STF tem maioria para reconhecer estado de coisas inconstitucional nos presídios
JOTA.Info 2023-10-03
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta terça-feira (3/10) para reconhecer o estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro. Os ministros Luís Roberto Barroso, novo presidente da Corte, Cristiano Zanin, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia acompanharam o voto do relator, o ministro aposentado Marco Aurélio Mello.
Após a conclusão do voto da ministra Cármen Lúcia, a sessão foi suspensa, de forma que o julgamento será retomado nessa quarta-feira (4/10) com o voto do ministro Gilmar Mendes, a partir das 14h. A análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347 é o primeiro tema pautado por Barroso em sua presidência, com retomada de seu voto-vista.
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Antes de iniciar a leitura de seu voto, Barroso disse que o STF iria julgar, segundo ele, um dos temas mais ”complexos” da Corte e que não era juridicamente fácil nem barato, mas que deveria ser enfrentado. ”Não estamos diante de uma questão política, de discricionariedade administrativa, estamos diante de uma questão essencialmente jurídica. E aqui estamos lidando com pessoas que estão sob o cuidado do Estado”, disse.
Barroso dividiu a fundamentação do seu voto em três ”grandes problemas” da matéria para os ministros julgarem e enfrentarem. Para ele, o primeiro eixo do estado de coisas corresponde à superlotação e a má qualidade das vagas existentes no sistema carcerário. Já o segundo equivale ao excesso de entrada de presos no sistema, envolvendo muitas vezes autores primários e delitos de baixa periculosidade que, de acordo com o ministro, apenas contribuem para o agravamento da criminalidade.
O terceiro ponto citado por Barroso foi a permanência dos presos por tempo superior àquele previsto na condenação ou em regime mais gravoso devido à falta, em sua análise, do estabelecimento de pena em regime semiaberto. ”Esse estado de coisas inconstitucional impede o sistema de cumprir os seus fins básicos, que são a ressocialização do preso e a segurança pública da sociedade”, afirmou. O ministro acrescentou sugestões de políticas públicas para solucionar a problemática do sistema penitenciário brasileiro. São elas:
- o controle da superlotação, já instituída uma vez pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos presídios por meio de mutirões que examinem os processos de execução de pena;
- a criação de centrais de regulação de vagas;
- aprimoramento da infraestrutura física dos presídios, atendendo aos déficits de espaço, instalações, ventilação e melhoria dos serviços associados (como alimentação, higiene, saúde, educação, trabalho, combate à tortura e atenção a grupos especialmente vulneráveis);
- programas de ensino à distância nos presídios, colocando telões em algumas áreas e, eventualmente, proporcionando entretenimento para as pessoas;
- plano de compensação por cumprimento de pena em regimes gravoso. Este é um ponto que, segundo Barroso, é muito importante e contém sugestões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH);
O ministro também sugeriu que os juízes e tribunais devem fixar penas alternativas à prisão, quando possível; levar em consideração o quadro do sistema penitenciário no momento de concessão, aplicação e execução penal; e, ainda, ser obrigados a justificar porque não optaram por medidas cautelares quando determinam ou mantêm prisões provisórias.
”Os processos estruturais, como é o caso desse, tem por objeto uma falha crônica no funcionamento das instituições estatais, que causa ou perpetua a violação a direitos fundamentais. A sua solução geralmente envolve a necessidade de reformulação de políticas públicas. Tais processos comportam solução bifásica, dialógica e flexível”, observou Barroso.
O ministro Alexandre de Moraes iniciou o seu voto dizendo que o Brasil ”prende muito mal”. Na avaliação do ministro, isso não é culpa da polícia e nem do Poder Judiciário, mas sim da legislação do país. ”A nossa legislação, desde as ordenações portuguesas, prevê pena privativa de liberdade para tudo. Toda alteração legislativa aumenta a pena e esquece da questão da progressão e do cumprimento, e com isso nós temos uma grande quantidade de presos que praticaram crime sem violência ou grande ameaça, que nem deveriam estar lá”, analisou o ministro.
Na visão de Moraes, o descontrole do sistema prisional produz grande impacto sobre a segurança pública que, segundo ele, se faz a partir de vários tópicos, da inteligência, prevenção, repressão, investigação e do cumprimento efetivo da punição. ”No momento que não só a sociedade, mas a criminalidade percebe que não há uma punição adequada para os crimes graves, o fato da punição ser extremamente desproporcional incentiva a criminalidade, principalmente a organizada”, pontuou.
O ministro, no entanto, se posicionou contra a medida proposta por Barroso no que diz respeito à compensação punitiva por privação da liberdade em situação mais gravosa, ou seja, da redução do tempo de pena proporcionalmente à superlotação e à inadequação das condições de encarceramento. Além disso, Moraes também divergiu da proposta de antecipação de saída e progressão de regime. O ministro Luiz Fux também discordou das sugestões.
Entenda o julgamento da ADPF 347
A ADPF 347 foi ajuizada em 2015 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com intuito que seja reconhecido o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, com a adoção de providências estruturais em face de ”lesões a preceitos fundamentais dos presos”, decorrentes de ações e omissões imputadas aos poderes públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal.
Segundo a sigla, vários direitos fundamentais dos presos são violados em todo o país. Além de questionar a situação carcerária do país, o PSOL também citou na ação que muitos presos no Brasil já deveriam ter sido soltos, mas que isso não ocorre devido à ineficácia do Estado.
No julgamento dos pedidos cautelares realizado em 2015, o STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional por meio de uma decisão liminar e deferiu algumas medidas cautelares propostas pelo partido, como: determinar aos juízes e tribunais que realizem, em até noventa dias, audiências de custódia dos presos, com apresentação do preso a um juiz no prazo máximo de 24 horas; e a liberação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para aplicação de melhorias no setor.
O julgamento do mérito da ação, entretanto, só foi iniciado em 2021 pelo ministro aposentado e relator Marco Aurélio Mello, mas foi suspenso após o pedido de vista de Barroso. Como o ministro Marco Aurélio já votou, o seu substituto, o ministro André Mendonça, não vota.
Em coletiva de imprensa com jornalistas na última sexta-feira (29/9), Barroso já havia adiantado que, apesar de o STF ter uma fila de 300 processos para serem selecionados adequadamente, ele pretendia começar sua gestão enfrentando uma questão “muito espinhosa e importante”, que é a questão prisional no país.