Com a morte de Francisco, Trump e o fascismo vão capturar a Igreja Católica?

JOTA.Info 2025-04-22

No Domingo de Ramos, em 13 de abril, que marcou o início das celebrações da Semana Santa, participei de uma missa numa igreja nas cercanias da avenida Paulista. Na lista de intenções, o último nome anunciado me pareceu familiar, porém assustador: “Jair Messias”. Até essa página, tudo bem: Cristo nos ensinou a amar nossos inimigos, ainda mais os que convalescem. O ex-presidente Bolsonaro (PL) pode até explorar a religião para fins políticos, fazendo-se passar por evangélico embora ainda se defina como católico. Ademais, no catolicismo, universal por excelência, rezamos pelo próximo independentemente da religião.

Só não contava que, ao fim da celebração, alguém convidasse a todos para assistir uma palestra com o diretor de O Jardim das Aflições, filme sobre Olavo de Carvalho, ideólogo-mor do fascismo tupiniquim. Foi quando entendi que a fala do padre na homilia sobre a eleição de políticos que apoiam bandidos não era uma crítica à direita, mas à esquerda — isso justamente na semana em que lembramos que Cristo foi tratado pelos homens como um criminoso e herege. Porém, em todas as culturas, não é esse o padrão dispensado a revolucionários? Jesus foi um deles na dimensão filosófica-existencial e até mesmo política ao gerar medo entre romanos e sacerdotes judaicos.

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Essa pequena história e as reflexões que me acompanham desde então demonstram que pode ser inofensiva a discussão sobre o futuro da Igreja Católica Apostólica Romana após a morte de Jorge Mario Bergoglio, que ascendeu ao trono de São Pedro em 2013 sob o nome de Francisco. Repetida ao redor de mundo nas milhares de paróquias que se reportam a bispos e arcebispos nomeados pelo Vaticano, ela sugere que o desafio imposto pela ascensão da extrema direita sem vergonha alguma nos últimos dez anos já contamina o catolicismo.

O impacto dos outros “ismos” em que se desdobram as ideias nacionalistas e supremacistas étnico-religiosas que são pilares indissociáveis da ascensão de figuras como Bolsonaro e Donald Trump ao poder é evidente em denominações evangélicas. No Brasil, em particular, com católicos votando predominantemente no polo democrático, a associação entre a igreja de Roma e os herdeiros do fascismo sempre foi mais sutil, mas se tem escancarado com o patrocínio da Brasil Paralelo a canais de YouTube cada vez mais populares entre os que, em tese, devem obediência ao papa.

A simpatia demonstrada ao convalescente Bolsonaro na cena que descrevi acima não foi hipotecada por reacionários a Francisco durante o calvário que viveu nos últimos anos com vários problemas de saúde. Na internet, foram comuns — nos últimos anos e, em particular, nas semanas que antecederam a partida do primeiro papa nascido nas Américas — relatos de pessoas que torciam por sua morte de modo a abrir espaço na igreja para posturas anticristãs, como o ódio a minorias.

Ao dizer em resposta a uma pergunta feita pela jornalista Ilze Scamparini em 2013 que “se uma pessoa é gay e procura Jesus, e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, Francisco não foi revolucionário no contexto cristão. Afinal, para aqueles que veem um pecado em práticas sexuais que não se conformam à heteronormatividade, basta lembrar que Jesus disse “não julgueis para não serdes julgados”, segundo o evangelho de São Mateus, capítulo 7, versículo 1. Acolhe-se aquele que, no contexto de uma doutrina, é entendido como pecador sem endossar o que seria uma falha moral para a religião.

No fundo, os que desejavam mal a Francisco são como os doutores da lei que Jesus desafiava e que o levaram à pena capital. Querem uma igreja que relegue os pobres e marginalizados à sarjeta. Fazer isso é relegar à mesma condição a palavra de Cristo. Na lógica de dar a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus, não se deve misturar política e fé. À direita, católicos e cristãos em geral podem dizer que isso é impossível, pois a esquerda, com pautas sociais, já não segue há muito essa premissa. Ora, mas ajudar os marginalizados não deveria significar ser esquerdista no contexto cristão, mas atender à essência da nova aliança: a caridade, entendida como amor incondicional.

Avizinha-se o conclave que moldará não apenas o mundo católico, mas — ouso dizer — os rumos do Ocidente que soube equilibrar iluminismo e cristianismo e, assim, parir aquilo que costumamos chamar de modernidade. Sim, caro leitor: as luzes da razão não são incompatíveis com a fé e vice-versa. Ao negar a essência de ambas, a extrema direita leva-nos a um mundo pré-franciscano. Não à toa, portanto, o papa que acaba de partir temia a influência do trumpismo em sua sucessão.

Bergoglio escolheu seu nome papal em honra a São Francisco de Assis, que, na transição do século 12 para o século 13, marcou o declínio da mentalidade medieval no catolicismo com sua defesa dos pobres, um retorno aos ensinamentos de Cristo — e da natureza — tema de encíclica emitida pelo papa em 2015. Ser pré-franciscano, portanto, é ser medieval no pior sentido da palavra. Mais que filho bastardo da modernidade, o fascismo é um eco das trevas do Ocidente na era moderno-industrial.

Católico ou não, quem é simpático ao papa Bergoglio deve agir perante as trevas que assombram a razão democrática como Frei Bernardo de Quintavalle, primeiro seguidor de São Francisco. Ignore a zombaria dos que, ignorantes da essência da democracia, ignoram os pobres em busca de uma suposta pureza moral que abre as portas para a soberba e, portanto, o arbítrio no mundo secular. Antes da comunhão, os sacerdotes católicos dizem: “não olhei os vossos pecados, mas a fé que anima vossa igreja”. De modo análogo, na política, não veja os erros da democracia, senão os seus benefícios para os pobres e marginalizados nos limites da lei e da soberania popular.