Governo defende altivez em negociação com Trump enquanto oposição culpa Lula por dificuldades
JOTA.Info 2025-07-30
Sem sinal de que os Estados Unidos vão aliviar o tarifaço prometido para a sexta-feira (1/8), o baile político em torno do tema entra em uma fase na qual o governo Lula tenta equilibrar demonstrações de altivez e busca de canais negociais, enquanto a oposição joga com a tentativa de rotular o presidente brasileiro como alguém isolado e sem condições de diálogo com Donald Trump.
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O pano de fundo é o fato de que até o momento os dois presidentes não se falaram. Na visão do governo brasileiro, expressa mais claramente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não há falta de vontade de Lula em conversar com sua contraparte americana. Mas uma reunião entre chefes de Estado, ainda que por telefone, demanda uma preparação que não ocorreu por falta de qualquer sinalização por parte dos EUA.
Haddad chegou a ser explícito ao dizer que o presidente Lula não se submeteria à situação vexatória em que Trump colocou, por exemplo, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski.
Maior coesão oposicionista
De outro lado, no campo da oposição, depois da perda de terreno político causada pelo tarifaço, começa-se a encontrar um discurso mais coeso. A lógica é dizer que não há diálogo porque, de um lado, Trump realmente estaria apoiando a causa de Jair Bolsonaro, e, de outro, porque Lula queimou pontes com os EUA por conta de seu alinhamento com os países do Brics e as críticas feitas diretamente ao americano.
Sintoma de que a oposição começou a recuperar espaço, sobretudo no seu habitat natural das redes sociais, foi o cancelamento da reunião de governadores com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin.
Convocada pelo governador Ibaneis Rocha (do DF e presidente o Fórum que congrega seus homólogos), o encontro previsto para amanhã acabou sendo revogado por conta das crescentes baixas, sobretudo de governadores oposicionistas, que já estavam escalando seus vices ou secretários para não saírem na foto da reunião. Pesou o temor de serem acusados de estarem se alinhando a Lula e, por isso, sofrerem ataques nas redes sociais.
Esperança pequena, mas crescendo
Ainda sem sinais de mudanças, o governo federal segue trabalhando com um cenário no qual a tarifa de 50% sobre as importações de produtos brasileiros será aplicada pelos EUA. Mas algumas fontes alimentam a esperança de que pode haver exceções de última hora, como, por exemplo, para o café e as vendas da Embraer, que importa bastante insumo dos EUA.
O presidente da fabricante de aviões tem feito gestões junto a oficiais de alta patente americanos e, dada a situação de superávit dos EUA com a empresa, cresce no governo a expectativa de um recuo pontual, apesar de não ser o cenário base.
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Outro elemento a dar esperança de algum avanço em termos de negociação é o de que na reunião desta terça-feira de Alckmin com as chamadas “big techs” houve a presença de representante da Secretaria de Comércio dos EUA, a pedido do próprio chefe da pasta, Howard Lutnick, com quem o brasileiro voltou a falar na segunda-feira. Para além da pauta, fica o sinal de que começa a se abrir uma janela mais concreta de negociação, em um tema que está nas duas trilhas de discussão entre os países, de maneira mais técnica e despolitizada.
Longo deserto e lei Magnitsky
De qualquer forma, está mantido o planejamento para um grande período de travessia do deserto na relação comercial bilateral, que deve seguir até as eleições de 2026. Há uma leitura, inclusive, de que a situação pode piorar no caso de uma prisão de Jair Bolsonaro, cenário com altas chances de se materializar até o fim do ano.
Não à toa, crescem também as discussões sobre a possibilidade de aplicação da chamada Lei Magnitsky, que permite sanções ao sistema financeiro em caso de operações com nomes que forem sancionados pelos EUA. Na mira dos americanos estariam o ministro Alexandre de Moraes e outros integrantes do STF. A aplicação dessa lei contra membros do STF está sendo estimulada pela base bolsonarista e, diretamente nos EUA, pelo filho do ex-presidente e deputado federal, Eduardo Bolsonaro.
Plano de contingência
Enquanto a contagem regressiva avança, o governo dá sequência ao seu plano de contingência. Além de uma linha de crédito subsidiada que deve ser operada pelo BNDES, da possibilidade de redução de jornada e corte de salário, além de socorro orçamentário, o governo também avalia turbinar o programa de aquisição de alimentos (PAA) para dar suporte aos setores agrícolas que vierem a ser mais atingidos.
O problema disso é que a iniciativa pode acabar reduzindo um potencial benefício dessa guerra tarifária: a redução de preços de alimentos, algo que já se verifica no atacado e que em breve pode chegar ao varejo. Não há decisão tomada ainda sobre essa ideia, que, como as demais, dependerá não só do aval do presidente Lula, mas da clareza sobre o que efetivamente virá no decreto do presidente americano no próximo dia 1/8.
Sinalização às big techs
Alckmin vem intensificando contatos com Lutnick. Ambos já se falaram duas vezes em uma semana. Na última delas, na segunda-feira, o secretário americano pediu ao vice-presidente que um funcionário de seu departamento participasse remotamente de uma reunião que teria com representantes das big techs, que ocorreu nesta terça-feira. Participaram Meta, Google, Amazon, Apple, Visa e Expedia.
O tema das big techs é o que têm em comum nas duas trilhas de negociação abertas pelos EUA — a carta de Trump e a investigação comercial segundo a seção 301. As gigantes da tecnologia levaram ao vice-presidente uma “pauta” que, Alckmin apresentou em termos genéricos: segurança jurídica, inovação tecnológica, ambiente regulatório e oportunidade econômica. Ele deu indicativo de que o assunto seria tratado no Brasil ouvindo as demandas do setor e o próprio governo americano, ao mencionar que montaria uma “mesa de trabalho” com essas companhias para tratar desses temas. Como se deu, o encontro pode ter sido sinal dos EUA de que poderiam negociar o tema na esfera econômico-comercial, como queria o governo brasileiro, e não na político-institucional.
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A jornalistas, Alckmin admitiu que a regulação do setor foi abordada na conversa e fez um aceno às empresas.
“Essa questão de regulamentação de big techs, de redes sociais, está em discussão no mundo todo. Vamos aprender: onde já foi implementado? O que deu certo? O que levou a críticas? Nós não devemos ter muita pressa nisso. A gente deve verificar a legislação comparada e ouvir e dialogar”, disse.