Marco Legal das Garantias traz mudanças significativas para setor de seguros

JOTA.Info 2024-05-18

O Poder Executivo elaborou o PL 4188/2021 com o objetivo claro de impulsionar a economia nacional através da simplificação dos procedimentos relacionados à utilização de garantias para a concessão de crédito às entidades, tanto físicas quanto jurídicas.

O intuito é que o impulsionamento da economia ocorra a partir da criação de instituições gestoras de garantias (IGGs), pessoas jurídicas de direito privado que funcionarão somente a partir da autorização do Banco Central por meio de critérios previamente definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Em linhas simples, o objetivo econômico em geral é permitir que as IGGs gerenciem os ativos dados como garantias de empréstimos pessoais ou empresariais, promovendo a concorrência entre os bancos e, consequentemente, a redução da taxa de juros, a facilidade na avaliação da garantia estabelecida nos contratos e, não menos importante, o fomento da atuação das fintechs no mercado de crédito.

Dentre as alterações trazidas pelo Marco Legal das Garantias, estão as mudanças legislativas para o cenário do mercado de seguros, projetando-se uma série de expectativas sobre as ofertas de produtos do setor. Assim, o presente artigo busca apresentar as mudanças provenientes da mudança da legislação e destacar as expectativas do mercado securitário para essa mudança.

O Marco Legal das Garantias

Em 31 de outubro de 2023, o PL 4188/2021, também conhecido como Marco Legal das Garantias, foi sancionado e transformado na Lei 14.711/2023, trazendo significativa mudança, como, por exemplo, para o cenário do mercado de seguros brasileiro com a inclusão do contrato de contragarantia como título executivo extrajudicial e projeta uma série de expectativas sobre as ofertas de produtos do setor.

O termo “marco legal das garantias” é aplicado a diferentes contextos, dependendo do campo específico, e pode ser destinado a fazer referência sobre:

  • garantias financeiras ou bancárias, leis ou regulamentações que estabelecem as regras e requisitos para garantias em transações financeiras ou bancárias, abrangendo garantias de empréstimos e cartas de crédito;
  • garantias jurídicas, sobre leis e normas que regem os contratos de garantia, seja no âmbito civil, comercial ou de outros setores específicos, dentre outros. Além disso, em alguns casos, o termo pode ser usado em referência às leis que protegem investidores e suas garantias em determinados setores ou mercados.

Dentre as alterações trazidas pelo Marco Legal das Garantias, está a possibilidade de utilizar um mesmo bem como garantia para a concessão de mais de um empréstimo. Em síntese, significa que a garantia fiduciária ou hipotecária será averbada pelos cartórios de registro independente do cancelamento da garantia original com o justo propósito de fornecer publicidade à situação do bem ou das pessoas, e não registrados, no caso de transferência de propriedade, na matrícula registral de contratos de alienação fiduciária.

Assim, tais contratos de empréstimo terão sua eficácia automaticamente validada no momento da quitação do financiamento anterior, conforme disposto no artigo 22, § 3º da Lei 9.514/1997, a qual dispõe sobre a alienação fiduciária de coisa imóvel.

Na eventualidade de inadimplência do crédito originário, o credor poderá liquidar todas as dívidas supervenientes dos demais credores, como delineado nos termos do artigo 22, § 6º e § 8º. Nesta linha de raciocínio, o § 6º estipula que o descumprimento de quaisquer obrigações garantidas pela propriedade fiduciária, autoriza o credor a considerar vencidas as demais obrigações de sua titularidade e garantidas pelo mesmo imóvel, inclusive nos casos em que a titularidade decorra do estabelecido no art. 31 da referida Lei (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023). Em complemento, o § 8º dispõe sobre a necessidade do instrumento constitutivo da alienação fiduciária, conforme o § 3º, conter cláusula que prevê a situação mencionada no § 6º deste artigo (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023).

Antes do Marco Legal das Garantias ser sancionado, o Alienante (devedor fiduciário) adquiria um empréstimo e tornava-se possuidor direto do bem, o que gerava impossibilidade de negociar o seu crédito com terceiros ou oferecer o bem como garantia em outros empréstimos. Com a promulgação da Lei, o devedor fiduciário passa a ter a possibilidade de realizar outras alienações fiduciárias, as quais somente terão eficácia após a quitação da alienação anterior, sem a necessidade de anuência do credor.

Expectativas e mudanças para o mercado de seguros

O setor de seguros tem significativa participação na economia brasileira, sendo responsável por 6,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional em 2023. Diante dessa suma importância e da necessidade de impulsionar a economia frente às recentes crises econômicas enfrentadas pelo Brasil, foi sancionado pelo Presidente da República o Novo Marco das Garantias (Lei Ordinária nº 14.711/2023).

Será possível maior participação das fintechs no mercado de seguros, pois poderão atuar como Instituições Gestoras de Garantias (IGG), empresas responsáveis por gerenciar os ativos dados como garantias de empréstimos pessoais ou empresariais.

A expectativa é que as IGGs gerem concorrência entre os bancos e maior facilidade na avaliação da garantia, podendo, consequentemente, reduzir as taxas de juros do mercado. A atuação dessas instituições não será obrigatória, e os bancos poderão gerenciar as garantias por conta própria, sendo as IGGs apenas uma opção do mercado.

Entre as novidades legislativas trazidas pelo Marco Legal das Garantias, está a inclusão do contrato de contragarantia ou qualquer outro instrumento que garanta o direito de ressarcimento da seguradora em casos de seguro garantia como título executivo extrajudicial ao caput do artigo 784 do Código de Processo Civil[1].

O contrato de contragarantia é o instrumento pelo qual é regulamentado o direito de ressarcimento da seguradora diante do tomador em casos de ocorrência de sinistro, quando é necessário realizar o pagamento de indenização ao segurado ou até mesmo mediante cobrança de prêmios que não foram pagos.

Na relação entre a seguradora e o segurado, diante do descumprimento das obrigações pelo tomador garantido, ocorre a ativação da apólice e o cumprimento das obrigações estipuladas. Por outro lado, na interação entre o tomador e a seguradora, há a emissão da apólice e a formalização do contrato de contragarantia. Esse contrato tem como objetivo mitigar o risco assumido pela seguradora em relação ao cumprimento das obrigações.

Na contragarantia, o tomador assume responsabilidades perante a seguradora, incluindo a apresentação de garantias colaterais, o adiantamento de valores da indenização diretamente ao segurado, a aplicação de multas e juros para possíveis valores devidos, e a indicação de fiadores para uma eventual ação de ressarcimento.

Antes do Marco Legal das Garantias entrar em vigor, para serem executados, os contratos de contragarantia precisavam passar pelo processo de conhecimento judicial para que fossem reconhecidos o direito e a força executória do título, para só então ser levado à execução judicial.

Em decorrência disso, as seguradoras eram compelidas a ingressar com ações ordinárias de cobrança ou monitórias, caracterizadas por um período de tramitação mais extenso, para recuperar os valores regressivos junto ao tomador do seguro e eventuais coobrigados mencionados no CCG.

Com o advento da Lei 14.711, os contratos de contragarantia foram incluídos no rol do artigo 784 do Código de Processo Civil como títulos executivos extrajudiciais e passam a serem liquidados de forma mais descomplicada, permitindo reduzir o tempo e os custos presentes no processo de conhecimento pelo qual precisavam passar antes de serem executados.

Em consonância ao advento do Marco Legal das Garantias, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgado que versa sobre a possibilidade de execução de contrato de garantia e contragarantia, afirmou que essa espécie de contrato constitui documento hábil ao ajuizamento de ação monitória, inclusive com a apresentação da evolução da dívida (STJ, AResp nº 2204709).

O novo marco também representa mais uma contribuição para fortalecer a eficácia do Seguro Garantia como uma das modalidades de garantia estabelecidas em contratos públicos para obras, serviços e aquisições. Destaca-se como uma das opções preferenciais para proteger os riscos associados aos tomadores de recursos, visando fomentar investimentos em infraestrutura e concessões.

Conclusão

À luz do exposto, o Marco Legal das Garantias aprimorou o tratamento da recuperação de crédito, permitindo que, a título de exemplo, o credor de uma dívida vencida e não paga possa intimar pessoalmente o devedor por meio de agente oficial de registro de imóveis para adimplemento da dívida no prazo de 15 dias.

Nesse sentido, é possível esperar que a execução extrajudicial de créditos se tornará mais ágil e simples, dispensado a formalidade de se submeter ao crivo de um processo de conhecimento perante o Poder Judiciário.

Além disso, diante da facilidade na execução do contrato de contragarantia, a expectativa é que haja um fomento no setor de seguros, levando as seguradoras e resseguradoras a assumirem riscos maiores e até mesmo mais complexos, onde todos os stakeholders do setor econômico de seguro envolvido se beneficiarão, dada a maior previsibilidade e segurança jurídica do documento.Parte superior do formulário

A iniciativa representa excelente notícia ao mercado, uma vez que a busca pelo ressarcimento pelas seguradoras, por meio do Poder Judiciário, perpassa por um processo moroso, pois os custos para as seguradoras e resseguradoras aumentam e, consequentemente, impactam os prêmios de seguro e desestimulam a assunção de certos riscos, prejudicando, inclusive, o crescimento econômico.

Entretanto, as medidas relacionadas à retomada da posse dos bens dados como garantia permanecem sujeitas à avaliação do Judiciário, especialmente aquelas. A justificativa para os vetos efetuados pelo Poder Executivo baseia-se na preservação dos direitos e garantias individuais dos devedores. Isso ocorre porque medidas coercitivas devem ser debatidas e determinadas no âmbito do devido processo legal, respeitando as garantias estabelecidas pela Constituição Federal.

Vale destacar que a maioria das alterações só terá efeito em contratos futuros, uma vez que a implementação de várias das medidas previstas pela nova lei requer previsão contratual específica.

Em contrapartida, é importante se atentar ao fato de que essa alteração legislativa exige a elaboração cautelosa dos contratos de contragarantia, buscando evitar eventuais conflitos entre as partes oriundos de quaisquer dúvidas sobre os termos e condições estabelecidos no contrato.

As medidas que viabilizam negociações extrajudiciais para a recuperação de créditos, incluindo a opção de conceder descontos, têm o potencial de favorecer o mercado de seguros de crédito. Isso se deve à redução do risco de inadimplência e das perdas para as seguradoras. Tal cenário pode ampliar o interesse do mercado segurador em oferecer garantias para empréstimos.

Por fim, vale destacar que a observação da eficácia dessas alterações na prática é extremamente necessária, ou seja, devemos observar a implementação concreta e o impacto efetivo que terão no mercado de crédito e seguros, o que somente será possível com a evolução do marco legal, uma vez que se trata de uma novidade legislativa ainda recente.


[1] Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque; II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; III – o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas; IV – o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal; V – o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução; VI – o contrato de seguro de vida em caso de morte; VII – o crédito decorrente de foro e laudêmio; VIII – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio; IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas; XI – a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei; XI- A – o contrato de contragarantia ou qualquer outro instrumento que materialize o direito de ressarcimento da seguradora contra tomadores de seguro-garantia e seus garantidores; (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023) XII – todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

Advogado explica mudanças trazidas pelo marco legal das garantias. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/396289/advogado-explica-mudancas-trazidas-pelo-marco-legal-das-garantias>. Acesso em: 12 jan. 2024.

Contrato de Contragarantia passa a ter força de título executivo extrajudicial. Disponível em: <https://www.mattosfilho.com.br/unico/contrato-garantia-executivo-extrajudicial/> Acesso em: 12 jan. 2024. 

VILAR. O que muda com as alterações trazidas pela Lei nº 14.711/2023 – Lei da Alienação fiduciária, com vigência desde 30/10/2023? Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-que-muda-com-as-alteracoes-trazidas-pela-lei-n-14711-2023-lei-da-alienacao-fiduciaria-com-vigencia-desde-30-10-2023/2033374490>. Acesso em 12 jan. 2024.

GILMARASANTOS. Novo Marco das Garantias pode reduzir custo dos seguros? Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/novo-marco-das-garantias-pode-reduzir-custo-dos-seguros/>. Acesso em: 12 jan. 2024.

JAMILLENIERO. Mercado de seguros lança plano para alcançar 10% do PIB em 2030. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/mercado-de-seguros-lanca-plano-para-alcancar-10-do-pib-em-2030/>. Acesso em: 12 jan. 2024.

KONISHI, B. R., Jéssica Kaori. Lei 14.711/23: Marco Legal das garantias de empréstimos – Bancário, seguros e financeiro. Disponível em: <https://www.machadomeyer.com.br/pt/inteligencia-juridica/publicacoes-ij/bancario-seguros-e-financeiro-ij/lei-14-711-23-marco-legal-das-garantias-de-emprestimos>. Acesso em: 12 jan. 2024.

Marco das garantias traz dinamismo ao mercado de seguros, diz advogada. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/397430/marco-das-garantias-traz-dinamismo-ao-mercado-de-seguros-diz-advogada>. Acesso em: 12 jan. 2024.

Novo marco das Garantias aprovado pela Câmara amplia apetite do mercado segurador – CQCS. Disponível em: <https://cqcs.com.br/noticia/novo-marco-das-garantias-aprovado-pela-camara-amplia-apetite-do-mercado-segurador/>. Acesso em: 12 jan. 2024.

Novo marco: reflexos da Lei no 14.711/2023 para o sistema de garantias brasileiro. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-nov-13/gabriela-gusmao-reflexos-da-lei-no-14-711-2023/>. Acesso em: 12 jan. 2024.

PEREIRA. Marco legal das garantias: Principais pontos. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/marco-legal-das-garantias-principais-pontos/2030711251>.  Acesso em: 12 jan. 2024.

Novas regras sobre garantias de crédito. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/847456-proposta-do-poder-executivo-muda-as-regras-sobre-garantias-de-credito/>. Acesso em: 21 fev. 20254.

STJ – AREsp: 2204709, Relator: Marco Aurélio Bellizze, Data de Publicação: 02/02/2024 Disponível em: <https://encurtador.com.br/gtX36>. Acesso em: 21 fev. 2024.