Número de denúncias sobre crimes sexuais em Portugal ainda é baixo, segundo ministra do Tribunal Constitucional lusitano
TJAM 2017-10-30
Summary:
Em conversa exclusiva com o Portal do TJAM, ministra observa que legislação tem sido alterada em países europeus visando avanços.
A taxa de denúncias em Portugal relacionadas a crimes sexuais, feitas por vítimas adultas, ainda é considerada muito baixa, de acordo com a ministra Maria Clara Sottomayor, do Supremo Tribunal de Justiça e juíza de carreira do Tribunal Constitucional de Portugal, o correspondente ao Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil.
“A maioria das mulheres não presta queixa”, disse. Os crimes de violação e coação sexual não são considerados crimes públicos em Portugal e dependem de denúncia ou queixa da vítima, explicou a ministra em entrevista exclusiva ao Portal do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), quando esteve em Manaus, participando da terceira edição do Congresso Internacional de Direito Processual e Constitucional, promovido pelo Ciesa e que reuniu especialistas brasileiros e portugueses na capital amazonense, nos dias 19 e 20 de outubro.
Entretanto, conforme a ministra Maria Clara Sottomayor, a lei foi alterada recentemente e já admite que o Ministério Público, tendo conhecimento dos fatos e no interesse da vítima, possa ingressar com ações judiciais. “Mas esta lei é muito recente, de 2015, e não sabemos se vem sendo de fato aplicada. A maior parte do que é denunciado está relacionada com abusos sexuais de crianças, estes são crimes públicos, porém, provavelmente, outra grande parte desses crimes nunca chegue ao conhecimento das autoridades ou ao Sistema Judiciário porque há muito silêncio sobre esses temas; muitas vezes, não se dá credibilidade às crianças, que também têm medo de falar”, comentou.
Não há uma estimativa de número de casos não denunciados em Portugal e, conforme Maria Clara Sottomayor, acredita-se que, a partir dos inquéritos feitos com os adultos que relatam terem sido abusados sexualmente na infância ou na adolescência, os números sejam altos. Em relação às mulheres portuguesas, um dos motivos para o “silêncio” teria a ver com a própria cultura do país.
“Em termos sociais e culturais, foi dito às mulheres que esses crimes sexuais são assuntos privados delas e, portanto, têm vergonha de relatar; por outro lado, elas desconfiam da Justiça e acham que os tribunais não as irão proteger porque acreditam que vivem numa sociedade de preconceitos e têm receio de avançar com as queixas”, apontou Sottomayor, ressaltando que grande parte das mulheres portuguesas não tem consciência do conceito legal de “violação”, pensando inclusive que é preciso ocorrer uma violência física para serem consideradas como vítimas.
A lei penal em Portugal já foi alterada em relação a essa questão, em 2015, conforme a ministra, e basta a mulher não consentir o ato sexual que pode ser considerado um crime de coação ou violação – nos termos da lei penal portuguesa. Maria Clara Sottomayor, que foi professora na Universidade Católica do Porto por mais de 23 anos, ao refletir sobre a Lei brasileira nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”, considerou a legislação muito boa, apesar de não conhecer a aplicação prática da mesma, porém, já estudou a normatização e comentou a importância de o Brasil possuir varas especializadas para julgar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, dispositivos que preveem as medidas protetivas às vítimas e medidas provisórias com aplicação imediata, além da possibilidade de o agressor ser preso preventivamente, “que trata-se de um avanço em relação à Lei portuguesa, que não prevê expressamente a possibilidade de prisão preventiva do indivíduo indiciado por violência doméstica”.
Ainda conforme a ministra, por força de diretivas da União Europeia, tem havido avanços no combate à violência doméstica e à exploração e abuso sexual de crianças em países da Europa, sobretudo no âmbito dos direitos do público infantil, embora ainda haja uma discrepância entre aquilo que é a lei escrita e a lei no seu processo de aplicação. “Isso acontece porque não temos uma formação especializada dos juízes e profissionais que lidam exclusivamente com as vítimas e também existem aspectos sociais que o Estado não tem zelado por eles, como, por exemplo, a realização de campanhas de sensibilização e informação junto à sociedade para aumentar a taxa de denúncias porque se isso não houver, o sistema não pode atuar para coibir”, acrescentou.
Portugal não possui Varas Especializadas em Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, como há no Brasil. Nas terras lusitanas existem os Tribunais Penais e de Família que recebem e julgam os processos relacionados a esses casos, situação que sempre tem gerado problemas para as partes processuais, na avaliação da ministra. “Têm ocorrido problemas para as crianças, por exemp