Disputa sobre cortes de energia: o futuro das compensações para usinas eólicas e solares

JOTA.Info 2025-03-05

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de decisão proferida pelo presidente da corte, ministro Herman Benjamin, suspendeu os efeitos das decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, em sede de tutela provisória, haviam determinado o ressarcimento integral dos cortes de geração de energia — conhecidos como constrained-off — em favor dos geradores eólicos e solares (SLS 3.546).

Embora a decisão restabeleça, por ora, as novas regras impostas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a controvérsia ainda será analisada em seu mérito. Como ressaltou o ministro Benjamin, “a questão controvertida exige conhecimentos técnicos especializados, fora da disciplina estritamente jurídica”. O desfecho desse caso terá impactos significativos sobre as usinas, o meio ambiente e a segurança energética no país.

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A controvérsia envolve a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica) e a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) — que reúnem mais de 1.200 usinas eólicas e solares — em oposição à Aneel. O cerne da disputa é a Resolução Normativa Aneel 1.030/2022, que restringiu o direito à compensação financeira quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determina cortes na geração de energia.

Os cortes denominados constrained-off ocorrem quando uma usina apta a operar é impedida de gerar energia devido a restrições no sistema elétrico. Ou seja, não decorrem de falhas ou ineficiência dos geradores, mas de decisões tomadas pelo ONS para garantir a estabilidade do sistema. A legislação anterior (Lei 10.848/2004 e Decreto 5.163/2004) assegura, desde 2004, a compensação financeira para esses casos, sem distinções quanto à origem da limitação.

O pagamento de compensação aos geradores impactados pelos referidos cortes de geração decorre, justamente, do reconhecimento de que os eventos são fortuitos externos (alheios às usinas). A própria regulação da Aneel define os constrained-off como “originados externamente às instalações das usinas” e “decorrente[s] de comando do Operador Nacional do Sistema Elétrico”, em prol do sistema elétrico e, respectivamente, do interesse público.

O regime de cortes, embora necessário para a gestão da matriz elétrica, afeta diretamente o equilíbrio econômico dos contratos celebrados entre o Estado e os particulares. A situação configura o “fato do príncipe”, ou seja, trata-se do exercício legítimo dos poderes de autoridade fora da relação contratual (no caso, a ONS), mas com impacto significativo sobre as condições e obrigações estabelecidas. Por esse motivo, a legislação anterior reconhecia o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro das usinas.

Contudo, a Aneel, por meio da Resolução 1.030/2022, modificou esse regime compensatório, estabelecendo critérios mais restritivos para o ressarcimento. A normativa categorizou os eventos de constrained-off em três grupos:

  • Razão de indisponibilidade externa: poderá ocorrer a compensação desde que os cortes dessa classificação superem a franquia de horas anuais estipulada na REN 1.030/2022;
  • Razão de atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica: compensação foi excluída devido ao risco de colapso do sistema;
  • Razão energética, relacionada ao balanço entre oferta e demanda de energia ao longo do dia: compensação foi igualmente excluída.

As restrições reduziram em mais de 75% as compensações devidas às usinas renováveis. O argumento utilizado pela Aneel para justificar a arbitrária mudança nas exigências para efetivação da compensação pelos cortes de energia é de que a alteração tem por objetivo evitar impactos tarifários para os consumidores (cerca de 0,0024 na tarifa média paga pelos consumidores residenciais).

Todavia, verifica-se que a pretexto de mitigar um impacto mínimo a curto prazo, cria-se um ambiente de incerteza que compromete a expansão da geração renovável, a previsibilidade regulatória do setor e encarece projetos solares e eólicos.

A nova regulação submete as usinas renováveis a um estado de incerteza permanente, como uma verdadeira “espada de Dâmocles” suspensa sobre suas cabeças. Sem previsibilidade e estabilidade regulatória, a atratividade dos investimentos em energia limpa se reduz drasticamente, comprometendo não apenas a viabilidade dos empreendimentos, mas também os objetivos de descarbonização e transição energética no Brasil.

Enquanto restringe as compensações às usinas eólicas e solares, sob o argumento de redução das tarifas aos consumidores, a Aneel busca preservar subsídio destinado à aquisição de carvão. Essa postura contraditória coloca em risco a sustentabilidade ambiental e a diversificação da matriz elétrica.

O litígio está longe de um desfecho. A discussão sobre o mérito ainda precisa ser aprofundada nos tribunais, e seu resultado terá implicações diretas na matriz elétrica brasileira. A forma como o Judiciário solucionará esse impasse definirá os rumos do setor e, possivelmente, o ritmo de expansão da energia renovável no Brasil. O impacto da decisão transcenderá usinas e consumidores, influenciando todo o ecossistema econômico, energético e ambiental do país.