Transparência no mercado imobiliário e privacidade: um equilíbrio possível
JOTA.Info 2025-02-26
A indisponibilidade de informações detalhadas e atualizadas sobre imóveis tem sido o grande desafio para que o mercado imobiliário se torne um ambiente mais confiável para os envolvidos em uma transação de aluguel ou de compra e venda. É o que aponta uma pesquisa recente do Datafolha, encomendada pelo Grupo QuintoAndar, com o objetivo de mapear os impactos da má precificação dos imóveis na dinâmica imobiliária.
Entre os entrevistados para o estudo, 85% acreditam que a maior disponibilização de informações proporcionaria maior segurança na tomada de decisão, enquanto 78% sinalizam a falta de transparência de dados neste mercado como um problema.
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É interessante notar que a carência de dados sobre transações imobiliárias em nada decorre de restrições legais ao acesso a essas informações. A Lei dos Cartórios (Lei 8.935/1994), por exemplo, atribui aos serviços notariais e de registro a finalidade de garantir a publicidade dos atos jurídicos, enquanto a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) garante que qualquer pessoa pode requerer uma certidão de registro sem informar o motivo ou interesse do pedido.
Também prestigiando a publicidade, o Código Civil condiciona a transferência da propriedade de um imóvel ao registro e à averbação do ato em cartório competente. Diante do que estabelece a Lei de Registros Públicos, isso significa dizer que, com tal registro, há a publicização não só do ato de transferência do bem, como de uma série de dados relacionados ao histórico da propriedade.
É assim que, embora uma maior transparência no mercado imobiliário possa, à primeira vista, levantar preocupações relacionadas aos dados dos proprietários de imóveis, essa percepção dicotômica não resiste a uma melhor análise do contexto em que se insere, pois a divulgação das informações sobre o histórico de transações imobiliárias dá protagonismo ao imóvel, e não ao seu proprietário.
A disponibilização de dados imobiliários, quando conduzida de maneira organizada e em conformidade com a legislação vigente, é um elemento-chave para promover maior transparência, equidade e confiança no setor. Informar de maneira clara e acessível permite nivelar o conhecimento entre compradores, inquilinos, proprietários e demais interessados nas transações que ocorrem neste mercado, como potenciais investidores, minimizando assimetrias e criando um ambiente de negociações mais seguro e previsível.
Não por acaso, 83% dos participantes da pesquisa Datafolha consideram que a transparência reduz o tempo das transações, evidenciando a necessidade de um mercado mais aberto e acessível.
Além dos benefícios imediatos para todos aqueles interessados em transacionar ou apenas acompanhar o mercado, a publicização de dados imobiliários tem um papel crucial no planejamento urbano e na gestão pública. Quando organizadas de forma estruturada, essas informações podem ser utilizadas pelos órgãos governamentais para formular políticas públicas mais eficazes, identificar áreas que necessitam de investimentos e avaliar o impacto de iniciativas urbanísticas.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece critérios claros e salvaguardas importantes para o tratamento de dados pessoais, ao mesmo tempo em que reconhece explicitamente a legitimidade do uso de dados públicos quando há interesse social relevante. Essa previsão legal dialoga perfeitamente com as disposições da Lei de Registros Públicos, que tem no princípio da publicidade sua principal característica.
A finalidade de publicização das transações imobiliárias está intrinsecamente relacionada ao direito social à moradia, garantido constitucionalmente. Tal finalidade também se alinha à definição sobre o que deve ser entendido como interesse público, pois questões que afetam aspectos econômicos, políticos, sociais ou culturais da sociedade estão abarcadas no conceito.
Outro aspecto relevante é o uso da tecnologia para aprimorar o acesso e a análise de informações imobiliárias, algo ainda pouco explorado no Brasil. A coleta e o tratamento de dados estruturados permitem a análise de tendências de mercado e a previsibilidade de preços, possibilitando uma tomada de decisão mais informada e confiável. Isso favorece a modernização do setor e beneficia todos os seus participantes.
Não é necessário, portanto, optar entre transparência e privacidade no mercado imobiliário, sendo possível implementar soluções que garantam ambos os valores. Medidas como a limitação do tratamento de dados a informações preponderantemente relacionadas aos imóveis e o cumprimento rigoroso das normas da LGPD são caminhos viáveis para assegurar a privacidade dos proprietários sem comprometer a transparência e eficiência do mercado imobiliário.
Esse cenário nos mostra que a proteção de informações pessoais e a transparência do mercado imobiliário são objetivos complementares, não conflitantes.
Tecnologias baseadas em dados estruturados também tornam possível identificar padrões e comportamentos de mercado com maior precisão, com análises mais sofisticadas de tendências de preços de venda ou aluguel, sem que a privacidade e proteção dos dados pessoais dos proprietários seja, de alguma forma, comprometida.
O setor imobiliário brasileiro tem a oportunidade de continuar se modernizando por meio da tecnologia, a fim de promover um interesse social relevante a partir da confiança, equidade, transparência e simetria informacional, respeitando ainda assim os princípios da proteção de dados pessoais. Essa evolução beneficiará toda a sociedade, contribuindo para um mercado mais eficiente, justo e transparente.