Visão estratégica na gestão eficiente da ata de registro de preços

JOTA.Info 2025-08-16

Atualmente, discute-se amplamente no âmbito das contratações públicas sobre a possibilidade de restabelecimento dos quantitativos registrados na renovação de vigência da ata de registro de preços, considerando que não há disposição expressa, seja na lei de licitações ou em seu regulamento, que autorize explicitamente esse restabelecimento.

O artigo 84 da Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, estabelece que “o prazo de vigência da ata de registro de preços será de 1 (um) ano e poderá ser prorrogado, por igual período, desde que comprovado o preço vantajoso.” O Decreto 11.462, de 31 de março de 2023, em seu artigo 22, tem a mesma previsão.

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Para além disso, há uma vedação a acréscimos nos quantitativos estabelecidos na ata de registro de preços, conforme o artigo 23 do Decreto 11.462/2023, o que, em um primeiro momento, poderia levar à conclusão de que a proibição do aumento dos quantitativos na ata também impediria seu restabelecimento na renovação.

Ora, se a lei de licitações permite apenas a renovação do prazo de vigência e seu regulamento proíbe acréscimos na ata de registro de preços, poderiam os quantitativos ser restabelecidos quando a decisão da Administração Pública for pela extensão do prazo de vigência da ata de registro de preços? Há vantagem no restabelecimento desses quantitativos?

Certamente, quando o regulamento federal proibiu o acréscimo nos quantitativos na ata de registro de preços, o objetivo era impedir a alteração unilateral desses quantitativos originariamente previstos, como nos casos dos artigos 124 e 125 da Lei nº 14.133/2021, que se aplicam aos contratos e não às atas de registros de preços, as quais não são contratos. Portanto, o permitido são as alterações unilaterais de itens contratados, e não nas atas, que ainda não possuem itens contratados.

Para o Tribunal de Contas da União (TCU), de acordo com o Acórdão 991/2009-Plenário, sob a égide do microssistema jurídico anterior (da Lei 8.666/1993), era proibido o restabelecimento dos quantitativos registrados na ata de registro de preços.

Isso porque, no que se refere aos argumentos mais relevantes, se entendia que permitir a vigência de uma ata de registro de preços por até dois anos era ilegal, pois contrariava o disposto no art. 15, § 3º, inciso III, da Lei 8.666/93, que estabelecia que a validade do registro de preços não deveria ser superior a um ano, além da necessidade de disposição expressa no edital.

Curiosamente, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em resposta à consulta feita no processo 1128010/2023-Tribunal Pleno, julgando com fundamento no microssistema jurídico da Lei 14.133/2021, utilizou como fundamento o acórdão mencionado do TCU para negar o restabelecimento.

Na verdade, a questão se assemelha muito mais ao que sempre foi adotado no caso dos contratos de serviços contínuos, que passam pela chamada renovação de seu prazo.

Com efeito, na renovação e na prorrogação do contrato administrativo, o resultado direto é o elastecimento do prazo de vigência originalmente acordado. Claro, os limites legalmente estabelecidos devem ser respeitados, mas esses são considerados institutos distintos.

Dessa maneira, nas situações de renovação contratual, há necessidade de concordância de ambas as partes, que se concretiza por meio do termo aditivo.

Assim, nos contratos de serviços contínuos, quando ocorre a renovação do contrato, repete-se o pacto anterior, considerando que a necessidade do órgão permanece, que após a realização de estudos que demonstrem a vantagem da renovação, concluiu-se que aditar esse contrato por mais um período é proveitoso para a Administração Pública contratante.

Além de tudo o que foi exposto até este momento, dois pontos merecem reflexão em relação ao microssistema jurídico anterior de contratação pública.

O artigo 12 do revogado Decreto 7.892, de 23 de janeiro de 2013, que regulamentava o art. 15 da Lei 8.666, disciplinava da seguinte forma a vigência das atas de registro de preços, bem como os acréscimos nessas mesmas atas:

Art. 12. O prazo de validade da ata de registro de preços não será superior a doze meses, incluídas eventuais prorrogações, conforme o inciso III do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666, de1993.

  • É vedado efetuar acréscimos nos quantitativos fixados pela ata de registro de preços, inclusive o acréscimo de que trata o § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993. (Grifo próprio)

Observa-se no texto mencionado que, no regime anterior, não havia necessidade de renovar os quantitativos, já que o planejamento do órgão considerava apenas o período de 12 meses. Ademais, o § 1º do artigo 12, ao tratar do acréscimo, fez uma importante complementação, a saber: é vedado efetuar acréscimos nos quantitativos fixados pela ata de registro de preços, inclusive o acréscimo de que trata o § 1º do art. 65 da Lei 8.666, deixando evidente que estava se referindo a qualquer tipo de acréscimo.

Como visto até aqui, no microssistema jurídico da Lei 14.133, a ata de registro de preços tem vigência de 12 meses, prorrogável por igual período, podendo, portanto, alcançar até 24 meses de vigência. No que se refere aos acréscimos, o artigo 23 do Decreto 11.462/2023 não menciona os artigos 124 e 125 da Lei 14.133, que corresponderiam ao artigo 65 da Lei 8.666, como foi mencionado no § 1º do artigo 12 do Decreto 7.892/2013.

Em reforço a esse argumento, a Lei 14.133, preocupada com o planejamento das contratações públicas, considerado inclusive como princípio em seu artigo 5º, determinou a realização anual desse planejamento, em conformidade com o exercício financeiro. Por isso, dispôs em seu artigo 40 que:

Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual de observar o seguinte:[…]

II – processamento por meio de sistema de registro de preços, quando pertinente;

III – determinação de unidades e quantidades a serem adquiridas em função de consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas, admitido o fornecimento contínuo; (Grifo próprio)

É importante considerar isso não apenas em decorrência do fracionamento das despesas, mas também pelo planejamento realizado pelo órgão. Se o prazo de validade estiver próximo a expirar e a quase totalidade dos quantitativos tiver sido utilizada, não haverá sentido em prorrogá-la, mesmo que essa extensão se demonstrasse economicamente vantajosa.

Isso ocorre porque, sem a possibilidade de renovar os quantitativos, o órgão teria que utilizar apenas o saldo restante, que pode não ser suficiente para o consumo anual. Isso poderia levá-lo a realizar uma nova contratação, com o risco de incorrer em fracionamento da despesa e obter preços menos vantajosos.

Certamente, possibilitar a renovação dos quantitativos da ata de registro de preços quando da sua prorrogação pode ampliar a competitividade, pois a possibilidade de maiores volumes de vendas torna a participação mais lucrativa e interessante para empresas de diferentes portes. Quando a demanda é maior, os fornecedores podem se beneficiar de economias de escala, reduzindo seus custos unitários de produção ou aquisição, o que permite oferecer preços mais competitivos na licitação.

É o que defende o enunciado 42 do Conselho da Justiça Federal[1]:

Enunciado 42: No caso de prorrogação do prazo de vigência da ata de registro de preços, atendidas as condições previstas no art. 84 da Lei n. 14.133/2021, as quantidades registradas poderão ser renovadas, devendo o tema ser tratado na fase de planejamento da contratação e previsto no ato convocatório.

Sobre a necessidade de tratamento expresso na fase de planejamento da contratação quanto ao restabelecimento dos quantitativos, a intenção do legislador ao instituir o princípio do planejamento foi, possivelmente, garantir que as contratações públicas sejam precedidas de um planejamento prévio, detalhado e adequado, alinhado com os objetivos e necessidades da administração

Da mesma forma, a previsão expressa no edital fornece uma antevisão mais segura de compras futuras, permitindo que os fornecedores planejem melhor sua produção e logística, reduzindo incertezas e custos associados. Consequentemente, isso conduz a melhores condições tanto para a Administração Pública quanto para os participantes.

Além do mais, o edital de licitação é considerado uma norma que rege a concorrência pública, vinculando tanto a Administração Pública quanto os licitantes às condições e regras nele dispostas. Mais do que isso, o edital serve de fundamento para as propostas a serem apresentadas pelos licitantes, definindo os parâmetros técnicos, jurídicos e financeiros que devem ser observados na elaboração dessas propostas.

Conclui-se, portanto, que o restabelecimento dos quantitativos da ata de registro de preços, quando da sua renovação, é possível a partir de uma interpretação sistemática do texto legal. É uma prática que beneficia tanto a Administração Pública quanto os fornecedores, ao proporcionar um planejamento mais eficaz e uma maior previsibilidade para todas as partes envolvidas.

A previsão expressa no edital sobre a possibilidade de renovação dos quantitativos possibilita aos fornecedores uma melhor organização de sua produção e logística, reduzindo incertezas e custos.

Além disso, a garantia de um planejamento detalhado e alinhado com os objetivos da Administração Pública contribui para a eficiência das contratações públicas, evitando o fracionamento das despesas e assegurando preços mais vantajosos por meio da ampliação da competitividade no processo licitatório. Essa maneira de agir está em consonância com os princípios estabelecidos pela Lei 14.133/2021 e coaduna-se com a necessidade de um planejamento rigoroso e transparente nas contratações públicas.


[1] Acesso em 20.01.2025. Disponível: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/outras_publicacoes