‘Uso da marca Legião Urbana, por quem quer que seja, deve ter autorização prévia’

Twitter Search / TJTocantins 2021-04-05

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga, nesta terça-feira (6/4), um recurso especial em que se discute se Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá podem utilizar o nome do Legião Urbana, banda da qual eram membros, em apresentações. A disputa se arrasta na Justiça desde 2013, e opõe os dois músicos e a empresa Legião Urbana Produções Artísticas, gerida pelo filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini.

A briga judicial teve início em 2011, quando Bonfá e Dado Villa-Lobos pediram à Justiça do Rio de Janeiro o direito a utilizar o uso da marca Legião Urbana em suas apresentações. A marca foi registrada no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) por Renato Russo, quando a banda ainda estava junta, bem como a participação na empresa criada por Renato em 1987.

A 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro negou a participação na empresa, mas determinou que Bonfá e Villa-Lobos pudessem usar o nome da banda e que o herdeiro de Renato Russo não poderia colocar impedimentos. A sentença transitou em julgado.

Após o trânsito em julgado, a Legião Urbana Produções Artísticas, administrada por Manfredini, ajuizou ação rescisória no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) buscando reverter esta autorização. O TJRJ negou a rescisória, então o filho de Renato Russo recorreu ao STJ, que irá se mantém ou não a decisão do tribunal fluminense. O caso é discutido no Resp 1.255.275, sob a relatoria da ministra Isabel Gallotti.

O JOTA entrevistou os advogados que representam a Legião Urbana Produções Artísticas de um lado e Bonfá e Villa-Lobos do outro.

Para os advogados Guilherme Coelho e Mateus Rocha Tomaz, sócios Sérgio Bermudes Advogados, que representam a Legião Urbana Produções Artísticas e Giuliano Mandredini, argumentam que o uso da marca, por quem quer que seja, só pode ser feito mediante autorização prévia, pois é o que consta da Lei de Propriedade Intelectual. “E o que se diz lá: uma vez registrada a marca, os direitos sobre aquela marca são de uso exclusivo do titular do registro”, afirmam. Além disso, argumentam que os ex-integrantes tinham cotas da empresa e as venderam para Renato Russo, portanto não haveria direito.

Confira a entrevista completa abaixo:

1) Do que se trata a ação em análise no STJ nesta terça-feira? 

Para entendermos a discussão atual, temos que fazer uma  digressão histórica. Em 1987, o Renato Russo criou a empresa Legião Urbana Produções  Artísticas e cedeu cotas minoritárias aos músicos da banda que, em 1988, venderam  essas cotas ao Renato. A empresa foi constituída para administrar os direitos artísticos  do Renato e de várias marcas – Eduardo e Mônica, Faroeste Caboclo e outros títulos  mais notórios. Em 2011, os ex-integrantes da banda Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá ajuizaram ação pedindo o retorno ao quadro societário da empresa Legião Urbana  Produções Artísticas. O pedido, inclusive, era bem mais favorável à condição que eles  tiveram um dia: queriam 1/3 para cada e, na prática, os dois juntos teriam o comando  da empresa. Eles nunca tiveram essa cota de participação. Enfim, nessa primeira ação,  eles não conseguiram retornar à empresa, mas conseguiram uma autorização judicial para usar o nome Legião Urbana. Então, na prática, é como se eles pudessem eleger um  outro vocalista e se apresentar como se fossem a banda. Essa ação transitou em julgado  quando ainda era patrocinada por outro escritório e, agora, o STJ analisará uma  rescisória ajuizada justamente contra esse ilegal provimento do TJRJ que permitiu a eles  o uso da marca Legião Urbana.

2) Quais são os fundamentos dessa rescisória?

O argumento central é que uma ação que relativiza, flexibiliza ou  afasta os direitos decorrentes de um registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial e Patentes (INPI) só pode ser levada a efeito, por óbvio, na Justiça Federal, com o INPI, necessariamente, sendo parte da ação. É um processo equivocado desde o princípio porque ele começa no Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. É uma ação  movida na Justiça estadual acerca de um registro expedido pelo INPI, autarquia federal.  A jurisprudência do STJ é farta no sentido de que ações assim, que flexibilizam o direito  garantido do titular de um registro de marca, só podem correr na Justiça Federal. Na ação que agora se busca rescindir, o pedido deles era o reingresso nos quadros da  sociedade, o que é completo absurdo porque eles venderam as cotas e não poderiam voltar. E aí, de forma extra petita – quando o juiz concede algo que sequer foi pedido – houve uma decisão alternativa e altamente questionável: eles poderiam usar a marca  em regime de co-titularidade, algo inexistente no ordenamento jurídico brasileiro. Uma  jabuticaba jurídica. Quando o juiz assim procede, ele invade a competência da Justiça  Federal e relativiza um registro. Não há qualquer previsão na legislação ou na  jurisprudência para condutas desse tipo, ainda mais pela Justiça Estadual. 

3) E do que se trata a outra ação relacionada à Legião Urbana que também tramita no STJ?

Essa outra é um recurso de uma ação iniciada pela empresa, mas  não está pautada. Com a decisão da Justiça Estadual, os ex-integrantes têm hoje uma  precária autorização judicial para usarem a marca. No dia 6, será apreciada a  possibilidade de eles usarem o registro sem autorização da detentora. Como essa  sentença passou a existir em 2014 – ainda que seja contrária ao que a gente entende  como legal e correto – a empresa entrou com uma segunda ação dizendo: “Se existe a  autorização de uso, ela tem de ser regulada e a empresa cuja marca é usada,  remunerada”. E a Justiça do Rio de Janeiro entendeu, inclusive com certa perplexidade pela anterior da autorização judicial, que eles devem pagar pelo uso da marca. O próprio  Tribunal de Justiça, quando analisou a questão colegiadamente, sinalizou que não  concordava com a flexibilização do uso do registro, mas que, diante do fato, eles teriam que pagar. O registro de uma marca, pressupõe a manutenção dela, do legado, da obra  e tudo isso tem custos. Como a marca é registrada por um titular, não é justo, ainda que  autorizado judicialmente, que se possa usá-la de forma gratuita. Ela tem uma única  dona, uma empresa que a concebeu e que é detentora. Então, em um segundo  momento, a Justiça estadual determinou que os ex-integrantes têm de pagar 1/3 do  lucro líquido à empresa cada vez que usarem a marca Legião Urbana.

4) Então, a empresa quer o pagamento pelo uso da marca Legião Urbana?

A empresa quer que o uso da marca, por quem quer que seja, independentemente se são os ex-integrantes da banda ou não, seja feito mediante  expressa autorização prévia. Isso é normal para qualquer marca. Não há invenção. É o restabelecimento da autoridade do artigo 129, da lei 9.279, que regula a propriedade intelectual no Brasil e a atuação do INPI. E o que se diz lá: uma vez registrada a marca, os direitos sobre aquela marca são de uso exclusivo do titular do registro.

5) O que acontece se os ministros concordarem com o entendimento de que há  um erro de competência processual?

Reconhece-se, então, a nulidade porque a ação teve início em  foro incompetente. O passado não tem como ser desfeito, não podemos desfazer os  shows que eles fizeram usando a marca Legião Urbana. Então, a ação relativa à cobrança  segue existindo em relação a esse período. Eventualmente, os ex-integrantes poderiam pedir autorização para usar a marca e se apresentar como Legião Urbana, mediante  pagamento de X ou Y, assim como acontece com qualquer detentora de registros no  Brasil. E tal decisão caberia somente à empresa Legião Urbana. Juridicamente, o Renato Russo definiu que a banda pertencia a uma empresa dele. A partir desse momento,  qualquer decisão sobre a banda é, única e exclusivamente, da empresa. 

6) Mas a empresa pertence a um herdeiro, que os ex-integrantes alegam que os  impede de tocar, de trabalhar. A decisão de que a banda Legião Urbana não toca mais foi do Renato ou é do Giuliano Manfredini?

Há entrevistas da gravadora e dos ex-integrantes após a morte do  Renato que sublinham: não existe Legião Urbana sem Renato Russo. Isso foi um acordo  deles em vida. Mas, mais importante que uma história contada por dois que  sobreviveram e silenciada por um que não pode mais falar, é o arranjo jurídico que o Renato fez em torno da empresa. Hoje, não existe possibilidade jurídica de se reabrir essa discussão. O ex-integrantes tinham cotas e venderam essas cotas, dando plena  quitação. E sempre foram cotas minoritárias. Se o Renato quisesse que a banda  continuasse após a sua morte, teria expressamente legado esse direito aos ex-integrantes, o que jamais ocorreu.

7) Mas eles estão impedidos de trabalhar?

Mateus Rocha Tomaz – Eles são músicos, ninguém vai tirar isso deles, ninguém impede  que eles toquem, nem mesmo as músicas da Legião. Eles tentam há anos construir uma  narrativa que os coloca nessa posição de atados profissionalmente pela empresa, mas  não é isso que acontece. A questão é sobre o direito da marca. Toda banda tem titularidade de registro. A banda Legião Urbana não pode se apresentar porque para a banda se apresentar a empresa Legião Urbana Produções Artísticas precisa necessariamente autorizar. Depois que os Beatles desfizeram a formação da banda, nunca mais os Beatles se apresentaram, nem mesmo após a morte de Jonh Lennon. O Paul McCartney sempre se apresentou como Paul McCartney e os fãs da banda seguiram indo aos seus shows. Há outros casos, por exemplo, a banda Guns N’Roses, que obteve muito sucesso com a participação do guitarrista Slash, mas a banda pertence ao vocalista Axl Rose. Depois que o Slash saiu, Axl fez diversas formações da banda, até com músicos anônimos, mascarados. A banda pertence a ele. Por mais que se possa associar a imagem de ex-integrantes a uma determinada banda, quem pode colocá-la em atividade é o detentor do registro. É o que determina a legislação e esse é o direito que a empresa defende e sempre defendeu