Como os EUA também pagam o preço pelas tarifas contra o Brasil

JOTA.Info 2025-07-30

Em ordem executiva nesta quarta-feira (30/7), Donald Trump oficializou as taxas de 50% sobre produtos brasileiros. Ao mesmo tempo, foram poupados das tarifas quase 700 produtos brasileiros, entre itens com alto volume de exportação pelo Brasil, insumos estratégicos para os EUA e produtos com tratamento especial, mas outros, bastante relevantes para o mercado consumidor, como café, ficaram no tarifaço. Com isso, não apenas o lado brasileiro pode sofrer, mas também diversos setores norte-americanos.

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Segundo levantamento do JOTA a partir de dados norte-americanos (veja abaixo), em alguns casos, até seria possível que os norte-americanos encontrassem outros vendedores para alguns produtos, mas condições não são uniformes.

Produto / SetorImportações brasileiras representam…De quem mais os EUA poderiam comprar esse produto?Suco de laranja (isento do tarifaço)Aproximadamente 73% do consumo total desse produto nos EUAMéxico, EspanhaCafé Aproximadamente 33% do consumo total desse produto nos EUAColômbia, VietnãAçaí100% do consumo total desse produto nos EUANão háCarne bovinaAproximadamente 20% do consumo total desse produto nos EUAAustrália, Nova Zelândia,Produtos químicos Aproximadamente 10% do consumo total em segmentos específicosCanadá, Alemanha, ÍndiaPetróleo bruto (isento do tarifaço)Aproximadamente 7% do consumo total desse insumo nos EUACanadá, Arábia SauditaAeronaves (isentas do tarifaço)Aproximadamente 20% da frota de jatos regionais operada nos EUA é de fabricação brasileiraCanadá (Bombardier), UE (Airbus), Japão (Mitsubishi)Celulose / papelAproximadamente 15% do consumo total desse produto nos EUACanadá, Chile, Suécia, Indonésia

Fontes: Dados de comércio exterior da USITC (United States International Trade Commission) e do USTR (Office of the United States Trade Representative); relatórios do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA).

No caso de alimentos, por exemplo, os negócios norte-americanos teriam de avaliar a necessidade de operacionalização e preparação burocrática, como certificados de origem e fitossanitários, caso procurassem outros vendedores. “Mesmo que haja disponibilidade do produto, tem uma série de preparações, contatos a serem feitos. Na internacionalização a coisa tende a levar tempo”, diz João Alfredo Nyegray, coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). “As empresas às vezes acham que vão conseguir exportar rapidamente porque têm um bom produto, mas isso não é verdade”. 

Via de regra, com tarifas, a tendência é que o preço adicional seja repassado ao consumidor final, em casos em que a demanda é menos sensível ao preço. Essa inflação já começou a se manifestar nos EUA, apenas com os receios em torno das tarifas, e tende a se intensificar em relação aos itens em que ela entrará em vigor. O preço do café subiu 2,2% de maio para junho, por exemplo, e novos números da inflação norte-americana, que serão publicados nesta quinta-feira (31/7), podem dar novas pistas sobre a tendência de preços.

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Mas, como é possível observar no levantamento do JOTA, as importações brasileiras são, em parte, utilizadas no meio da cadeia de produção norte-americana – isto é, há margem para que produtores tentem reorganizar o sistema como um todo para não repassar os preços para o consumidor final. Em outros casos, os produtos do Brasil servem a produções específicas, o que limita o impacto geral das tarifas. “O Brasil é um player importante em certos produtos agrícolas, como café e suco de laranja, mas não é um grande exportador global de manufaturas para os EUA, como é o caso da China, por exemplo”, diz William Alan Reinsch, do Center for Strategic and International Studies (CSIS) e ex-subsecretário de comércio durante o governo de Bill Clinton.

Isso não significa que as tarifas, de forma geral, não trarão impactos negativos a quem as impôs. Além dos tons nacionalistas, a política de tarifas, segundo Donald Trump, visa contribuir para a reindustrialização dos EUA e impulsionar o mercado de trabalho interno. Mas isso pode demorar anos para surtir efeito — isso se de fato surtir, segundo Sandra Rios, economista e diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes). “E mesmo quando investimentos ocorrerem, virão com altíssimo grau de automação, o que não se traduzirá em geração de empregos”, diz. “O fato de colocar tarifa, aumentar o custo de todo tipo de insumos na verdade tem impacto negativo sobre a produtividade”. 

Isentos do tarifaço

Entre os itens mais exportados pelo Brasil aos EUA, ficaram de fora do pacote de tarifas aeronaves civis, óleo bruto de petróleo e suco de laranja. A lista de exceções, dividida em 30 categorias, inclui ainda castanha-do-pará, celulose, metais preciosos, ar-condicionado e unidades de refrigeração, luminárias e assentos e móveis para aeronaves.

Para os EUA, faz sentido derrubar as taxas no suco de laranja. A produção doméstica norte-americana está longe de ser suficiente para cobrir a demanda do produto. A Flórida, no sul dos EUA, já foi referência mundial, por conta das condições climáticas favoráveis. Mas os dias de glória ficaram para trás, com furacões, pragas como o greening, uma doença transmitida por insetos às plantas cítricas. Em 2024, o estado registrou a menor safra em mais de 80 anos. 

Já a substituição de fornecedor do suco, área na qual o Brasil lidera, com produção de 1 milhão de toneladas por ano, também seria difícil. A indústria americana já é moldada para processar suco concentrado congelado brasileiro, e mudar o fornecedor exigiria adaptação para outros padrões. Além disso, o México tem produção crescente, mas não no mesmo volume que o Brasil – em 2023, por exemplo, o país produziu apenas 208 mil toneladas de suco de laranja. A Espanha, que poderia se beneficiar com o recente acordo com a União Europeia, de tarifas reduzidas a 15%, também não tem produção grande, estimada entre 47 e 50 mil toneladas no ano passado.

Taxar aeronaves poderia também sair caro demais. Lar de gigantes como Boeing e Lockheed Martin, há, no entanto, um nicho que essas empresas não atendem: os jatos regionais, aeronaves menores utilizadas em voos curtos e médios, essenciais em países de grande extensão como o Brasil e os EUA. É justamente aí que entra a Embraer, cujos modelos como o E175 são amplamente usados por companhias americanas.

Esses aviões fazem parte de contratos de longo prazo e estão integrados à operação das empresas, com peças, manutenção e tripulações treinadas especificamente para essa frota. Concorrentes como a canadense Bombardier reduziram sua atuação neste nicho de jatos, a Mitsubishi suspendeu o desenvolvimento de seu SpaceJet, enquanto a Airbus se concentra em aeronaves maiores. Uma mudança exigiria renovação de frota, requalificação de pilotos e mecânicos, renegociação de contratos e adaptação de infraestrutura, algo caro e que levaria anos. 

Também faz sentido para Trump excluir o petróleo da lista. Isso porque o petróleo bruto extraído domesticamente nos EUA via fracking, técnica usada no país, nem sempre tem o perfil ideal para todas as refinarias, especialmente aquelas da Costa do Golfo, que foram projetadas para processar blends mais pesados, como o petróleo brasileiro. Sem o óleo brasileiro, esse tipo de cadeias de refino seriam obrigadas a se reorganizar.

Em casa de ferreiro…

O café, que ficou taxado na ordem executiva de Trump, também tem produção doméstica limitada a fazendas no Havaí, uma ilha, e a experiências recentes na Califórnia, que somam menos de 1% da demanda nacional. Mesmo assim, o impacto nos consumidores pode ser relativamente limitado, segundo William Alan Reinsch. “Se você for ao Starbucks aqui e for comprar um latte, custa US$ 5,99. Mas o café, em si, custa um dólar. Então, com uma tarifa de 15%, se todo o custo for repassado, o latte passa a custar US$ 6,14. No caso do Brasil, se a tarifa for de fato de 50%, o latte custaria US$ 6,49. Alguém vai notar? Eu não sei, é algo a ver”, diz.

O tarifaço de Trump também pode afetar um queridinho das celebridades e influencers dos EUA. O açaí se popularizou nos Estados Unidos como um “superalimento” e virou estrela de smoothies, tigelas e sobremesas, alardeado por personalidades como Kim Kardashian e Gwyneth Paltrow. No entanto, toda essa febre depende de um único elo: o Brasil. O fruto é nativo da Amazônia e quase inexistente em outras regiões. O produto não entrou na lista de isenções, portanto, terá uma tarifa de 50% daqui 7 dias se nada mudar.

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A situação tem seus contornos particulares ainda para outros produtos que ficaram sob o peso de 50%, como a carne bovina. Os EUA são gigantes na produção, com estados como Texas, Nebraska e Kansas, e a produção doméstica é suficiente para atender boa parte da demanda interna. O Brasil entra na pauta de importações principalmente para suprir variedade de cortes. Assim, o risco aqui não é de desabastecimento generalizado, mas inflação em nichos específicos, como hambúrgueres.

Algo parecido pode acontecer na indústria química, que tem grandes polos no Texas, Louisiana e Ohio. O país é autossuficiente em muitos produtos, mas depende de insumos intermediários importados, como resinas e solventes. Assim, o impacto das tarifas sobre o Brasil, que exporta cerca de US$ 2,4 bilhões em produtos químicos para os EUA por ano, pode gerar distorções pontuais em certos nichos industriais, mas não uma disrupção em massa.

A indústria florestal americana também é sólida, com produção de celulose e papel em estados como Geórgia, Oregon e Alabama. Ainda assim, os EUA importam celulose de alto rendimento, uma mais rígida, que preserva mais fibras da madeira, de países como Brasil. Elas são usadas para aplicações específicas, como papéis sanitários e embalagens, trazendo impactos mais restritos em caso de aumento de preços ou escassez dos produtos brasileiros.

O que é mais fácil…

Para driblar as tarifas de 50% nessas importações brasileiras, negócios norte-americanos poderiam se voltar para outros mercados, especialmente no caso de commodities, produtos simples sem diferenciação a partir de processamento. No caso do café, por exemplo, outros fornecedores como Colômbia e Vietnã, já têm presença relevante no mercado dos EUA, o que significa que pontes comerciais e burocráticas já estão estabelecidas. Porém, substituir 33% da oferta brasileira exigiria negociar novos volumes, com risco de encarecimento, já que nenhum deles produz tanto quanto o Brasil.

Já com produtos mais sofisticados, há mais candidatos. O Brasil exporta uma variedade de produtos químicos e resinas, como polietileno, solventes e compostos orgânicos, e, embora empresas como a Braskem tenham presença internacional, a participação brasileira nesse mercado é modesta em comparação com grandes produtores como Canadá, Alemanha e Índia, que oferecem maior escala e tecnologia avançada. O Canadá tem integração logística facilitada, a Alemanha lidera em especialidades químicas de alta qualidade, e a Índia fornece insumos a custos competitivos – embora o país asiático também seja alvo de tarifas de Trump, de 25%, também a partir de 1º de agosto. 

A ressalva fica em nichos específicos com exigências técnicas mais restritas, como resinas usadas nas indústrias automotiva e aeroespacial, intermediários químicos para a indústria farmacêutica e plásticos certificados para embalagens alimentícias e cosméticas. Nesses casos, trocar de fornecedor exigiria novas homologações, certificações sanitárias e validações regulatórias, o que pode atrasar a produção e encarecer o processo.

…e o que é difícil

O Brasil também é líder mundial na produção de carne bovina, e fornece cortes para hambúrgueres e misturas com carne magra local nos EUA. Substituí-lo não seria impossível, mas difícil, pelo tamanho da produção. Austrália e Nova Zelândia são os principais candidatos a preencher essa lacuna, pois já exportam para os EUA e possuem status sanitário. No entanto, ambos enfrentam limitações: a Austrália lida com secas recorrentes, e a Nova Zelândia tem produção muito menor (a título de comparação, o país da Oceania produz em torno de 680 mil toneladas por ano, enquanto o Brasil produz cerca de 11 milhões de toneladas).

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Além disso, no caso da celulose, o Brasil se destaca na celulose de eucalipto, graças ao clima favorável e ao cultivo intensivo, com empresas como Suzano e Klabin abastecendo grandes mercados nos EUA. Embora existam outros fornecedores, como Canadá, Chile e Indonésia, esses países produzem principalmente celulose de fibras longas (como a de madeira pinus), com características distintas. Assim, seria possível trocar o fornecimento brasileiro, mas por composições menos eficientes nos produtos finais. 

Futuro

Parte dos canais de negociação para discutir as tarifas pode ser do setor privado: segundo apuração da CNN, o setor de café dos EUA foi a Washington, liderado por William “Bill” Murray, CEO da NCA (National Coffee Association), para pressionar congressistas. No entanto, a capacidade brasileira de instrumentalizar essas pressões internas a seu favor é limitada. As negociações podem exigir “ter algo para oferecer”, diz João Alfredo Nyegray, da PUC-PR. “Será que nós estamos preparados para abrir o mercado brasileiro para mais produtos dos Estados Unidos? Produtos da área de tecnologia ou farmacêuticos, por exemplo?”. 

Além disso, Sandra Rios vê espaço para gestos diplomáticos com baixo custo político e alto potencial de destravar canais de diálogo, como reduzir a tarifa de importação do etanol (que hoje é mais alta no Brasil do que nos EUA), e recuar de discursos sobre substituição do dólar no comércio internacional. Paralelamente, o Brasil pode também abrir canais com outros países. “Precisamos acelerar acordos com países asiáticos. Os EUA estão se mexendo, estão falando com Vietnã, com Indonésia, com Japão… Se a gente não fizer o mesmo, vamos ficar pra trás na disputa por esses mercados”, diz. Em reunião no início do mês, o presidente Lula e Narendra Modi, da Índia, anunciaram a pretensão de triplicar o comércio com a Índia, que atualmente está na casa de US$ 12 bilhões anuais.

Já William Alan Reinsch, do Center for Strategic and International Studies (CSIS), vê possíveis negociações com ceticismo. “Trump é um bully, a reação dele a qualquer coisa é pressionar mais. Isso é teatro político disfarçado de política comercial”, diz. “O Brasil não é único, mas é peculiar porque se trata de um problema político, não econômico. Isso não pode ser resolvido por negociação. Se Trump e Lula tiverem finalmente uma reunião, o que vão falar? O Trump vai dizer, diga a sua Supremo Corte de fazer algo diferente. E o Lula vai dizer, eu não posso fazer isso. E aí? Isso é muito perigoso, estamos falando de problemas de soberania”.

Para ele, mesmo os acordos já feitos, como o com a União Europeia no último fim de semana, são na verdade, documentos curtos e vagos, “duas ou três páginas de promessas”. Ele exemplifica com o Reino Unido, cujo acordo ele classifica como “80% aspiracional e 20% tangível, muitos temas importantes não são sequer tratados nesses acordos, como comércio digital e regras farmacêuticas. O governo Trump prefere o gesto de poder e a imagem de força a acordos comerciais bem estruturados”.