Nova RDC da Anvisa restringe escopo do procedimento simplificado de registro de medicamentos
JOTA.Info 2025-04-01
A Anvisa publicou, no Diário Oficial da União de 23 de dezembro de 2024, a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 954, que disciplina o procedimento simplificado de solicitações de registro, pós-registro e renovação de registro de medicamentos genéricos, similares, específicos, dinamizados, fitoterápicos, radiofármacos e produtos biológicos.
O novo marco regulatório substitui a RDC 31/2014, em vigor há mais de uma década, e entra em vigor em 24 de março de 2025, conforme prorrogação definida pela RDC 960/2025. Ainda que a atualização do regramento estivesse em debate desde 2017 — com destaque para a Consulta Pública 875/2020 — a versão final da norma surpreendeu parte do setor ao adotar um escopo mais restritivo do que o originalmente proposto.
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Matriz, clone e simplificação
Desde 2014, o procedimento simplificado previa a possibilidade de uma empresa protocolar pedidos de registro “clone” com base em um processo “matriz” previamente aprovado, dispensando a repetição de dossiês técnico-clínicos, desde que mantida a equivalência entre os produtos, salvo em aspectos como rotulagem e marca. A lógica favorecia a eficiência administrativa e reduzia o custo regulatório para empresas que pretendiam registrar medicamentos equivalentes dentro do mesmo grupo econômico.
A nova RDC 954/2024 mantém a espinha dorsal dessa estrutura, mas impõe um filtro mais rígido: apenas medicamentos vinculados a processos matriz ou secundários já registrados por empresa do mesmo grupo econômico, segundo critérios da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), poderão se beneficiar da via simplificada. Também foram contemplados os pedidos originários de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e transferências de tecnologia.
A referência expressa ao Comunicado 5/2015 da CMED — que define os grupos econômicos com base no controle societário ou participação acionária mínima de 20% — representa uma mudança estrutural na elegibilidade do procedimento simplificado. A consequência prática é clara: empresas que operam em parceria com terceiros fora de seu grupo econômico ou que explorem estratégias comerciais mediante licenciamento ou joint ventures poderão ser excluídas da via célere.
O voto da diretoria e os reflexos concorrenciais
Na tramitação da RDC 954, o voto do diretor relator da Anvisa foi explícito ao reconhecer que parte do setor regulado levantou preocupações quanto aos impactos concorrenciais da nova regra. No entanto, sustentou que potenciais efeitos anticompetitivos extrapolam a competência da agência, sendo matéria de análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), nos termos da Lei 12.529/2011.
Tal delimitação institucional é correta do ponto de vista formal, mas não elimina a tensão prática: ao restringir o uso do procedimento simplificado aos grupos econômicos previamente delimitados, a RDC 954/2024 pode afetar diretamente modelos de negócio baseados em licenciamento de mercado, inclusive por startups e empresas estrangeiras que operam por meio de parceiros locais.
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Nova regra de exigência de dossiê
Outro ponto sensível da nova norma está no artigo 32, cuja vigência começa em 22 de junho de 2025. A Anvisa passa a poder solicitar, a qualquer tempo, a apresentação do dossiê completo — ou parte dele — por empresas que tenham obtido registro pela via simplificada, no prazo de até 60 dias. A medida reforça o controle da Agência sobre a rastreabilidade e a conformidade dos produtos simplificados, ainda que imponha maior ônus operacional às empresas.
Regra de transição e manutenção de registros antigos
A RDC 954/2024 também estabelece regras claras de transição: os pedidos protocolados até 23 de março de 2025 seguirão regidos pela RDC 31/2014. Os registros já concedidos sob a égide da norma anterior serão mantidos. Contudo, ao realizarem pedidos de renovação ou alterações pós-registro vinculadas à petição matriz, as empresas deverão obrigatoriamente observar a nova regulamentação.
Evento público e resposta às críticas
Em 13 de março de 2025, a Anvisa promoveu um evento público para apresentar os principais pontos da nova RDC. Parte do setor aproveitou a ocasião para expressar preocupação com a restrição de abrangência, mas a Agência respondeu que os temas haviam sido objeto de deliberação técnica durante o processo de aprovação da norma e não seriam reabertos à discussão.
A gravação do evento está disponível no canal oficial da Anvisa.
Considerações finais
O procedimento simplificado é uma das ferramentas mais relevantes para o funcionamento regulatório da indústria de genéricos e similares no Brasil. A nova RDC, ao mesmo tempo em que preserva o modelo de aproveitamento de dossiês técnicos entre medicamentos equivalentes, redefine seu escopo e reforça mecanismos de controle.
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As empresas devem avaliar cuidadosamente os impactos da norma sobre seus modelos de operação e, sempre que necessário, buscar diálogo institucional para tratar de eventuais efeitos práticos indesejados. A relação entre simplificação regulatória, política industrial e concorrência segue sendo um tema central para o setor de saúde.