidência do tributo sobre as doações por doador estrangeiro e recebimento de herança com elemento de conexão no exterior.
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