Inovação e as lições da DeepSeek

JOTA.Info 2025-03-05

Costuma-se dizer que o sucesso de um país em matéria de inovação é medido pela quantidade de patentes registradas e pelo volume de recursos investidos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). De fato, muitos conselhos oferecidos a formuladores de políticas públicas partem da crença de que, quanto maior o gasto em P&D e mais patentes surgirem, melhor será o desempenho de uma nação no cenário tecnológico.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, desenvolveu o índice Product Market Regulation (PMR), que mede o grau de concorrência nos mercados. Parte-se da premissa de que mercados abertos e com menos barreiras de entrada tenderiam a gerar mais inovação.

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O caso da empresa chinesa DeepSeek desafia essa lógica. Supor que apenas altos investimentos promovem grandes descobertas, como se vê na corrida bilionária das chamadas big techs para desenvolver modelos de linguagem (os LLMs), parece ser equivocado.

A DeepSeek abalou o setor de inteligência artificial com seu modelo R1, criado a custos bem mais baixos, e levou muitos investidores a questionarem as estratégias de mercado das empresas americanas. Em outras palavras, não basta ter um orçamento robusto se os recursos não forem usados de maneira eficiente. É aí que se manifesta a diferença entre “quantidade” e “eficiência” na inovação.

Em artigo publicado na revista Applied Economic Letters[1], analisamos como o índice de regulação de mercado proposto pela OCDE (o PMR) se relaciona com três dimensões da inovação: número de patentes, montante de P&D e uma métrica de eficiência, definida pela relação entre patentes e recursos investidos.

Notamos que, embora países com menor PMR (no caso do índice da OCDE, quanto menor, melhor) registrem mais patentes e destinem mais dinheiro a P&D, isso não se traduz, necessariamente, em resultados proporcionais. Em outras palavras, ter um ambiente regulatório favorável à competição leva, sim, a mais inovação em volume, mas não assegura que essa inovação seja produzida de modo otimizado.

Voltando ao fenômeno da DeepSeek, muitos podem questionar se essa experiência é exceção ou regra. Contudo, ela evidencia que, às vezes, pensar apenas no quanto se gasta em P&D, ou em quantas patentes se acumulam, pode ocultar gargalos de eficiência. Há quem registre muitas patentes sem que isso se converta em produtos de alto impacto ou em retornos práticos para a sociedade.

Em nosso estudo, a eficiência da inovação parece depender mais de fatores financeiros e gerenciais, como o acesso a mão de obra qualificada e capacidades de gestão da empresa, do que de restrições regulatórias. E sim, um mercado financeiro desenvolvido faz muita diferença, mas os fatores de sucesso podem ser bastante heterogêneos.

O dado curioso é que tanto China quanto Estados Unidos não tem um desempenho bom quando examinamos a eficiência da inovação. O Reino do Meio, embora esteja na 2ª posição em termos de investimentos em P&D entre os 47 países examinados pela OCDE, e em 6ª em número de patentes, cai para 34ª em termos de eficiência da inovação. Estados Unidos ocupam, respectivamente, a 1ª, 2ª e 20ª posição.

Ter um desempenho bom em termos de eficiência parece ligado tanto aos aspectos de políticas de inovação do país quanto à presença de empresas preparadas para o desenvolvimento de produtos e serviços de ponta – ou seja, inovar acaba dependendo bastante da capacidade de empresas de manter mão de obra especializada, gerir a inovação e criar uma cultura favorável a novas descobertas.

Em países como o Brasil, o desafio é particularmente ilustrativo. Investem-se valores significativos em pesquisa e registra-se um volume razoável de patentes, mas a eficiência de cada real aplicado ainda é insuficiente. Isso sugere que entraves como a limitação de crédito para projetos de risco e a carência de estratégias bem alinhadas entre universidades e empresas dificultam a conversão do investimento em resultados efetivos.

Não basta abrir o mercado e estimular a concorrência por si só; é indispensável que existam estruturas de apoio a empreendedores e pesquisadores, além de incentivos à busca de soluções comercialmente viáveis e políticas focadas em superar gargalos específicos – não parece haver uma fórmula única para alcançar a eficiência na inovação.

O índice PMR, proposto pela OCDE, continua sendo uma ferramenta valiosa para identificar se há regulação excessiva ou monopólios que inibam a competição. Contudo, nosso artigo ressalta que a diminuição do controle estatal não garante, por si mesma, a melhor alocação de recursos. Daí a necessidade de reforçar elementos como mercados financeiros, governança corporativa e profissionais altamente capacitados, capazes de conduzir e avaliar projetos de pesquisa e desenvolvimento com precisão.

No fim das contas, a história da DeepSeek ensina que não é apenas o tamanho dos investimentos que determina o sucesso de uma inovação, mas também a forma como esses recursos são geridos. Abrir mercados e elevar a concorrência funcionam como combustíveis iniciais, mas a eficiência – quantas descobertas surgem em comparação ao que se gasta – deve ser o foco principal de qualquer economia que deseje usar seus recursos de modo mais produtivo. Sem esse olhar, corre-se o risco de celebrar números grandiosos de patentes e grandes investimentos em pesquisa, sem atentar para o verdadeiro impacto que a inovação deveria trazer à sociedade.

Em síntese, não se deve descartar as métricas e políticas tradicionais, mas sim ir além delas. Patentes e gastos em P&D são apenas uma face do processo; a outra, muitas vezes esquecida, é o quanto cada inovação de fato produz valor, e como as especificidades de cada setor e empresa favorecem essa criação de valor. Somente ao equilibrar esses elementos será possível alcançar resultados mais sólidos no longo prazo, tanto para empresas quanto para países inteiros.


[1] BORRI, K.; DE PRINCE, D.; RIBEIRO, I. “Exploring nonlinearities between product market regulation and innovation: A cross-country evidence”, Applied Economic Letters, vol. 32, p. 1-5, 2025. Publicado em fevereiro de 2025, disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13504851.2025.2463608