Crianças e adolescentes no Carnaval: proteção e direitos em primeiro lugar
JOTA.Info 2025-02-24
As violações de direitos de crianças e adolescentes, como a violência sexual e o trabalho infantil, estão entre os desafios mais graves e urgentes a serem enfrentados pela sociedade, especialmente em contextos de férias e em grandes eventos como o Carnaval, quando há o aumento da vulnerabilidade das vítimas e da ideia de anonimato que gera uma ambiência favorável à ocorrência da violência e do trabalho infantil em todas as suas modalidades.
Em 2023, uma criança ou adolescente foi vítima de estupro a cada oito minutos. Ao todo, 63.830 crianças e adolescentes de até 14 anos foram vítimas de estupro de vulneráveis. Em mais de 80% dos casos, as vítimas eram meninas, e em mais de 85%, o agressor foi algum familiar ou conhecido da vítima, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2024; 48% dessas vítimas sofreram a agressão mais de uma vez antes de serem atendidas no sistema de saúde, aponta o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), o que indica uma realidade de violações sistemáticas e repetidas sofridas por crianças e adolescentes.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Já no que diz respeito ao trabalho infantil, embora haja uma redução em comparação aos anos anteriores, os dados ainda indicam um cenário preocupante: em 2023, o número de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, em situação de trabalho infantil chegou a 1,607 milhão, aponta o Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Desse número, 62,5% são crianças e adolescentes negros ou pardos e 586 mil exerciam as piores formas de trabalho infantil, que envolviam riscos de acidentes ou prejudiciais à saúde.
Diante desses dados, fica evidente que estratégias específicas devem ser adotadas, incluindo operações de fiscalização mais rigorosas, capacitação de agentes públicos para identificação de sinais de exploração e campanhas informativas voltadas à população, garantindo que a sociedade também cumpra seu papel na denúncia e proteção.
No dia 11 de fevereiro, durante a cerimônia de posse aos novos conselheiros e conselheiras do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania lançou a Campanha de Carnaval 2025 “Pule, Brinque e Cuide”, uma atuação coordenada do Estado e da sociedade civil para dar visibilidade às violações de direitos de crianças e adolescentes nesse período, além de promover conscientização, informar sobre os canais de denúncia e mobilizar a opinião pública na desnaturalização dessa violência.
Todas as pessoas, associações, igrejas e empresas podem contribuir, tanto no nível individual quanto no coletivo, começando por falar sobre o problema, orientar crianças e adolescentes, fomentar oportunidades e promover uma cultura de proteção e responsabilidade coletiva.
Hoje, no Brasil, a realidade vivida por milhões de crianças e adolescentes contrasta com o arcabouço normativo protetivo. A Constituição Federal de 1988, um marco importante para a garantia de direitos de crianças e adolescentes, traz o início da Doutrina da Proteção Integral, rompendo com a visão paternalista e assistencialista do passado, e determinando, com o artigo 227, a absoluta prioridade desse público.
Reconhecendo-os como sujeitos de direitos, a CF/88 estabelece que a condição peculiar de desenvolvimento das crianças e adolescentes deve ser respeitada em todas as suas dimensões, garantindo-lhes o acesso pleno aos direitos fundamentais. Além disso, também prevê que a responsabilidade de protegê-los e promover seus direitos deve ser compartilhada por toda a sociedade, famílias e Estado, exigindo uma abordagem integrada e coletiva para garantir seu pleno desenvolvimento.
A doutrina da proteção integral permite que, em diversos âmbitos — jurídico, normativo, social, político e econômico —, crianças e adolescentes não sejam apenas objetos de proteção, mas tenham o papel de titulares autônomos de direitos, e enfatiza a importância da sua participação na vida pública, política, jurídica e institucional.
Em igual sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reflete a escolha política e o compromisso do Estado e da sociedade em garantir a proteção e promoção dos direitos das crianças e adolescentes com absoluta prioridade, contribuindo para sua plena inserção na sociedade e para a construção de um presente e um futuro mais justo e igualitário.
Nesse sentido, o Estado deve investir em diagnósticos mais precisos e na implementação de políticas públicas efetivas contra a violação de direitos de crianças e adolescentes em contextos como o Carnaval e em todas as esferas da federação, ampliando fatores de proteção e reduzindo fatores de risco, garantindo não apenas a responsabilização dos perpetradores, mas indo além.
É preciso também enfrentar e superar o desafio de estruturar uma política pública de atendimento, acesso à justiça e proteção das vítimas. Mas, sobretudo, é fundamental entender as raízes dessa violência a fim de adotar estratégias eficazes para reduzir a reincidência e preveni-la, incluindo abordagens voltadas aos preditores do comportamento violento, especialmente os relacionados à saúde mental.
Os dados conhecidos — e os muitos que seguem subnotificados — revelam apenas uma fração da gravidade do problema, que segue distante do debate público com a urgência que deveria ter. Não é prioridade. Não está no orçamento. Mas, enquanto o país se diverte, o problema desfilará mais uma vez, de norte a sul, invisibilizado.