Como e por que a comunicação é um problema para o governo Lula 3

JOTA.Info 2025-06-06

Desde o início do ano, um conjunto razoável de pesquisas de opinião tem indicado um processo de deterioração da aprovação do governo Lula 3. Crises, como a do Pix, a taxação das blusinhas, ou mais recentemente o escândalo do INSS e o aumento do IOF são apontadas como possíveis causas para o mau humor dos brasileiros.

Há, ainda, explicações que associam a queda dos índices a questões de natureza econômica, como a alta da inflação, a perda do poder de compra ou mesmo o aumento de preços dos alimentos, combustíveis e energia elétrica.

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Opinião política é sempre um dado de difícil mensuração. Como e onde exatamente ela nasce? Quais os seus condicionantes? Como sabemos, crenças e atitudes políticas importam e desempenham um papel determinante nesse processo. Cidadãos são sujeitos com experiências pessoais, familiares e sociais que interferem na maneira pela qual percebem o mundo à sua volta.

Do outro lado, o acesso à informação, seja por qualquer tipo de fonte, pode reforçar ou mudar percepções pré-existentes, ou mesmo dar início à formação de uma nova percepção. Nada disso, porém, ocorre exclusivamente no nível individual. É na aquisição de informações e na interação com outros sujeitos que o cidadão formula percepções, ideias e opiniões. E aqui temos um ponto que merece maior atenção e que dialoga com a hipótese do “problema de comunicação do governo”.

A hipótese do problema da comunicação

Sempre que é chamado a comentar os dados negativos da sua aprovação, o governo tem se concentrado no argumento de que o problema é de comunicação. É como quem diz: “o governo é bom, mas a comunicação das suas políticas, não”. O resultado isso, na visão do Executivo, é uma opinião pública que não acompanha os resultados “positivos” das políticas implementadas. Esse argumento, evidentemente, omite os erros de gestão que criam os elementos detonadores para a avaliação negativa do governo.

Vamos imaginar que a hipótese do “problema de comunicação”, na perspectiva adotada pelo governo, seja verdadeira. O que na comunicação explicaria a baixa avaliação de Lula 3?

Há muitos exemplos que ajudariam a ilustrar os erros da comunicação do governo, mas gostaria de me concentrar no exame do que chamamos de ecossistema de comunicação, o ambiente no qual Lula 3 é chamado a participar e onde boa parte dos brasileiros se informa, interage e forma suas percepções.

Entre 2003 e 2010, quando governou o Brasil nos seus dois primeiros mandatos, o presidente Lula registrou elevados índices de aprovação. Embora tenha enfrentado dificuldades durante o caso do mensalão, Lula se recuperou e seu governo registrou, na maior parte do tempo, aprovação maior que reprovação.

Governos não são os mesmos no tempo. Mudam, apresentam novas políticas, erram, acertam. Nessa dinâmica, precisam ser capazes de se comunicar bem para limitar danos e potencializar acertos. Lula 1 e Lula 2 ocorreram em um ecossistema de comunicação com baixa chance de ruídos, e no qual o processo de produção, disseminação e consumo de informação ainda eram orientados pelo modelo broadcasting, ou como muitos preferem, a mídia tradicional.

Desde então, houve uma mudança significativa que afeta os modos de acesso à informação e as formas de interação entre as pessoas. Uma das principais redes sociais do mundo, o Facebook, por exemplo, nasceu em 2004, ainda muito timidamente. Somente em 2010 chegou a 500 milhões de seguidores em todo mundo. O YouTube surgiu como plataforma de vídeo em 2005; o X (antigo Twitter) em 2006. O Instagram, rede que caiu no gosto dos brasileiros, surgiu em 2006, e o TikTok, em 2012. O principal aplicativo de mensagens usado pelos brasileiros, o WhatsApp, foi fundado em 2009.

Entre a criação e a disseminação desses aplicativos foi preciso algum tempo de uso e aprendizagem para a constituição do “novo” ecossistema de comunicação. Nesse ambiente, a informação, em especial, a informação política, deixou de ser um produto administrado pelas instituições clássicas da política ou pelos agentes do modelo broadcasting.

Mais do que isso. A pulverização de fontes, opiniões e o dinamismo das trocas de informação criaram um ambiente com muitos ruídos e, claramente, com muito mais dificuldades para a comunicação governamental. Enquanto os acertos na gestão das políticas públicas enfrentam mais barreiras comunicacionais até chegar ao cidadão comum, os erros parecem circular com muito mais facilidade por meio de mensagens curtas, microvídeos, opiniões e memes.

O dado mais recente na série da Quaest ilustra a complexidade desse cenário. Segundo o instituto, os brasileiros se informam sobre política pela TV (37%), modelo com fluxos de produção e disseminação de informações orientado pelas crenças do jornalismo tradicional, e as redes sociais (35%), canais controlados pelas big techs e povoados por milhares de fontes e opiniões sobre política.

Mas há outros dados da Quaest que merecem ser destacados. Em março, o instituto perguntou sobre fontes de informação preferida dos brasileiros quando querem se informar sobre política, e também como avaliavam as informações sobre o governo que circulavam nos canais listados.

Os resultados indicam que aqueles que preferem o meio tradicional da TV tendem a identificar mais notícias positivas sobre o governo (31%). Esse percentual cai pela metade entre aqueles que preferem redes sociais. Os sites, blogs e portais de notícias registram percentual de 23%.

Embora as notícias negativas sejam predominantes nos três canais, os percentuais registrados nas redes sociais (60%) e sites/blogs (59%) superam e muito o identificado entre aqueles que preferem a TV (41%). Apesar do tamanho dessas amostras serem menores e, portanto, as variações prejudicarem em certa medida a análise, há uma pista aqui de que o ambiente digital tende a ser bastante difícil para o governo, e parte disso, sem dúvida, deve-se à maior concorrência do mercado de opinião, além da guerra política de grupos organizados por preferências ideológicas.

Avaliação de governo e avaliação das políticas do governo

Um terceiro dado que merece ser observado refere-se à maneira pela qual os brasileiros avaliam as políticas do governo. Aqui, há uma relação entre ações do governo e comunicação. Primeiro os dados gerais.

A pesquisa Quaest divulgada na última quarta-feira (4) mostra que a avaliação negativa do governo Lula apresentou estabilidade entre março e maio, com variação dentro da margem de erro. Mesmo caso da desaprovação. No gráfico abaixo, é possível verificar que o ponto de virada ocorreu em janeiro deste ano, quando a desaprovação superou a aprovação.

Na pesquisa de dezembro de 2024, quando Lula ainda tinha avaliação positiva maior que a negativa, a Quaest perguntou se os brasileiros conheciam e como avaliavam sete políticas do governo, como Bolsa Família, Farmácia Popular, Desenrola, entre outros.

Agora (maio de 2025), o instituto voltou a apresentar uma lista, desta vez com 13 ações do governo, e perguntou se as pessoas tinham conhecimento e como avaliavam essas políticas. Os resultados indicam que, na média, há um baixo percentual de conhecimento sobre as políticas, cerca de 41%. Não foi possível identificar esse dado para dezembro de 2024.

O teste mostra ainda que há uma associação positiva e forte entre conhecimento dessas políticas e avaliação positiva. Para os dados desta última rodada, o teste de correlação (conhecimento e avaliação) apresentou resultado de 0,97. Em outras palavras, quando tem acesso à informação sobre determinada política, a chance de o brasileiro avaliar positivamente é alta.

Curiosamente, a taxa a média de sucesso, isto é, conhecimento das políticas e avaliação positiva, mostra resultados diferentes nos dois períodos. Quando ainda tinha avaliação positiva maior que a negativa (dezembro de 2024), a taxa média ficou em 0,64.

Agora, com o nível de desaprovação do governo em percentuais ainda elevados, a taxa registra 0,79. Aparentemente, portanto, o Executivo precisa se comunicar mais (no digital) e melhor, porque há uma possibilidade no horizonte de mudar os percentuais de avaliação negativa. A questão a saber é: será possível?

Os dados demonstram que a hipótese do problema da comunicação como um fator explicativo da baixa avaliação do governo não pode ser descartada, mas a sua solução está longe de estar ao alcance exclusivamente de ações do Executivo.

As mudanças no ecossistema de comunicação tornaram o trabalho dos governos muito mais complexo e difícil. O dinamismo das redes, além da proliferação de fontes e opiniões, cria uma situação de mais ruídos, com sobreposição de mediadores, o que limita muitas vezes o acesso a informações e enquadramentos que o governo gostaria que a população tivesse acesso (políticas públicas).

Esse contexto torna os resultados da comunicação governamental ainda menos previsíveis. Mas vamos ao óbvio: de fato, Lula 3 precisa ganhar o digital, não para vencer a batalha da comunicação, mas para não ser sempre um 7 a 1.

Agora um segundo ponto – na verdade, uma hipótese a ser validada. Se direcionarmos o olhar para as pesquisas de opinião, talvez estejamos iniciando uma era em que não vemos apenas resultados de erros de comunicação, mas sinais de um cenário em que a avaliação positiva de governos (não apenas este) tenderá a andar sobre uma fina camada de gelo, enquanto avaliações negativas surfarão no fluxo e na velocidade das redes. A conferir.