Judicialização do tarifaço reduz poder de barganha dos EUA em negociações comerciais
JOTA.Info 2025-05-30
A judicialização do tarifaço de Donald Trump nos EUA pode reduzir o poder de barganha de Washington nas mesas de negociação e abrir novo capítulo nesta guerra comercial americana. A decisão da Corte Federal de Comércio Internacional dos EUA de suspender a cobrança da tarifa recíproca aplicada a quase todos os países do mundo — o Brasil inclusive — foi um primeiro sinal de que o jogo pode começar a mudar.
Até segunda ordem, está suspensa a tarifa de 10% aplicada sobre todos os produtos brasileiros enviados ao mercado americano. O mesmo vale para os 125% cobrados da China e os outros percentuais impostos a terceiros países desde 2 de abril, data que Trump apelidou de “dia da libertação”. Ou seja, quem estiver com seus navios no mar e atracar em portos americanos neste momento vai desembaraçar suas mercadorias sem o percentual adicional que vinha sendo cobrado até aqui.
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Ainda cabe recurso no próprio tribunal e na Suprema Corte. Aliás, na quinta-feira (29/5), o Tribunal de Apelações dos EUA acolheu o pedido do governo Trump e determinou a retomada dos efeitos de parte das tarifas de forma temporária, enquanto analisa a questão. Mas isso ainda não aconteceu em função de outra decisão judicial em vigor anunciada em Washington.
A decisão de ontem foi tomada por três juízes, dois deles republicanos (um indicado pelo próprio Trump) em reação à ação coletiva impetrada por 12 governadores democratas, que pediam liminar contra as tarifas. Mas o colegiado optou por decisão final, de mérito, dado que não havia análise de evidência material. O entendimento foi o de que Trump usou de maneira indevida a Lei de Poderes Econômicos de Emergência.
É claro que o caso não está resolvido. As incertezas permanecem. Mas a avaliação do especialista Celso Figueiredo, sócio e co-líder da área internacional do Barral Parente Pinheiro Advogados, é a de que se trata de decisão sólida e bem fundamentada, que cria precedentes, difícil de ser derrubada. “As próximas decisões têm de levá-la em consideração”, afirma ao JOTA. Ele não descarta a possibilidade de o governo Trump tentar adaptar a medida, caso o entendimento de que é indevida seja mantido. Mas vê a sinalização de maneira positiva.
Tudo o que está acontecendo dá tempo (e fôlego) ao grupo de 20 países que negociam com os EUA neste momento — o Brasil é um deles — para aguardar os desdobramentos desta batalha judicial. O poder de barganha para apresentar a sua lista de exigências, que o Brasil, por exemplo, ainda não recebeu, é menor. E não é só isso: Washington não parecia disposta a abrir mão de um mínimo que fosse tarifário, como mostrou após anunciar seu primeiro entendimento comercial, com o Reino Unido, para quem, a despeito de concessões de lado a lado, manteve o piso tarifário de 10%. Para a UE, que prepara medidas retaliatórias, enquanto negocia com o governo Trump para evitar uma tarifa de reciprocidade de 50%, a decisão da Corte de Comércio foi vista com certo alívio.
A má notícia é que a decisão judicial não afeta, e tampouco deve vir a fazê-lo, segundo Figueiredo, a seção 232, que envolve automóveis, aço e alumínio. Para estes setores, continua vigente a tarifa de 25% anunciada em março. Só os britânicos escaparam desta última após negociar com Washington. O Brasil, um dos países mais afetados pela taxação pelo fato de ser o segundo maior fornecedor americano de aço e alumínio, e as outras nações afetadas, ainda terão de negociar saídas. O governo brasileiro não desistiu de insistir no sistema de cotas de exportação, como o que vigia desde 2018 até abril deste ano.
A boa notícia é que tudo isso é a confirmação de que os poderes do presidente americano não são ilimitados e que sua política externa é mais vulnerável do que quer fazer crer.
Negociações com Brasil
Ainda assim, a imprevisibilidade continua. As idas e vindas do atual governo, e, agora, a judicialização das tarifas, ainda não permitem que se enxerguem cenários de médio e longo prazos para os países que exportam para os EUA. Desde o início do tarifaço, o que se tem de certo até aqui é a taxação dos setores de aço e alumínio e um acordo (anunciado) a ser fechado com o Reino Unido.
As negociações técnicas entre Brasil e EUA inauguradas em março são marcadas por sigilo extremo. As seis reuniões feitas até aqui se desenrolam de forma lenta e gradual. Ninguém está autorizado a mostrar as cartas antes da hora. E, na verdade, ainda não se sabe o que os americanos de fato querem, pois ainda não apresentaram a lista de exigências que têm levado à mesa com países com quem estão negociando neste momento.
Washington quer derrubar barreiras tarifárias e não tarifárias. Etanol segue uma obsessão, assim como carne de porco. Suas demandas partem de uma publicação da secretaria de Comércio americano de quase 400 páginas em que dedica a um capítulo inteiro ao Brasil. Este vinha focado na eliminação das tarifas de 10%, que vale para todos os produtos, e as do aço (que é a que mais afeta da balança comercial brasileira) e alumínio. Há também preocupação pelo lado brasileiro com os setores de autopeças e microchips.
A avaliação dentro do governo (e fora dele) é a de que o Brasil foi bem menos penalizado do que se chegou a imaginar. Está no piso da tarifa de 10%, foi incluído no primeiro grupo de 20 países com os quais os americanos começaram a negociar. A expectativa é de que se mantenha assim. Afinal, o Brasil representa o sexto maior superávit comercial dos EUA. Fontes do governo afirmam que o país deve manter a estratégia de cautela, a pedido do Palácio do Planalto. A ordem é observar os desdobramentos das negociações e como os outros países têm se comportado. Ou seja, se mantendo abaixo do radar.