Minerais críticos: patrimônio comum ou armadilha geopolítica?
JOTA.Info 2025-08-01
A criação de uma Plataforma Global de Minerais Críticos tem sido defendida por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos como uma alternativa para o estabelecimento de um mecanismo de governança neutro que coordene o acesso mundial a minerais críticos.
O mecanismo descrito em artigo publicado recentemente pela revista Science garantiria preços justos para fornecedores e consumidores, apoiaria países em desenvolvimento com assistência técnica na exploração e produção desses minerais e preveniria o nacionalismo de recursos e a formação de cartéis, entre outras medidas.
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Com essas ações, os defensores do projeto consideram que a plataforma poderia beneficiar países como o Brasil, ao permitir a agregação de valor à sua produção mineral, hoje ainda voltada principalmente à exportação de materiais brutos.
Afinal, seria justamente uma alternativa para a reversão da lógica predominante ao longo da história de exportação de itens de baixo valor agregado dos países pobres para o Norte Global, e de transferência de bens processados em direção contrária.
Ao mesmo tempo, essa seria uma forma de ajudar a blindar a transição energética de conflitos geopolíticos, à medida que se intensifica a corrida por esses recursos, concentrados em poucos países e necessários para tecnologias de energia limpa, entre outras.
O principal desafio é que tal proposta se fundamenta no conceito de patrimônio comum da humanidade, tratando minerais críticos como bens compartilhados globalmente: a história nos mostra que esse tipo de abordagem pode mascarar uma nova forma de colonialismo de recursos.
Historicamente, quando recursos do Sul Global são declarados “patrimônio comum”, os benefícios tendem a fluir desproporcionalmente para o Norte Global, enquanto os custos ambientais e sociais permanecem localizados.
Exemplos nesse sentido incluem a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982), que definiu os fundos marinhos como “patrimônio comum”, sendo que empresas e países do Norte Global têm sido os principais exploradores de recursos marinhos, com benefícios econômicos limitados para países do Sul Global.
Outro exemplo são os recursos genéticos, muitas vezes conhecimentos tradicionais de comunidades tradicionais e indígenas que são “descobertos” e patenteados por corporações ocidentais sob o argumento de serem um patrimônio comum. Ou seja, a gestão dos minerais críticos por um trust global poderia, no limite, comprometer a capacidade de os países em desenvolvimento usarem seus recursos naturais como alavanca para o seu próprio desenvolvimento socioeconômico.
Esse receio torna-se ainda mais significativo tendo em vista o fato de que a plataforma contemplaria a criação de um fundo para o financiamento dos projetos. Que tipo de financiamento alimentariam os fundos? Quem definiria os termos, as condições e as prioridades de acesso?
Como indicado nos exemplos acima, a experiência histórica com mecanismos similares sugere que, sem salvaguardas explícitas, tais fundos frequentemente vêm acompanhados de condicionalidades que limitam a autonomia dos países receptores.
O fato é que, em um sistema onde consumidores são predominantemente países ricos com economias diversificadas, e produtores são frequentemente nações em desenvolvimento dependentes de exportações minerais, a paridade formal pode mascarar subordinação real.
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A coordenação do processo por organizações multilaterais existentes dificilmente reduziria os riscos, uma vez que tais organizações espelham, na maioria dos casos, as assimetrias de poder global. Aumentaria, portanto, a probabilidade de que o mecanismo seja controlado precisamente pelos países mais ricos e já desenvolvidos.
A questão não é se precisamos de melhor governança de minerais críticos – claramente precisamos –, mas sim de que tipo de governança e, crucialmente, governança para quem. Ou seja, é necessário muito cuidado e negociação para garantir que um mecanismo do tipo não só possa ser desenvolvido, mas principalmente não seja capitaneado por aqueles dos quais tal mecanismo pretende proteger.
O caminho nessa direção não está em declarar recursos nacionais como patrimônio global, mas em garantir que os povos que hospedam esses recursos tenham gerência real sobre seu desenvolvimento e uso. Isso requer não apenas “participação” em governança global, mas um controle efetivo sobre seus destinos de desenvolvimento.