Consensualidade nas antigas concessões
JOTA.Info 2024-03-13
A legislação brasileira tem incorporado instrumentos para estimular a participação privada na concepção e gestão de concessões públicas. Isso se revela, por exemplo, na previsão de procedimentos de manifestação de interesse, nas consultas públicas, nas formas de composição extrajudicial de conflitos, na celebração de acordos para viabilizar o cumprimento de obrigações ou a aplicação de sanções.
Essas fórmulas surgiram nos últimos 25 anos e têm recebido merecida atenção dos estudiosos do Direito contratual público. Há quem enalteça essa tendência, mas também há críticos ao que seria uma ruptura com dogmas do Direito Público.
Mas esse tipo de colaboração de particulares com o processo decisório público seria exclusividade das concessões contemporâneas?
A literatura jurídica do passado omite a interação entre o público e o privado na concepção de projetos. Tampouco registra a existência de acordos para a solução de impasses típicos desse modelo contratual, como os relativos à fixação de tarifas ou à criação de novas obrigações ao contratado.
Concessões antigas são apresentadas como fruto de atuação estatal autossuficiente, impositiva de soluções unilateralmente concebidas. Diz-se que o Estado impõe soluções ao contratado valendo-se de prerrogativas típicas de um regime de exorbitância.
A falta de textos jurídicos que registrem a participação privada na formulação de soluções para as concessões do passado não significa que elas não tenham ocorrido. A doutrina da época valorizava basicamente situações litigiosas, que descambavam para a extinção do contrato ou para a judicialização. Soluções consensuais não integravam o objeto de estudo dos juristas.
É improvável que a consensualidade nas concessões antigas tenha se resumido à adesão do particular aos modelos econômicos e operacionais constituídos sob o influxo exclusivo de uma relação verticalizada (top-down), com o Estado formulando e impondo unilateralmente soluções aos concessionários.
Historiadores e economistas demonstram que a realidade não confirma a narrativa “estadocentrista”. Grandes empresários nacionais (como o Barão de Mauá) e grupos econômicos estrangeiros (como a Light and Power) conceberam as primeiras concessões de ferrovia, de portos, de telégrafo, de energia elétrica e telefonia. A implementação e execução desses projetos, quando não tiverem sofrido questionamentos judiciais, podem revelar métodos consensuais de gestão.
Estudar com boa técnica historiográfica as relações jurídicas do passado pode revelar um importante papel da consensualidade nessas concessões. Isso é útil não só para ajustar o relato sobre a história do nosso Direito, mas também para desmistificar a adoção da consensualidade.
O passado pode descortinar o óbvio: a inafastável presença da consensualidade nas parcerias entre o Estado e particulares. A ideia de que sempre coube ao ente público a definição unilateral dos modelos de prestação dos serviços públicos pode ser apenas saudade de um passado inexistente.