CIJ: Estados podem responder por danos climáticos

JOTA.Info 2025-08-16

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu, no último dia 23 de julho, uma aguardada opinião consultiva que estabelece um marco no direito internacional. A decisão esclarece que todos Estados possuem obrigações jurídicas relativas às mudanças climáticas, que, segundo a corte, derivam não apenas de tratados ambientais e de direitos humanos, mas também de costume internacional, que vinculam todas as nações, independentemente de sua adesão a acordos específicos.

O requerimento para a opinião consultiva, proposto originalmente por Vanuatu e aprovado por unanimidade na Assembleia Geral das Nações Unidas, instou a Corte a responder a duas perguntas centrais: (a) quais são as obrigações dos Estados em relação às mudanças climáticas; e (b) quais as consequências jurídicas do descumprimento desses deveres. O procedimento mobilizou a comunidade internacional, com a CIJ recebendo 91 manifestações escritas de Estados, organizações e atores não estatais. Um número considerável desses também participou das audiências públicas, reforçando a relevância do tema.

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Para responder ao primeiro questionamento, a corte analisa as obrigações dos Estados sob os principais tratados climáticos: a Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC, 1992), o Protocolo de Quioto (1997), o qual a corte entendeu seguir válido e vinculante, e o mais recente Acordo de Paris (2015).

A CIJ entendeu que esses três instrumentos são complementares e se reforçam mutuamente, com os acordos subsequentes detalhando as obrigações mais gerais da Convenção-Quadro. A interpretação das obrigações deve ser guiada por princípios das responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respectivas capacidades (CBDR-RC), a precaução, o desenvolvimento sustentável e a equidade intergeracional. Em particular, a corte debruçou-se sobre o CBDR-RC, amplamente mobilizado pelo Brasil durante o procedimento consultivo e considerado um princípio orientador para a implementação de tratados.

Em seguida, a corte delineia as obrigações dos Estados relativas às mudanças climáticas sob o costume internacional. A primeira é o dever de prevenir danos ambientais transfronteiriços, que se aplica ao regime climático quando há risco de dano significativo.

A segunda é o dever de cooperar em boa-fé. A Corte entende que, embora as regras convencionais e costumeiras tenham existências separadas, elas se informam e se influenciam mutuamente. O cumprimento de boa-fé dos tratados climáticos sugere, em grande medida, o cumprimento das obrigações derivadas do costume.

A corte esclarece que sua tarefa não é atribuir responsabilidade individual a um Estado, o que só pode ser feito caso a caso, mas, sim, fornecer a estrutura jurídica geral para determinar se um Estado violou suas obrigações. A corte conclui que não há, no quadro dos tratados sobre mudanças climáticas, uma intenção clara de excluir as regras gerais de responsabilidade de Estado.

Portanto, a responsabilidade por violações das obrigações relativas ao clima é regida pelas normas costumeiras de responsabilidade de Estado, que vinculam todos os Estados. A corte destacou a necessidade de abordar questões de atribuição, causalidade e temporalidade, que representam desafios particulares nesse contexto.

O tribunal considerou que, em relação a bens públicos globais como a atmosfera e o alto-mar, os Estados têm um interesse compartilhado na sua proteção. Assim, a CIJ determinou que as obrigações de proteger o sistema climático são de natureza erga omnes sob o costume internacional. Isso significa que tais obrigações são devidas à comunidade internacional como um todo.

A CIJ concluiu que, em razão da natureza dessas obrigações, qualquer Estado, mesmo que não tenha sido diretamente lesado, tem um interesse jurídico em sua proteção. Isso permite que qualquer Estado invoque a responsabilidade de outro por uma violação. Embora um Estado não lesado não possa reivindicar reparação para si mesmo, ele pode exigir a cessação do ato ilícito e garantias de não repetição, bem como exigir reparação em nome do Estado lesado ou dos beneficiários da obrigação violada.

Apesar de versar sobre a obrigação dos países em relação às mudanças climáticas, a decisão alcança também entes privados. A corte, nesse sentido, entendeu ser uma obrigação de devida diligência dos Estados o controle e fiscalização de todas as atividades que possam acarretar danos climáticos severos, citando nominalmente o manejo de combustíveis fósseis.

Assim, Estados podem ser responsabilizados por ações e omissões de empresas atuantes dentro da sua jurisdição ou sob seu controle. A falha dos Estados em regular a atividade das companhias, e, mais especificamente, o subsídio de atividades de produção intensiva de gases de efeito estufa, pode ser considerada um ato ou omissão ilícita.

Cortes domésticas ao redor do globo já vêm decidindo pela responsabilidade de empresas privadas em relação a metas e danos climáticos. É o caso do julgamento pela Corte Distrital da Haia, em 2021, que examinou as obrigações da Shell de reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa à luz do Acordo de Paris e das normas europeias e holandesas, concluindo que a Shell deveria reduzir suas emissões até 2030. A decisão está pendente de recurso na Suprema Corte da Holanda.

A opinião consultiva não é vinculante – ou seja, de não é um julgamento que, em si, obriga os Estados diretamente –, mas abre caminhos para futuros processos judiciais, perante o órgão e perante outros tribunais, regionais ou domésticos. A opinião também dialoga com decisões de cortes regionais de direitos humanos e do Tribunal Internacional sobre o Direito do Mar. Além disso, encontra respaldo no movimento de litigância climática, um fenômeno recente, mas com crescimento exponencial na última década.

De todo modo, como destacado pela CIJ, as questões respondidas pela opinião consultiva representam mais do que um problema jurídico, mas um problema essencial, de alcance global. Assim, ainda que o direito internacional tenha um papel importante na resolução deste grande problema, uma solução completa requer “sabedoria e ação humana, nas esferas individuais, sociais e políticas” para que o atual modo de vida seja alterado a fim de garantir um futuro para todos, inclusive para as próximas gerações.