O alcance das diligências em licitações públicas

JOTA.Info 2025-05-24

A participação em licitações públicas demanda uma série de providências por parte das empresas privadas interessadas em contratar com a Administração Pública.

Os dias que antecedem à abertura do certame são marcados por uma intensa mobilização para reunir os documentos exigidos pelo edital de licitação. Em princípio, eventual não apresentação da documentação pode conduzir à exclusão do licitante classificado na fase de lances.

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A Lei 14.133 confere à comissão de contratação o poder de sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos (art. 64, §1°). A regra é fruto da aplicação do princípio do formalismo moderado.

O instrumento adequado para implementar essa regra são as diligências, previstas no art. 64, incisos I e II, da Lei 14.133:

Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:

I – complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;

II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.

Nos termos da Lei, cabe diligência para atualização de documentos e certidões com prazo de validade vencido. Também não há dúvidas de que a diligência se presta a conferir ao licitante a oportunidade de apresentação de documentação nova que venha esclarecer ou complementar informações constantes de documentação já entregue.

A dúvida que se põe é se, por meio da diligência, o licitante poderá também apresentar documentos novos que não foram apresentados no momento oportuno. Um licitante pode apresentar um novo atestado técnico? Ou incluir documento de qualificação econômica que não tenha sido apresentado no momento previsto?

É relevante considerar a interpretação que o Tribunal de Contas da União (TCU) vem conferindo à Lei 14.133 para solucionar questões tais como as que ora se propõem.

Em 2021, o plenário do TCU decidiu que a vedação constante do art. 64, da Lei 14.133, “não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntada com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro” (Acórdão 1.211/2021).

O acórdão indica que esse entendimento poderia ser aplicado inclusive para o caso de não terem sido apresentados atestados suficientes para comprovar o atendimento a requisitos de habilitação técnica. Nos termos do voto, poderiam ser admitidos “novos atestados de forma a complementar aqueles já enviados, desde que já existentes à época da entrega dos documentos de habilitação”.

Este acórdão é paradigmático. Inaugurou uma série de precedentes no mesmo sentido, em que o TCU admite a realização de diligências para juntada posterior de certidões e declarações inicialmente não apresentadas (Acórdãos 2.443/2021, 2.528/2021, 966/2022, 988/2022, 117/2024, todos do plenário).

Em acórdão mais recente, o TCU julgou irregular ato de inabilitação porque não houve diligência que oportunizasse a apresentação de balanço patrimonial e certidão comprovando a reserva de vagas para pessoas com deficiência, documentos que não haviam sido apresentados pelo licitante no momento oportuno (Acórdão 602/2025-Plenário).

Esse histórico de julgados retrata a posição cada vez mais firme do TCU no sentido de que é “lícita a admissão da juntada de documentos, em atendimento a diligência, durante as fases de classificação ou de habilitação, que venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame (art. 64, inciso I, da Lei 14.133/2021), sem que isso represente afronta aos princípios da isonomia e da igualdade entre as licitantes”.

Mas a posição do TCU nem sempre se coaduna com a do Poder Judiciário, que frequentemente adota uma interpretação mais formalista. Houve um caso em que esse tema foi discutido, ainda sob a vigência das Leis 8.666 e 10.520. A questão foi submetida tanto ao TCU quanto ao Judiciário, com decisões conflitantes: o TCU determinou a anulação do ato de inabilitação de licitante que não havia apresentado um certificado (Acórdão 966/2022, Plenário) e o TRF da 2ª Região entendeu como regular a inabilitação, em decisão que transitou em julgado (5016101-23.2021.4.02.5101).

A questão foi levada ao STF por meio de mandado de segurança impetrado contra o acórdão do TCU (MS 38.604/DF). Em decisão monocrática, decidiu-se que o acórdão do TCU não deveria prevalecer sobre a decisão judicial, porque competiria ao Poder Judiciário dar a última palavra em matéria de direito.

Essa coexistência de posicionamentos conflitantes sobre a extensão da apresentação de documentos novos gera incertezas para os licitantes e para a própria Administração Pública. Enquanto não houver uma interpretação uniforme, permanecerá o risco de que o mesmo comportamento seja ora admitido, ora vedado — uma instabilidade que mina a confiança dos licitantes e enfraquece a efetividade da Lei 14.133.