Imposto seletivo: afinal, do que se trata?

JOTA.Info 2024-05-24

A recém-aprovada EC 132/2023 reformulou a tributação sobre o consumo com a fusão de vários tributos em um IVA dual, isto é, um tributo sobre o valor agregado em nível federal (CBS) e outro em nível subnacional (IBS). A referida emenda constitucional também previu um imposto seletivo. Mas o que seria esse imposto seletivo?

O imposto seletivo é um tributo sobre o consumo. No entanto, diferentemente de outros tributos sobre o consumo como o imposto sobre o valor agregado (IVA) e o imposto sobre vendas (sales tax), esse tributo incide sobre produtos ou atividades específicos ou selecionados, razão pela qual de nome “imposto seletivo”.

Também chamados de “excises taxes”, esses tributos são hoje uma realidade em diversos países. Atualmente, nos Estados Unidos, o imposto seletivo em nível federal incide sobre diversos produtos, serviços e atividades entre os quais motores combustíveis, tabaco e álcool, havendo ainda uma variedade de outros impostos seletivos em nível estadual[1].

Esses impostos estão normalmente associados a determinados produtos e atividades. Também conhecidos como “impostos sobre o pecado” ou “sin taxes”, o tributo incide sobre itens que o legislador entendeu como nocivos ou prejudiciais. A ideia do tributo seria justamente desencorajar esse comportamento considerado “pecaminoso”[2].

Os impostos seletivos possuem um caráter primordialmente extrafiscal. Quer dizer, seu principal propósito não é arrecadar recursos para as despesas estatais, ainda que secundariamente também visem à arrecadação. Seu objetivo principal seria modificar comportamentos, de forma a desencorajar determinados produtos por meio do aumento de seu preço.

O imposto seletivo não apenas desincentiva o consumo de determinados produtos como também pode incentivar a reformulação da sua composição. No Reino Unido, por exemplo, onde o “sugar tax” varia conforme nível de açúcar, alguns fabricantes de refrigerantes reduziram a quantidade de açúcar nas bebidas, de forma a incidir em uma alíquota menor[3].

Quando desenhados para que o tributo seja equivalente ao custo social gerado em decorrência da atividade ou produto que se quer desencorajar (externalidade negativa), esses tributos são chamados de impostos pigouvianos (“pigouvian taxes”) em referência ao economista britânico, Arthur Pigou, que os popularizou[4].

A ideia do imposto pigouviano é internalizar um custo que não está precificado pelo mercado. O imposto aumentaria o preço dos produtos ou serviços que geram externalidades negativas. O aumento do preço teria por consequência, então, mudar o comportamento dos consumidores[5]. Exemplo típico de imposto pigouviano é o imposto seletivo sobre os cigarros. Explico.

Pessoas que consomem cigarros possuem maior propensão a doenças pulmonares, tais como câncer e enfisema pulmonar. Por consequência, essas pessoas têm mais chances de precisar de tratamento de saúde, onerando o seu convênio particular, caso tenham um, ou o sistema de saúde público, que depende de recursos governamentais.

A cobrança de um imposto seletivo sobre os cigarros teria a finalidade de internalizar uma externalidade negativa (custo social adicional com a saúde) gerada pelo consumo do cigarro. O valor do imposto cobrado seria incorporado no preço do cigarro desestimulando, assim, o seu consumo. A arrecadação, por sua vez, poderia ser destinada para compensar essa externalidade.

Um dos problemas associado aos impostos seletivos – e aos impostos sobre o consumo, de forma geral – é que eles são regressivos. Ainda que os produtos ou serviços sobre os quais incide o imposto sejam consumidos em mesma quantidade, absorvem uma proporção maior dos rendimentos de pessoas de baixa renda do que de pessoas de renda elevada[6].

Outra crítica feita aos impostos seletivos diz respeito à sua própria essência: é que eles acabam por discriminar os consumidores com rendimentos equivalentes com base em suas preferências de consumo, na medida em que incidem somente sobre determinados produtos e/ou atividades. Com efeito, eles não observariam a equidade horizontal e vertical[7].

Nos últimos anos, surgiram novas categorias de impostos seletivos. É o caso, por exemplo, das apostas esportivas, uso recreacional da maconha, cigarros eletrônicos, sacolas plásticas etc.[8] Nessa linha, recentemente, a Colômbia introduziu um imposto sobre “junk food”, isto é, alimentos ultraprocessados, ricos em sal e gorduras saturadas[9].

No final de abril desse ano, o governo apresentou o PLP 68/2024, que traz uma série de regras relacionados ao imposto seletivo, inclusive os bens sobre os quais o tributo irá incidir. A lista de bens inclui veículos, embarcações, aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcóolicas, bebidas açucaradas e alguns bens minerais como minério de ferro, petróleo e gás natural[10].

O projeto, atualmente na Câmara dos Deputados, sequer teve ainda andamento. Se e quando aprovado, ainda precisará passar pelo Senado e depois ser sancionado pelo presidente da República, mas a proposta já revela quais produtos o governo pretende tributar com o novo imposto. É importante que a sociedade esteja atenta e participe da discussão legislativa.


[1] BOESEN, Ulrik. Excise tax Application and Trends. Tax Foundation. Fiscal Fact n. 753, mar. 2021, p. 03. Disponível em: Excise Taxes | Excise Tax Trends | Tax Foundation.

[2] MCMAHON, Stephanie Hunter. Principles of Tax Policy. St. Paul: West Academic Publishing, 2018, p. 495.

[3] OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires de. Soda tax: tributação com propósito de inibir o consumo de refrigerantes. Disponível em: Soda tax: tributação com propósito de inibir o consumo de refrigerantes – JOTA.

[4] Para uma análise crítica dos impostos pigouvianos, conferir: FLEISCHER, Victor. Curb your enthusiasm for Pigouvian Taxes. Vanderbilt Law Review, v. 68, 2015, p. 1673-1713.

[5] STEWART, Miranda. Tax & Government in the 21st Century. Cambridge: Cambridge University Press, 2022, p. 98.

[6] Para uma análise de como o imposto sobre vendas (sales tax) e o imposto seletivo (excise tax) são regressivos nos EUA, conferir: SAEZ, Emmanuel; ZUCMAN, Gabriel. The triumph of injustice: how the rich dodge taxes and how to make them pay. New York: W. W Norton & Company, 2019, p. 16-18.

[7] MUSGRAVE, Richard A.; MUSGRAVE, Peggy B. Public Finance in Theory and Practice, 45h ed. United States: McGraw-Hill, 1989, p. 403-404.

[8] Sobre as novas tendências dos impostos seletivos, conferir: BOESEN, Ulrik. Excise tax Application and Trends. Tax Foundation. Fiscal Fact n. 753, mar. 2021, p. 23-35. Disponível em: Excise Taxes | Excise Tax Trends | Tax Foundation.

[9] Para mais detalhes sobre o imposto sobre comidas não saudáveis na Colômbia, conferir: Colombia passes ambitious ‘junk food law’ to tackle lifestyle diseases | Global development | The Guardian.

[10] Para mais detalhes sobre o conteúdo e andamento do PLP 68/2024, conferir: Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br).