Gilmar Mendes vota pela suspeição de Moro no caso do tríplex do Guarujá

Notícias – TJCE 2021-03-09

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) continuou a julgar nesta terça-feira (9/3) o habeas corpus em que a defesa do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva questiona a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. O ministro Gilmar Mendes votou pela suspeição do magistrado e pela consequente anulação do processo do triplex do Guarujá, com a anulação de todos os atos de Moro, inclusive na fase pré-processual.

A sessão começou com uma deliberação sobre a possibilidade ou não de julgar o caso. Isso porque, na última segunda-feira (8/3), ao anular a condenações de Lula, o ministro Edson Fachin determinou a perda de objeto do HC sobre a suspeição de Moro. Mas Gilmar Mendes estava com vista deste processo, e decidiu que o caso merece ser apreciado. Por 4 votos a 1, a Turma decidiu julgar o processo – apenas Fachin ficou vencido.

Como Mendes é o atual presidente da 2ª Turma, ele devolveu a vista do processo e já o pautou. Em resposta, Fachin pediu o adiamento do julgamento do habeas corpus em que a defesa do ex-presidente Lula pede a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. O despacho de Fachin veio pouco depois do ministro Gilmar Mendes, que estava com vista deste HC, pautar para esta terça-feira (9/3) o julgamento do caso. Fachin  pediu que o presidente Luiz Fux decidisse sobre o impasse, mas o presidente se absteve. O problema foi resolvido na questão de ordem suscitada na turma.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes relembrou que, em diversos julgamentos, já havia chamado a atenção para os “excessos da Operação Lava Jato”, e disse que “qualquer semelhança com algum processo penal do regime autoritário, de um regime totalitário não é mera coincidência”. Para Mendes, a conclusão pela parcialidade de Moro “é aferível a partir dos fatos narrados na impetração original, de modo a se afastar quaisquer eventuais discussões sobre o uso da prova potencialmente ilícita pela defesa”, como as conversas da Vaza Jato. Ao longo de seu voto, o ministro leu alguns trechos de conversas do Telegram vazadas pela imprensa para exemplificar seus argumentos pela parcialidade de Moro. Leia a íntegra do voto.

“O que se deve perguntar de forma direta: diante de todo o conjunto de atos jurisdicionais praticado pelo Sergio Moro, ainda é possível manter a percepção de que o julgamento do pcte deste HC foi realizado por um juiz despido de todo e qualquer preconceito acerca da culpabilidade do acusado? É ainda possível afirmar que a decisão condenatória assinada pelo magistrado serviria unicamente a realização do interesse da Justiça independente dos desígnios pessoais do magistrado? A resposta a essas duas questões parecem, com todas as venias, ser negativas”

Gilmar Mendes analisou separadamente cada um dos sete fatos trazidos pela defesa de Lula como indicativos da parcialidade do ex-juiz. 

1) Condução coercitiva

O primeiro deles refere-se à condução coercitiva, por decisão de Moro de 4 de março de 2016. O ministro lembrou que, posteriormente, o próprio Supremo proibiu a prática para investigados, e afirmou que não houve justificativa plausível para que Lula tivesse sido submetido a essa condução. “No caso específico, já naquela época, a medida foi duramente criticada por membros do Poder Judiciário, da advocacia e até mesmo por vozes isoladas da mídia, considerando que a realização da condução foi objeto de intensa exploração nos meios de comunicação. A decisão de levar o ex-presidente para depor no aeroporto de Congonhas em São Paulo tornou pouco crível a justificativa de que seu intuito seria de evitar tumulto”, disse.

2) Interceptação telefônica do escritório de advocacia

O ministro lembrou, em seu voto, que a justificativa de Moro para determinar a interceptação telefônica do advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, foi a de que ele era investigado por supostas irregularidades. Entretanto, a operadora Vivo informou que um dos números grampeados era o ramal tronco do escritório Teixeira Zanin Martins Advogados.

“No dia 23/02/2015 o juízo tomou conhecimento de que se tratava da sede da advocacia. A autoridade judicial não tomou nenhuma providência”, afirmou. Para o ministro, “interceptação de escritório de advocacia é coisa de estado totalitário. Porque o direito de defesa desaparece, sucumbe”.

“Havia no âmbito da força tarefa uma verdadeira guerra de versões, os membros do MPF e o próprio juiz Sergio Moro tentavam a qualquer custo justificar a interceptação do advogado, atribuindo-lhe status de investigado. Essa versão dos fatos não explicava, no entanto, a interceptação do ramal tronco do escritório de advocacia. Esse ponto era difícil de ser explicado por qualquer um”, continuou Gilmar.

3) Divulgação de áudios

O terceiro fato indicativo da parcialidade do juiz citado pela defesa de Lula, e analisado por Gilmar em seu voto diz respeito a divulgação de conversas obtidas em interceptações telefônicas do petista com familiares e terceiros, incluindo com a então presidente Dilma Rousseff, em 16 de março de 2016. 

“Mesmo sabedor de que a competência sobre tais atos não era mais sua, tendo em vista a menção de autoridade com prerrogativa de foro, no caso, a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-juiz, em decisão bastante singular e desconectada de qualquer precedente conhecido, levantou o sigilo dos autos com o intuito – hoje relevado inconteste – de expor publicamente o ex-presidente Lula, corroborando uma narrativa de incriminação. O caráter questionável da medida é reforçado pelo fato de ela ter exposto diálogos que foram captados em intervalos de tempo posteriores ao autorizado judicialmente, uma vez que as operadoras de telefonia demoraram a cumprir a ordem do ex-juiz Moro e o sistema usado pela PF continuou captando as ligações”, disse Gilmar. 

4) A atuação de Moro para impedir a ordem de soltura contra Lula

O quarto fato analisado por Gilmar Mendes foi a estratégia de Moro de impedir a soltura de Lula, em descumprimento a ordem do desembargador Rogério Favreto, do TRF4, de 8 de julho de 2018. “Mesmo sem jurisdição sobre o caso e em período de férias, o ex-juiz Sergio Moro atuou intensamente para evitar o cumprimento da ordem, a ponto de telefonar ao então Diretor-Geral da Polícia Federal Maurício Valeixo e sustentar o descumprimento da liminar, agindo como se membro do Ministério Público fosse, com o objetivo de manter a prisão de réu em caso que já havia se manifestado como julgador. Estamos diante do absurdo de um juiz de primeiro grau fazer as vezes da acusação e, sorrateira e clandestinamente, ‘recorrer’ da decisão proferida pelo Tribunal”, afirmou o ministro.

Para o ministro, “em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional. É inaceitável, sob qualquer perspectiva, esse tipo de comportamento.”

5)  A condenação imposta pelo juiz Sergio Moro ao ex-Presidente Lula

O ministro citou que, ao proferir a sentença contra Lula, Moro afirmou que, em sua percepção, a defesa teria atuado de modo agressivo. Para Gilmar, há uma contradição: “De um lado, uma estratégia agressiva de investigação, e de outro, uma sensibilidade de donzela para as palavras da defesa”. O ministro disse que “a absoluta contaminação da sentença proferida pelo magistrado resta cristalina quando examinado o histórico de cooperação espúria entre o juiz e o órgão da acusação”. 

Gilmar Mendes citou um dos diálogos do Telegram para exemplificar: “Em fevereiro de 2016, quando o reclamante ainda estava sendo investigado, o ex-juiz Sergio Moro chegou a indagar ao procurador Deltan Dallagnol se já havia uma denúncia ‘sólida ou suficiente’, o procurador responde apresentando um verdadeiro resumo das razões acusatórias do MP, de modo a antecipar a apreciação do magistrado. (…) A prática de se antecipar o conteúdo de manifestações tecnicas fora dos autos fazia parte da rotina do conluio”. 

6) Levantamento de sigilo da delação de Antônio Palocci Filho

 

O sexto fato foi a decisão de Moro que determinou o levantamento do sigilo e o translado de parte dos depoimentos prestados por Antônio Palocci Filho em acordo de colaboração premiada para os autos da ação do Instituto Lula, em 1 de outubro de 2018, dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais. 

Para Gilmar Mendes, “chamam a atenção as circunstâncias” em que ocorreram a juntada desta delação. “Em primeiro lugar, verifica-se que, quando referido acordo foi juntado aos autos da referida ação penal, a fase de instrução processual já havia sido encerrada, o que sugere que os termos do referido acordo sequer estariam aptos a fundamentar a prolação da sentença. Em segundo lugar, verifica-se que o acordo foi juntado aos autos do processo penal cerca de três meses após a decisão judicial que o homologou”, disse. 

Para o ministro, essas circunstâncias, “quando examinadas de forma holística, são vetores indicativos da quebra da imparcialidade por parte do magistrado”. “Essa demora parece ter sido cuidadosamente planejada pelo magistrado para gerar um verdadeiro fato político, na semana que antecedia o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018”, afirmou Mendes.

7) O fato de Moro ter assumido o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro 

“Todos estes fatos me levam a indagar: qual país democrático aceitaria como ministro da Justiça o ex-juiz que afastou o principal adversário do presidente eleito na disputa eleitoral? Em qual nação governada sob o manto de uma Constituição isso seria compatível? Em que localidade o princípio da separação dos poderes admitiria tal enredo?”, questionou Gilmar Mendes.

Em sua visão, “isso, por si só, já demonstra o interesse político pessoal do ex-juiz Sergio Moro. Houve evidente atuação inclinada a condenar e prender Luiz Inácio Lula da Silva a qualquer custo, fazendo o que fosse necessário, até a violação de direito fundamental que eventualmente isso obstar.”

O HC de Lula

No HC 164.493, Lula sustenta que Moro foi parcial em seus casos, e por isso pede a anulação dos atos do juiz em suas ações penais. O caso chegou ao STF em novembro de 2018, e começou a ser julgado em dezembro daquele ano. Naquela ocasião, os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia votaram por negar o HC, não declarando a suspeição de Moro. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Em junho de 2019, o caso voltou à pauta da 2ª Turma, mas o ministro Gilmar Mendes levou a julgamento apenas a soltura de Lula, até que o mérito do HC fosse julgado. Por 3 votos a 2, o colegiado decidiu que o ex-presidente deveria continuar preso até que fosse julgado em definitivo o habeas corpus. O caso nunca voltou a ser julgado até agora.

Em novembro de 2019, o petista foi solto em decorrência da decisão do STF que definiu ser inconstitucional o cumprimento da pena após condenação em 2ª instância, nas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54.

A 2ª Turma é composta por cinco ministros: Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski, e é a responsável por julgar casos da Lava Jato.