Preço médio e a valoração aduaneira

JOTA.Info 2024-05-24

Novidades do front. A Receita Federal, como autoridade aduaneira, vem fazendo uso de uma regra nos procedimentos de fiscalização no despacho aduaneiro, que não tem qualquer previsão legal, mas que, como “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, vários importadores vêm, apenas, suportando calados.

E o que está acontecendo? A Receita Federal está impondo aos importadores de produtos diversos uma espécie de preço-médio, como se fosse uma verdadeira pauta fiscal. Ou o seu preço está idêntico àquele preço-médio, e você vai ter uma boa sorte quando a sua Declaração de Importação for parametrizada para um canal de conferência diferente do verde, ou, se estiver menor, prepare-se. A Receita Federal irá, simplesmente, arbitrar o valor aduaneiro de sua mercadoria, independentemente da identificação de qualquer irregularidade no preço declarado.

E quais as consequências desse arbitramento? São várias. Vamos a elas:

  1. Imputação de suposta prática de crime pelo particular;
  2. Necessidade de depósito administrativo do valor da diferença dos tributos, em razão do arbitramento, acrescido de multa de ofício de 75%, para a liberação da mercadoria;
  3. Necessidade de contratação de escritório especializado para a elaboração da defesa;

Sobre o primeiro ponto, é importante esclarecer que a legislação brasileira impõe ao agente administrativo da Receita Federal do Brasil a obrigação de reportar ao Ministério Público Federal, por meio do envio de Representação Fiscal para Fins Penais, qualquer prática que contenha indícios de crime.

Ao imputar o arbitramento de valores, é certo que a autoridade fiscal considerou imprestáveis os documentos apresentados pelo importador, em especial os de apresentação obrigatória, como a fatura comercial. Isso porque, uma vez não aceito o valor indicado na fatura comercial, este seria um documento falso e, por sua vez, a apresentação de documentos falsos no curso do despacho aduaneiro, seja ele de importação ou exportação, configura crime.

Aliado a isso, ainda, ao considerar que houve o subfaturamento, por meio da apresentação de documento falso, surge a questão atinente à prática, ou a tentativa da prática, de descaminho, uma vez que restaria caracterizada a tentativa de, ou mesmo, a própria supressão de tributos aduaneiros.

Por sua vez, com o arbitramento dos valores, duas opções se apresentarão ao importador: i) aceitar o arbitramento e arcar com a diferença dos tributos decorrentes do novo valor imposto, bem como com a multa de ofício, neste caso reduzida a 32,5% ou ii) contestar os valores arbitrados.

No caso da segunda opção, surge, ainda, a possibilidade de o importador, após a apresentação da impugnação administrativa, efetuar o depósito caução no valor integral dos tributos devidos em razão do arbitramento, acrescido de multa de ofício no percentual de 75% (setenta e cinco por cento), sem qualquer desconto, para que seja concedido o desembaraço antecipado das mercadorias objeto do auto de infração de subfaturamento. Dessa forma, o montante restará depositado enquanto perdurar o processo administrativo, podendo, ao final, ser devolvido ao contribuinte, em caso de vitória, ou convertido em renda em favor da União, no caso de derrota.

De igual modo, para impugnar o auto de infração o importador deverá arcar com a contratação de equipe especializada, onerando, ainda mais, o custo da mercadoria por ele importada.

Tudo isso gerado a partir de um conceito de preço-médio que inexiste na legislação brasileira. Pelo bem da verdade, o que existe é o artigo 88 da MP n. 2.158-35, que indica como deverá ser arbitrado o valor aduaneiro no caso de FRAUDE, SONEGAÇÃO ou CONLUIO.

Não se está aqui a defender o fraudador. Pelo contrário. O objetivo do presente é contestar a prática de verificação do valor aduaneiro exclusivamente com base em um preço-médio, e não a partir da documentação que lastreia a operação, como deveria ser feito.

Ora, se há dúvidas acerca do valor aduaneiro da mercadoria importada, o que é, inclusive, tarefa do auditor-fiscal apurar, existe o Acordo de Valoração Aduaneira e os métodos de valoração aduaneira para a efetiva averiguação do valor. Nenhum dos métodos faz referência à comparação com qualquer espécie de preço-médio.

Ou seja, os métodos de valoração aduaneira não vêm sendo utilizados pelos auditores-fiscais da Receita Federal. Preferem, em detrimento às regras existentes, fazer uso de uma modalidade de valoração aduaneira sem previsão legal, utilizando, para tanto, o apontamento de suposta ocorrência de fraude. Fraude, esta, que não é comprovada nos casos concretos. O que existe, ao bem da verdade, são afirmações da existência de supostos indícios de fraude, que não são, de fato, demonstrados no caso concreto, e decorrem, exclusivamente, da diferenciação do preço praticado na operação em relação ao valor médio apurado e indicado pela RFB.

Dessa feita, o correto seria a aplicação, irrestrita, do Acordo de Valoração Aduaneira.

Ora, as regras do Acordo são conhecidas e foram formatadas no intuito de obtenção de uma uniformidade no tratamento e apuração do valor aduaneiro em ordem global. As autoridades aduaneiras brasileiras, ao não fazerem uso do referido Acordo, fazem com que o Brasil corra o risco de uma denúncia efetiva na OMC, que pode ser apresentada por qualquer país exportador. Isso porque, ao fim e ao cabo, a autoridade aduaneira brasileira afirma, de forma taxativa, que o documento apresentado, muitas vezes um documento oficial do País exportador, é falso.

Todavia, enquanto não muda a prática, fica a seguinte orientação.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entende que a fraude deve ser comprovada pela autoridade aduaneira. Não basta o mero apontamento de supostos indícios, sendo necessário, para configuração de fraude e posterior arbitramento dos valores, que tenha sido apresentada ao menos uma evidência formal quanto ao subfaturamento supostamente ocorrido no caso.

Assim, o que resta ao particular é recorrer do arbitramento, por meio da competente impugnação ao auto de infração e, em paralelo, apresentar as evidências do abuso e da ilegalidade perpetrados pela autoridade aduaneira para a Ouvidoria da Receita Federal, onde será possível apurar as condutas da autoridade.