Parlamentares influencers?
JOTA.Info 2025-03-05
No último dia 17 de fevereiro, o senador Carlos Viana (Podemos-MG) apresentou o PL 295/2025, para vedar a monetização de perfis de agentes políticos nas redes sociais. A proposta pretende acrescentar um inciso IX ao art. 3º da Lei 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet), para fixar entre os princípios do uso da internet a “proibição da monetização de perfil social, site, blog ou aplicação de internet vinculada ao exercício de mandato político ou em razão dele”.
O referido PL propõe, ainda, incluir um inciso XIII ao art. 11 da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), para considerar ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública “receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, com publicação de conteúdo em perfil social, site, blog ou outra aplicação de internet, no exercício de mandato político, ou em razão dele”.
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Na justificativa da proposição, o parlamentar considera a inovação legislativa necessária diante da realidade brasileira em que diversos agentes políticos vêm fazendo uso do próprio mandato para alcançar ganhos financeiros, o que, de acordo com o senador, tem conduzido a prejuízos à função pública. Sem citar nomes, faz referência a casos concretos de parlamentares que estariam forjando situações para fazer vídeos e publicações com o propósito de gerar engajamento e ganhos monetários.
A discussão sobre a monetização de conteúdos parlamentares não vem de hoje e precisa ser analisada à luz do fenômeno dos mandatos digitais, considerando o papel que as redes sociais desempenham como locus de divulgação da atividade parlamentar. São a “praça pública moderna”, como afirmou a Suprema Corte dos Estados Unidos. Dado que democracias representativas exigem uma relação particular entre representantes e eleitores, o potencial democratizante das redes é claro, na medida em que aproxima os dois lados.
Entre os pesquisadores, existe um certo consenso no sentido de que as ferramentas digitais facilitam e estimulam o engajamento público com políticos e instituições, o que é importante diante das crises de confiança, das acusações de falta de transparência e do aumento dos níveis de desinteresse político. Nesse contexto, a busca por legitimidade tem incentivado os parlamentos em geral (e os parlamentares, de forma especial) a fazer uso de ferramentas digitais.
Embora o foco principal dessas estratégias de comunicação seja o aumento da participação política, da transparência, da conscientização e da legitimidade, e não propriamente a geração de receita ou a monetização de conteúdos, já há quem vislumbre na prática violação dos princípios democrático, republicano e da igualdade, situação semelhante ao debate travado por ocasião da ADI 4650, que considerou inconstitucional a doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais.
Ocorre que a monetização de perfis de parlamentares não se confunde com o financiamento eleitoral. A preocupação com uma mercantilização das eleições não se aplica de todo no caso.
Como sabido, a monetização consiste no retorno financeiro atribuído a conteúdos relevantes (vídeos, textos, postagens, assinaturas, etc.) que geram números expressivos de visualização ou adesão dentro da plataforma, conforme as regras previamente estabelecidas pela própria rede. Existem diversos modelos de negócio, incluindo a possibilidade de conteúdos patrocinados, por exemplo, em que uma empresa paga pelo marketing veiculado da sua marca (parcerias pagas), e não só a receita das próprias plataformas.
A questão é saber se existem óbices constitucionais ou jurídicos à monetização de conteúdos produzidos por parlamentares. Nesse contexto, faria sentido diferenciar entre, de um lado, a divulgação de atos de parlamentares, de debates legislativos, de posicionamento pessoal sobre questões políticas, e, de outro, uma atividade de publicidade política?
A resposta não parece ser tão clara quanto a leitura do art. 54 da CF, que traz as regras de impedimentos dos congressistas. A referida norma constitucional veicula pelo menos 4 tipos de incompatibilidades: funcionais, negociais, políticas e profissionais, presumindo que as atividades listadas implicam um conflito de interesses para o parlamentar, em prejuízo da liberdade de atuação que se espera no cumprimento de seu mandato.
Naturalmente, o art. 54 não traz vedação à monetização, algo que sequer existia quando da elaboração da CF. Entretanto, segundo os que defendem a aplicação dessa regra, pareceria existir em seu texto um claro espírito no sentido de evitar que os parlamentares exerçam qualquer tipo de tráfico de influência, utilizando a importância do mandato para auferir benefícios pecuniários particulares. Corroborando a tese, cita-se que o próprio art. 55, § 1º, da CF, prevê que é incompatível com o decoro parlamentar a percepção de “vantagens indevidas”.
Por esse caminho mais restritivo, por mais que os valores da monetização não venham de pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público como prevê o art. 54 da CF, a incompatibilidade estaria justificada pela preocupação com que o exercício do mandato passasse a ser totalmente direcionado à produção de conteúdo visando à monetização. Esse não seria um risco de todo infundado.
No passado recente, um dos casos que causaram repercussão nacional envolve o ex-vereador do Rio de Janeiro Gabriel Monteiro, cujo mandato acabou sendo cassado por quebra de decoro parlamentar após diversas denúncias de assédio de seus ex-funcionários. À época das acusações, chegou-se a estimar que o vereador arrecadaria até R$ 300 mil por mês só com vídeos no YouTube, o que ultrapassaria (e muito) sua remuneração como vereador.
Após esse episódio, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro proibiu a monetização desde 2022, ao aprovar o projeto de Emenda à Lei Orgânica 8/2022, convertido na Emenda à Lei Orgânica 38/2022, e acrescentar a alínea e ao inciso II do art. 48, e estabelecer que os vereadores não poderão, desde a posse, monetizar conteúdos, inclusive audiovisual, que tenham por objeto o exercício da função pública ou receber receitas em função de conteúdo produzido com emprego de recursos públicos.
Entretanto, a rigor, não haveria ilicitude na remuneração de conteúdos parlamentares (a monetização não é uma atividade ilícita) que justifique a proibição tout court.
Tanto que a Câmara dos Deputados optou por limitar a proibição somente ao uso da cota para o exercício da atividade parlamentar com despesas que possam resultar vantagens financeiras ao parlamentar ou a terceiros. Conforme o § 19 do art. 4º do Ato da Mesa 43, de 21/05/2009, acrescentado pelo Ato da Mesa 133, de 27/07/2020, não será objeto de reembolso despesa com a aquisição ou a contratação de serviços utilizados em benefício de contas em sites, redes sociais ou plataformas digitais que resultem em monetização, lucro, rendimento, patrocínio ou receita de qualquer espécie em favor do respectivo parlamentar ou de terceiros.
Como se vê, a norma regimental para os deputados não chega a proibir a monetização, limitando-se a impedir o uso da cota parlamentar para contratar serviços que auxiliem na monetização. O foco foi evitar que os deputados aufiram benefícios particulares mediante a utilização de recursos públicos. O caminho parece equilibrar melhor a máxima liberdade da atuação parlamentar e a moralidade ao obstar a utilização de recursos públicos para ganhos privados.
Nada obstante, tentando fixar uma proibição mais enfática, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), que também tinha sido autor do projeto correspondente aprovado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, apresentou o PL 672/2024, com o propósito de incluir a mesma vedação para o plano federal. A redação, inclusive, é idêntica: “É vedado a agentes públicos detentores de mandatos eletivos monetizar conteúdos, inclusive audiovisual, que tenham por objeto o exercício da função pública ou receber receitas em função de conteúdo produzido com emprego de recursos públicos”. A proposta se soma ao PL 1.674/2022 no mesmo sentido, que não avançou na Câmara.
Adicionalmente, o PL 672/2024 estabelece que a monetização desses conteúdos que tenham por objeto o exercício da função pública ou produzidos com o emprego de recursos públicos constitui infração ética e disciplinar e, constatada a violação, o infrator será obrigado a repassar o triplo do valor obtido com a monetização para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
De acordo com a justificação apresentada, o PL pretende impedir que os parlamentares obedeçam à lógica do mercado em suas atuações, utilizando o mandato para a geração de lucro, em lugar de buscar o melhor interesse da população e de resolver as necessidades do povo. Ocorre que, a rigor, para esse tipo de preocupação, como visto, já existe a previsão do art. 55 da CF, pelo qual o parlamentar pode ser cassado por quebra de decoro parlamentar.
Além disso, não custa recordar que o eleitor será perfeitamente capaz de identificar se o seu parlamentar converteu o mandato em um balcão de negócios.
No Brasil, as pesquisas empíricas até o momento revelam que, embora os parlamentares, em sua maior parte, usem estratégias diferenciadas para cada tipo de mídia social, não se pode afirmar que tenham transformado o mandato em mercado, pois suas contas são usadas preponderantemente para divulgar suas ações (compartilhar a vida cotidiana do mandato parlamentar, a agenda e os resultados das atividades legislativas), reforçar sua identidade parlamentar, posicionar-se sobre pautas (formar opinião política) e dar notícias sobre política nacional. Decorrente desse uso, não se vislumbra qualquer ilegalidade na monetização.
Até o momento, no Brasil, não há relatos como o caso envolvendo a parlamentar britânica Fay Jones, que postou no antigo Twitter uma foto de si mesma nas dependências do parlamento segurando uma latinha de água junto ao seu rosto e com os dizeres “Fico feliz em ver o Parlamento estocando água da @Radnorhills! Uma empresa brilhante no meu distrito eleitoral, que emprega mais de 200 pessoas e coloca a sustentabilidade no centro de seus negócios. #RadnorHills”. Posteriormente, foi revelado que a parlamentar havia recebido uma doação de £ 10.000 da empresa de água mencionada em sua foto.
Esse tipo de publicação que mais parece um comercial poderia ser enquadrado na vedação existente no The Code of Conduct for Members of Parliament, de acordo com a qual “Nenhum membro poderá atuar como advogado remunerado em qualquer processo da Câmara” (No Member shall act as a paid advocate in any proceeding of the House). De fato, propaganda nesses moldes ofenderia o decoro parlamentar.
A monetização de perfis de parlamentares nas redes sociais é polêmica. Mas a questão precisa ser lida à luz das modificações por que vem passando a comunicação política e seu papel fundamental no processo democrático: políticos precisam ter algo de influencers. Juridicamente, dado o panorama acima, não é possível extrair da CF uma vedação à monetização.
Embora haja propostas legislativas sugerindo a proibição, não parece desejável que lei federal discipline o assunto, nem mesmo para trazer uma autorização legislativa explícita para permitir o que nunca foi proibido. Por enquanto, o assunto vem sendo tratado internamente por cada Casa Legislativa. Melhor ficar assim.