O erro grosseiro do artigo 28 da LINDB deve ser definido de maneira abstrata?
JOTA.Info 2025-04-01
Entre agosto de 2024 e fevereiro de 2025, o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) enfrentou dois casos semelhantes e que, aparentemente, demandavam a solução de uma única questão jurídica: o pregoeiro que deixa de inabilitar um licitante que apresentou declaração falsa sobre o seu enquadramento como empresa de pequeno porte (EPP) comete erro grosseiro e, por isso, deve ser pessoalmente responsabilizado na forma do artigo 28 da LINDB?
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No primeiro caso, examinado no acórdão 1.659/2024, uma empresa pública federal promoveu pregão eletrônico cujo objeto era o fornecimento de caminhões e outros veículos de grande porte a serem destinados ao apoio de atividades sociais e ambientais.
Durante o processo licitatório, uma das licitantes declarou que o seu faturamento estaria dentro dos limites previstos na Lei Complementar 123/06 e que, por isso, poderia se enquadrar como uma empresa de pequeno porte, o que lhe garantia certas vantagens competitivas. Ao final do certame, a licitante arrematou dois itens do edital.
A partir de uma representação apresentada ao TCU, porém, descobriu-se que o faturamento da empresa superava em mais de 20% (vinte por cento) o teto estabelecido na legislação para fins de enquadramento como EPP. Diante da falsidade da declaração, o TCU suspendeu cautelarmente o andamento dos itens vencidos pela licitante e, ao analisar o mérito do processo, determinou a anulação de sua habilitação no certame, além de todos os atos posteriores.
Poucos meses depois, no acórdão 234/2025, o TCU teve a oportunidade de enfrentar caso similar, também envolvendo pregão para a aquisição de veículos de grande porte, desta vez promovido pelo município de Candeias do Jamari, localizado no estado de Rondônia.
Durante a fase competitiva do certame, a mesma empresa envolvida no primeiro caso apresentou declaração de seu enquadramento como EPP e venceu dois itens do certame. Mais uma vez, a falsidade da declaração foi constatada pelo TCU a partir de uma representação apresentada por um dos concorrentes, o que também gerou a emissão de determinação para que o município inabilitasse a licitante.
Apesar da semelhança entre os dois casos, ao analisar a responsabilidade pessoal dos agentes públicos responsáveis pelas licitações, o TCU deu a eles solução diametralmente oposta. No primeiro caso, entendeu que os gestores não poderiam ser responsabilizados pela omissão em inabilitar a licitante. No segundo, de outro lado, reconheceu que o pregoeiro incorreu em erro grosseiro e, com base no artigo 28 da LINDB, decidiu pela aplicação da multa prevista no artigo 58, inciso II, da Lei 8.443/92.
A diferença entre os resultados decorreu de uma peculiaridade considerada relevante pela Corte, relacionada à diligência dos agentes públicos em questão[1]. Enquanto no primeiro caso os responsáveis consultaram o cadastro da licitante junto à Receita Federal e à Junta Comercial e, à época do certame, não constataram nenhuma irregularidade, no segundo, o pregoeiro foi expressamente alertado pelas demais licitantes de que a empresa não poderia mais se enquadrar como uma EPP e, apesar de tal informação, decidiu por não a inabilitar.
A semelhança entre os casos relatados e as soluções distintas conferidas pelo TCU demonstram a necessidade de cautela na formulação de hipóteses abstratas de erro grosseiro. Não é incomum que a jurisprudência das Cortes de Contas – além da própria doutrina do Direito Administrativo – fixe de maneira abstrata condutas que entende configurar erro grosseiro, o que costuma ser utilizado em casos posteriores como fundamento para a constatação de culpa grave de gestores que repetem o comportamento analisado no passado[2].
Pequenas variações nas condutas dos gestores ou nas circunstâncias fáticas ou jurídicas de seu processo decisório, porém, podem ser decisivas na atenuação (ou mesmo no agravamento) de sua culpa no equívoco cometido. Para permanecer no exemplo analisado pelo TCU, a omissão do gestor público em inabilitar licitante que apresentou declaração falsa poderá ou não configurar erro grosseiro a depender de uma série de circunstâncias, entre elas o nível de diligência do gestor na confirmação da veracidade da declaração apresentada.
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De fato, a formulação de hipóteses genéricas de erro grosseiro tem a vantagem de sinalizar aos gestores as falhas que, ao menos em princípio, são consideradas graves pelos órgãos de controle, além de auxiliar na homogeneização da jurisprudência. O seu emprego, no entanto, demanda cuidados.
É preciso que os órgãos de controle estejam atentos a eventuais peculiaridades do caso concreto que atenuem ou agravem a culpa do agente público em questão e que, por isso, sejam determinantes na configuração ou não de um erro grosseiro.
O presente artigo foi desenvolvido no âmbito da Comissão de Estudos sobre a LINDB do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA).
[1] Sobre a diligência como parâmetro de diferenciação entre erros grosseiros e escusáveis, ver DIONISIO, Pedro de Hollanda. O direito ao erro do administrador público no Brasil: contexto, fundamentos e parâmetros. Rio de Janeiro: GZ, 2019, p. 130-143.
[2] Para conclusões semelhantes e exemplos de hipóteses abstratas de erro grosseiro fixadas na jurisprudência do TCU, ver BRAGA, André de Castro O. P.; et. al. Como o TCU aplica a LINDB? JOTA, 2021. Disponível em <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/como-o-tcu-aplica-a-lindb>.