Às vésperas da COP, Congresso deve votar projetos que podem mudar futuro ambiental

JOTA.Info 2025-08-18

Faltando cerca de três meses para a realização da COP30 no Brasil, principal evento climático do mundo, o país terá nas próximas semanas debates relevantes acontecendo no Congresso Nacional que podem ter um grande impacto no futuro da agenda ESG a nível nacional. Câmara dos Deputados e Senado têm a possibilidade de votar, nas próximas semanas, projetos de lei que têm potencial para consolidar uma transição ecológica no país.

A materialização de uma economia de baixo carbono, resiliente e tecnologicamente atualizada no Brasil exigirá, entre outros marcos legislativos, a rápida aprovação do PL 3311/2025, que institui o Programa Nacional do Metano Zero, em tramitação no Senado, e do PL 924/2022, atualmente tramitando na Câmara dos Deputados no bojo do PL 639/2015 e seus apensados, que trata da criação do Programa Nacional da Recuperação Energética de Resíduos (PNRE).

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Ambos os projetos oferecem bases regulatórias e instrumentos jurídicos essenciais para viabilizar tecnologias de mitigação de metano, ampliação da recuperação energética e modernização da gestão de resíduos sólidos urbanos, industriais e agropecuários no país. Embora tratem de temas correlatos, cada qual possui estrutura normativa própria e objetivos específicos, sendo o PL que institui o Metano Zero o mais avançado em termos de estrutura de governança climática e alinhamento aos compromissos internacionais do Brasil.

O Programa Nacional do Metano Zero apresenta uma proposta abrangente e robusta, estruturada com clareza legislativa e foco em resultados mensuráveis. De autoria do senador Fernando Dueire (MDB-PE), o projeto visa integrar a gestão de resíduos com a produção de energia limpa, por meio da biodigestão anaeróbia, do coprocessamento de combustíveis derivados de resíduos (CDR) e da recuperação energética de resíduos sólidos não recicláveis.

Um dos pilares centrais do projeto é a criação do Certificado de Origem Metano Zero, que confere rastreabilidade, verificação técnica e potencial de monetização via mercados de carbono à redução de emissões de metano resultante dessas atividades. O projeto exige a elaboração de planos de gerenciamento ambiental para usinas de recuperação energética e prevê metas obrigatórias de contratação mínima de energia elétrica gerada a partir de resíduos como parte integrante da matriz energética nacional, com atualização periódica.

Além disso, o PL 3311 estabelece o Comitê Interministerial do Programa Nacional do Metano Zero (Cipem), com competência normativa, fiscalizatória e de articulação institucional com União, estados, municípios e sociedade civil.

Tal instância de governança permanente confere à política estabilidade, continuidade e mecanismos concretos de coordenação multissetorial, indo ao encontro do que preconiza o Pacto da Transição Ecológica lançado pelo governo federal em 2023, que já resultou na aprovação de iniciativas estruturantes como o Programa Combustível do Futuro, o marco legal da eólica offshore, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) e o Programa de Aceleração da Transição Energética (PATEN).

A ausência de uma política setorial para metano comprometeria a coerência da agenda climática brasileira diante da comunidade internacional e compromissos como o Global Methane Pledge.

Outro mérito do PL Metano Zero é o enfoque diferenciado para empreendimentos de pequeno porte, com regras simplificadas de certificação, apoio técnico-institucional e incentivos à participação de cooperativas de catadores. A proposta também abre espaço para novos fluxos de financiamento, ao reconhecer o valor econômico dos Certificados Metano Zero e direcionar parte da receita gerada à modicidade tarifária no setor elétrico e a projetos de saúde pública relacionados à gestão de resíduos. Com isso, cria-se um ecossistema normativo capaz de acelerar investimentos privados em biogás, biometano e recuperação energética, sem sacrificar a sustentabilidade fiscal ou tarifária.

Já o PL 924/2022, apensado ao PL 639/2015 e atualmente aguardando relatoria na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados (CMADS), possui um escopo semelhante, mas com enfoque mais explícito na valorização da fração não reciclável dos resíduos sólidos urbanos por meio da recuperação energética térmica, biodigestão e produção de CDR.

O projeto propõe alterações na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) para consolidar juridicamente o conceito de recuperação energética, estabelecer critérios para sua adoção e garantir isenções fiscais específicas para atividades de reciclagem e tecnologias inovadoras de conversão energética.

A redação proposta adota um modelo semelhante ao do Proinfa, programa de incentivo às fontes renováveis criado em 2002, e defende a contratação direta de energia gerada por usinas de recuperação energética (UREs) e biodigestores, com preços previamente definidos e cláusulas de longo prazo, criando as condições necessárias para a viabilidade desses empreendimentos.

O projeto também contempla o uso de certificados de origem como instrumento de certificação climática, com potencial de integração ao mercado de carbono e ao financiamento climático internacional. A estimativa de impacto aponta para investimentos superiores a R$ 181 bilhões em infraestrutura de UREs, geração de 200 mil empregos e mitigação de até 86 milhões de toneladas de CO₂e por ano, conforme dados compilados por especialistas do setor.

O PL da Recuperação Energética destaca ainda a criação de um sistema de concessões municipais com apoio da União para garantir o fornecimento contínuo de resíduos e assegurar a compra da energia gerada, uma inovação institucional relevante frente à atual fragmentação da política de saneamento.

Isso dialoga diretamente com as metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), que estipula até 2040 a necessidade de alcançar 994 MW de potência instalada em UREs e 69 MW em biodigestores, sendo a contratação anual estimada em 66,4 MW/ano. Trata-se de uma meta ambiciosa, que exigirá a mobilização de capital público e privado, modelagens inovadoras de PPPs e regulação eficiente.

Ambos os projetos compartilham uma mesma lógica de valorização do resíduo como ativo energético e climático, mas o PL do Metano Zero apresenta maior densidade normativa no que tange à estruturação de um mercado de carbono robusto e ao incentivo à governança integrada.

Ao mesmo tempo, o PNRE oferece a base legal necessária para dar segurança jurídica aos investidores e operadores, especialmente ao detalhar os mecanismos de financiamento, contratação e tributação, aspectos que historicamente têm travado o desenvolvimento dessa cadeia no Brasil.

Neste cenário, é imperativo que o Congresso atribua regime de urgência à tramitação dos dois projetos. A aprovação célere do Metano Zero e do PNRE não apenas permitirá ao Brasil atingir suas metas climáticas sob o Acordo de Paris, como abrirá novas fronteiras de investimento sustentável e industrialização verde.

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O atraso na deliberação desses projetos compromete diretamente a competitividade do país na corrida global por ativos descarbonizados, ao mesmo tempo em que perpetua a destinação inadequada de resíduos, o subaproveitamento energético e a exposição da população a riscos sanitários evitáveis.

Ao alinhar os marcos legais da biodigestão, da recuperação energética e da certificação de metano evitado com os pilares da transição ecológica, o Brasil tem a oportunidade de liderar a América Latina na consolidação de um novo modelo de desenvolvimento. Essa liderança, contudo, depende da ação legislativa coordenada, da priorização política do tema e do engajamento direto do Executivo federal em promover os ajustes regulatórios e incentivos fiscais já previstos nas proposições em tramitação. A aprovação desses projetos será, sem dúvida, um divisor de águas na política ambiental e energética brasileira.