União e municípios divergem sobre incidência de IPTU a concessionárias

JOTA.Info 2025-01-08

Em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), a possibilidade de cobrança de IPTU a concessionárias opõe União e municípios. Enquanto a primeira acredita que não é possível a incidência do imposto, exceto nos casos em que há uso comercial do local, os segundos defendem que quase a totalidade dos terrenos pode ser tributada, já que mesmo a área de embarque e desembarque de aeroportos, por exemplo, gera lucro às concessionárias.

O tema da imunidade recíproca, ou seja, da possibilidade de os entes cobrarem tributos um dos outros, não é nova no Supremo. Entretanto, está pendente de julgamento o RE 1.479.602 (Tema 1297), por meio do qual os ministros decidirão se o arrendamento de imóveis da União para concessionária de serviço público afasta a imunidade tributária recíproca, com a consequente incidência do IPTU.

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O tema teve repercussão geral reconhecida em abril de 2024 e não tem data para ir a julgamento. A movimentação mais recente no caso é uma decisão do relator, ministro André Mendonça, determinando a suspensão nacional de todos os processos administrativos e judiciais sobre o tema.

A determinação de Mendonça foi alvo de um parecer da assessoria jurídica da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), que, entre outros pontos, alega que a suspensão dos processos não impacta a possibilidade de os municípios realizarem o lançamento do IPTU. Ou seja, para a entidade, o imposto pode ser cobrado normalmente em 2025, independentemente da decisão do STF.

Ainda, o parecer destaca que a decisão não esclarece quais processos devem ser suspensos. “A decisão não especificou quais as áreas dos imóveis transferidos pelo Poder Concedente para a gestão e exploração por parte das concessionárias privadas estariam alcançadas pela suspensão da tributação”, consta no documento.

O assessor jurídico da Abrasf, Ricardo Almeida, defende que a Constituição, em seu artigo 150, parágrafo 3º, é clara ao definir que a imunidade tributária não abrange as situações em que há contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. 

Almeida salienta ainda que, no caso dos aeroportos, por exemplo, as concessionárias cedem espaços para lojas, restaurantes e para as próprias companhias aéreas, tendo ganho econômico. Mesmo na área de embarque e desembarque há publicidade, ou seja, de alguma forma as empresas estão auferindo lucro. “Todas essas atividades estão relacionadas de alguma maneira com o serviço, mas todas estão diretamente gerando lucro. Então por que não pagar tributo?”, questiona.

A Abrasf sustenta que áreas como as pistas de pouso dos aeroportos ou os locais onde passam dutos podem, a critério dos municípios, ser isentos, porém deve incidir o IPTU sobre as demais áreas exploradas. Por fim, Almeida destaca que a impossibilidade de cobrança do IPTU geraria uma concorrência desleal entre serviços privados e concessões.

AGU

A Advocacia-Geral da União (AGU) também redigiu um parecer relacionado ao Tema 1297, porém com posição distinta em relação à dos municípios. Para a entidade, não é possível a cobrança do IPTU sobre os terrenos cedidos às concessionárias, exceto quando há a exploração econômica do espaço.

“Os imóveis da União sob a responsabilidade de empresas privadas concessionárias de serviços públicos, no contexto das concessões, encontram-se abrigados pela regra da imunidade tributária recíproca quanto à incidência do IPTU. A imunidade pode ser afastada, entretanto, se o imóvel for desafetado do serviço público, ou seja, se lhe for dada destinação comercial/econômica, em atividade praticada em regime concorrencial e sem vínculo com o serviço concedido”.

Como exemplo, o parecer cita o Tema 437 da repercussão geral (RE 601720), por meio do qual o Supremo considerou, em 2017, que incide IPTU sobre imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado. De acordo com a AGU, o RE envolvia uma concessionária de veículos instalada no terreno do aeroporto de Jacarepaguá (RJ).

“A atividade era, de fato, puramente econômica, praticada em regime concorrencial com as concessionárias de veículos instaladas em outros locais da cidade e, mesmo, no lado oposto da avenida, já fora dos limites do sítio aeroportuário”, destaca a AGU no parecer.

A posição, tomada a partir de uma demanda encaminhada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) à Câmara de Promoção de Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios (Sejan), da AGU, entretanto, desagrada municípios. Ricardo Almeida, por exemplo, caracteriza o parecer como uma “deslealdade federativa”.

Concessionárias

Por sua vez, representantes dos contribuintes que atuam no Tema 1297 têm uma posição distinta em relação à União e aos municípios. Os tributaristas consultados pelo JOTA defendem a não incidência ampla do IPTU.

O advogado Saul Tourinho Leal, que representa a Aeroportos do Brasil (ABR), amicus curiae no processo, pontua que a instalação de quiosques, com a venda de mercadorias, não desvirtua a natureza do imóvel, que é da União.

Em manifestação encaminhada ao STF, a entidade defende ainda que “não há concorrência entre o café da sala de embarque de um aeroporto e qualquer outro café no país”. “O aeroporto é um ecossistema complexo, com normas globais de segurança, destinação específica, para pessoas em trânsito e obrigado, pela própria concessão, a ofertar certos serviços de comodidade aos passageiros”.

Ainda, a ABR alega que os municípios não podem, “em sua jornada em busca de emancipação financeira, desejar o que do outro”. Para a entidade, não se pode “negar as propriedades da União para, desconsiderando o pacto federativo e a imunidade tributária recíproca”, tributar os terrenos por meio do IPTU.

Já o advogado Eduardo Pugliesi, que defende o amicus curiae Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), destaca que no caso das ferrovias não está presente a discussão sobre áreas exploradas comercialmente. “No caso da ferrovia, praticamente 100% [do terreno] é utilizado especificamente para a prestação de serviço público”, diz. 

Para o tributarista, é indevida a cobrança de IPTU nesta situação. “A concessionária não é proprietária dos trilhos nem dos terrenos”, afirma.