A evolução das relações institucionais no contexto corporativo
JOTA.Info 2024-07-18
Comecei a trabalhar com relações governamentais no final dos anos 2000. E vou chamar aqui de relações institucionais por ser algo bem mais abrangente do que o engajamento com os governantes. Desde então, muita coisa mudou. Para citar alguns eventos marcantes e sem entrar em qualquer discussão política, tivemos: a primeira presidente mulher, um segundo impeachment, a crise dos irmãos Batista e a eleição de Jair Bolsonaro (a primeira fora do eixo PT-PSDB desde a redemocratização). A nossa profissão de relações institucionais também mudou significativamente. Diria que passou por importantes evoluções.
Hoje os profissionais dessa área se tornaram parte integrante das empresas. A necessidade de uma representação mais alinhada aos desejos e necessidades corporativas se tornou evidente. O cargo, antes quase limitado a consultorias, especialmente em Brasília, agora é frequente também em associações de classe e empresas privadas, principalmente as que operam em setores regulados.
Novas habilidades e conhecimento do negócio
Com essas mudanças, novas habilidades passaram a ser exigidas dos profissionais de relações institucionais. Mais do que um especialista em normas políticas e constitucionais, espera-se que sejam profundos conhecedores do negócio em que atuam, em que, no fim das contas, é o negócio que representam diante de tomadores de decisão e influenciadores. Esses profissionais precisam levar informações da empresa para diversos stakeholders e trazer atualizações relevantes do ambiente externo para os tomadores de decisão internos. Afinal, é a empresa que orbita um complexo ambiente político-regulatório, e não o contrário.
A aptidão de engajar autoridades e influenciadores deve ser combinada com a capacidade de articulação interna. O talento para traçar cenários políticos deve também contribuir para o plano de crescimento corporativo. Interagir com diferentes áreas e conhecer as pessoas chave da corporação é essencial. Algumas empresas chamam essa função de “Relações Externas”, mas o relacionamento interno é igualmente crucial.
O papel dos profissionais de relações institucionais
Executivas e executivos de marketing, jurídico, finanças, vendas, entre outros, possuem informações valiosas que podem contribuir para uma regulação equilibrada do setor. No entanto, eles raramente têm contato direto com deputados, senadores, vereadores ou secretários. Não é parte de suas responsabilidades nem de sua familiaridade encontrar-se com ministros ou governadores para discutir assuntos complexos antes de importantes tomadas de decisão.
Nesse cenário, uma diretoria de relações institucionais competente deve mapear as áreas mais importantes para a interlocução entre empresa e governo. Além disso, é fundamental preparar esses interlocutores para comunicar informações relevantes ao mundo político, bem como, saber como demandar conteúdos que sejam interessantes em audiências e na preparação de conteúdos.
Neste contexto, a tecnicidade deve ser traduzida para uma linguagem acessível aos decisores. O papel da área institucional é adequar o idioma corporativo para o idioma político, garantindo que o conhecimento da empresa possa de fato ser aproveitado para compor um debate qualificado.
Ainda dentro do ambiente corporativo, foi-se a época em que a área de relações institucionais era demandada e ganhava importância apenas quando aparecia um problema. As empresas querem uma área igualmente demandante, proativa, que encoraje os altos executivos a engajar o público externo e que busque ativamente resultados.
Além de uma gestão de crises, após acontecerem, é imperativo que o institucional corporativo antecipe tendências e demandas do ambiente externo, a partir da compreensão das prioridades internas. É a partir dessa evolução de abordagem que empresas passam a se posicionar de maneira mais assertiva e constroem uma imagem institucional com alta reputação a longo prazo.
Consultorias especializadas e conhecimento interno
Há várias consultorias altamente especializadas, com profissionais capazes de discutir por horas sobre as melhores estratégias e ações na interlocução governamental. Mas existe algo que os consultores jamais poderão fazer pelo profissional de relações institucionais: conhecer com profundidade a empresa e, principalmente, as pessoas que compõem essa empresa.
Portanto, tão ou mais relevante do que conhecer os processos e regimentos das Casas Legislativas e do Poder Executivo, é entender, de fato, o que é relevante para o negócio e como a área institucional pode ser a conectora entre empresa e governo, de modo a verdadeiramente gerar valor, entregar resultados sólidos, confiáveis e trazer alguma previsibilidade para que a organização tenha condições de caminhar pelas incertezas, muitas vezes geradas por um cenário político regulatório bastante complexo, de forma sustentável. Essa abordagem é fundamental para afirmar que consultorias e Relações Institucionais das empresas devem ser complementares. Jamais excludentes, tampouco sobrepostas.
A importância do conhecimento do negócio
Possivelmente o que há de mais valioso em um profissional de relações institucionais hoje é um conhecimento amplo do negócio. É entender onde a empresa está e onde quer chegar, identificando os obstáculos, as perspectivas, as probabilidades e oportunidades. Isso requer tempo, disciplina e vontade. É preciso interagir com executivos de diferentes áreas, conhecer os principais produtos e as principais pessoas. Entender como o negócio ganha dinheiro e como a gestão institucional pode trazer mais segurança a este ganho.
Com uma conexão efetiva com pessoas relevantes de várias áreas, é possível estabelecer uma visão transversal da empresa. A partir disso, torna-se viável recomendar as melhores interações e parcerias com o Estado, identificar ameaças regulatórias e definir os melhores caminhos para que a empresa não seja surpreendida por fatores externos. Esse conhecimento é capaz de transformar a empresa em uma referência para os tomadores de decisão, fazendo do profissional de relações institucionais uma fonte segura de informações e um ator relevante no processo decisório brasileiro.
Relacionamento sinérgico com o Jurídico
Dizer que as duas áreas precisam ser parceiras e caminharem juntas é chover no molhado. O entrosamento entre os times jurídico e institucional garante à organização previsibilidade, atuação estratégica e resultados consistentes de curto, médio e longo prazo. Abaixo, algumas sugestões para potencializar a sinergia com o Jurídico:
- Reuniões Periódicas sobre eventuais Projetos de Lei ou de Regulação que afetem as atividades da empresa;
- Articulação com tomadores de decisão e suas equipes, demonstrando a importância do setor e sua contribuição com a economia;
- Acompanhamento de ações judiciais estratégicas em tribunais superiores, de modo que a representação institucional seja bem-sucedida;
- Monitoramento do clima sobre o setor, evitando que maus entendidos sejam o catalizador de discussões prejudiciais aos negócios;
- Alinhamento entre Jurídico, Compliance e Relações Institucionais, com treinamentos periódicos para que o Código de Conduta seja respeitado em absolutamente todas as estratégicas da organização.
Com os pontos expostos acima, em um ambiente em que o cenário político-regulatório é cada vez mais complexo e impactante, o papel do profissional de relações institucionais se torna vital para o sucesso corporativo. Ao combinar um profundo entendimento do negócio com habilidades de comunicação e articulação política, torna-se possível traduzir as necessidades e potenciais da empresa em ações estratégicas que influenciam positivamente as decisões governamentais.
Sendo assim, podemos contribuir, não apenas para uma legislação mais equilibrada e sóbria, como também assegurar que as empresas estejam preparadas para enfrentar turbulências e progredir sobre oportunidades. Caminhamos para um mercado que exigirá das relações institucionais, cada vez mais, capacidade de entrelaçar necessidades e viabilidades entre o universo corporativo e o mundo político, transformando conhecimento em valor real para a sociedade.