ICMS sobre o transporte: setor elétrico por um fio

JOTA.Info 2024-03-28

A preocupação com o impacto do custo excessivo da energia sobre as condições dos consumidores foi incorporada na agenda da opinião pública brasileira. Agentes do setor elétrico, representantes de governos e de órgãos reguladores têm se manifestado em diversas ocasiões a respeito do assunto, reverberando um discurso anteriormente limitado às associações de defesa dos consumidores. Mas, na prática, as boas intenções da sociedade em geral permanecem distantes de se tornarem realidade, enquanto os movimentos em direção contrária seguem a todo o vapor.

Há alguns dias, essa preocupação ganhou um novo ingrediente: desta vez, trata-se da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à integração da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) na base de cálculo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

A discussão no tribunal, que resultou nessa decisão, parece pautada pelo assombro da questão arrecadatória, tendo em vista que o novo entendimento se aplicará inclusive àqueles consumidores que, por muitos anos, obtiveram liminares judiciais para a exclusão do imposto sobre essas tarifas.

Referidas liminares judiciais foram concedidas com base na tese de que o transporte da energia elétrica – tanto na etapa distribuição como na de transmissão – não constituía base de incidência do imposto por se tratar apenas da disponibilidade de uma infraestrutura para o recebimento da mercadoria energia.

Agora, com a argumentação de que energia, em sendo uma mercadoria, não circula sem a infraestrutura, e que a Constituição Federal determina a incidência do ICMS sobre todas as “operações” relativas à energia elétrica, o entendimento é de que não há como separar as etapas. Ou seja, o imposto deve incidir sobre todo o fornecimento, incluindo também as tarifas de demanda, que abrangem a TUSD e TUST.

Importante notar que a legislação setorial, nela incluindo a metodologia tarifária, expressamente separa as chamadas “etapas” que o Judiciário não vislumbra, mas que o consumidor claramente percebe: as tarifas são calculadas distinguindo a mercadoria – Tarifa de Energia (TE) e de uso do sistema (TUSD/TUST), sendo, ainda, incluídos na TUSD ou na TUST os encargos setoriais e sobre os quais também incidirão impostos que não têm qualquer vínculo com a circulação de mercadorias!

A facilidade de se arrecadar impostos via contas de luz transformou a energia elétrica num dos itens mais atrativos do país. Não é à toa que, combinados com os encargos, os impostos representam mais da metade dos valores médios pagos pelos consumidores.

O problema é que, ao participar da engrenagem perversa que pressiona os custos da energia, a elevada carga de impostos acaba por prejudicar o interesse principal dos arrecadadores. Isso porque imposto maior se traduz em pressão direta sobre os custos dos produtos e serviços, desafiando ainda mais a competitividade das empresas nacionais. A consequência direta são limitações na ponta final, dos consumidores, que têm de reduzir ainda mais os itens que colocam no carrinho do supermercado e demais iniciativas de consumo. Não tem muito jeito: o efeito direto e imediato é a redução da receita tributária que se gostaria de aumentar.

Podemos estar enganados, mas os representantes do Judiciário não têm se manifestado em relação ao custo da energia. Independentemente disso, suas decisões não podem ignorar por completo a reafirmada preocupação, nas diversas instâncias da sociedade brasileira, com os impactos do custo excessivo da energia no país. O fato é que está muito difícil vermos uma saída: nesse ritmo, o setor elétrico vai atingir um colapso com o comprometimento de toda a sua cadeia. A única certeza dessa equação é que seu resultado será negativo para a imensa maioria dos brasileiros.