Após Lei dos Meios de Pagamento, acesso ao sistema financeiro é desafio superado

JOTA.Info 2025-11-26

Autoridades públicas, pesquisadores e lideranças do mercado financeiro se reuniram no dia 13/11 para debater as perspectivas para promoção da cidadania financeira no Brasil no 1º Seminário Propague de Cidadania Financeira. O evento, realizado em Belo Horizonte em parceria com a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), abordou, dentre outros assuntos, as mudanças no uso do crédito pelos cidadãos com a digitalização do consumo e as conquistas para a inclusão financeira a partir da criação das instituições de pagamento pela Lei 12.865/2013.

Transparência e educação financeira na concessão de crédito digital

Em um auditório repleto de estudantes, professores e membros dos poderes Executivo e Judiciário, Diogo Cruz, chefe da divisão de estudos e monitoramento do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira (Depef) do Banco Central, apresentou evidências do sucesso e dos desafios para inclusão financeira no país, como parte do painel “Avaliação da oferta do crédito digital ao cidadão brasileiro”, primeira mesa temática do seminário. “De acordo com o nosso estudo, quase 100% da população adulta tem algum relacionamento aberto com o sistema financeiro. Então, acreditamos que o desafio com relação ao acesso ao sistema financeiro em si está vencido”, apontou Cruz, do BC, elencando a criação das instituições de pagamento e a digitalização do auxílio emergencial como grandes catalisadores da ampliação do acesso. 

No entanto, Cruz ressaltou que o acesso ao sistema financeiro é só o primeiro passo, que o foco agora deve ser garantir que esses cidadãos tenham acesso a um crédito de qualidade. Mostra-se um desafio a baixa resiliência financeira da população, definida pelo Banco Mundial como a capacidade do cidadão de conseguir fundos para emergências em até 30 dias, em valor correspondente a 5% do PIB per capita do país – no Brasil, aproximadamente R$ 2.400,00. “O Brasil é similar à média da América Latina, mas está pior quando comparado com os seus pares de renda média-alta”, afirmou.

Rodrigo Fabiano, auditor do Banco Central e membro da rede de colaboradores de educação financeira, argumentou que a inclusão, sem o devido letramento financeiro, é um problema para toda a sociedade. “Inclusão sem letramento financeiro é endividamento”, afirmou Fabiano.

Fábio Almeida Lopes, auditor do Depef, ressaltou que as medidas de educação financeira adotadas pelas instituições para cumprimento da Resolução Conjunta 8 são um importante auxílio para o letramento dos clientes. “Um bom momento para ofertar essa educação é na hora da contratação do crédito”, explicou. Ressaltou ainda que iniciativas como Open Finance podem contribuir nesse processo, ao permitir que a instituição envie alertas para que o cliente transfira recursos de outras contas, de modo a evitar a entrada no cheque especial.

Ponto recorrente nas falas dos painelistas foi o reforço da importância de uma atuação conjunta do regulador e das instituições para garantir a tomada responsável de crédito, principalmente com o surgimento de modalidades de fácil contratação, como os crediários ofertados para pagamentos via Pix ou em e-commerces. Gabriel Cohen, presidente do Conselho Científico do Instituto Propague e professor do Insper, reforçou a importância da regulação do Banco Central para assegurar a transparência e a adequação das informações prestadas aos usuários, tomando como exemplo a disciplina da divulgação do Custo Efetivo Total (CET) e de transparência nas faturas de cartão.

Papel das instituições de pagamento na promoção da inclusão financeira

Em um segundo momento, autoridades e acadêmicos analisaram o impacto das instituições de pagamento na promoção da inclusão financeira depois da sua regulamentação pela Lei 12.865/2013. A Lei dos Meios de Pagamento, como é conhecida, foi um marco regulatório fundamental para a inclusão financeira ao prever a sua promoção como um princípio orientador da inserção de arranjos e instituições de pagamento no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

“Em 2001, 45% da população brasileira não tinha acesso ao sistema financeiro”, lembrou a professora Rubia Neves, da Faculdade de Direito da UFMG, ao afirmar que foram as contas de pagamento que permitiram o acesso de quase a totalidade da população a serviços financeiros.

Foi ressaltada também a correlação direta entre o início das autorizações de funcionamento de instituições de pagamento pelo Banco Central, em 2017, e a queda do índice de concentração de mercado. Segundo o procurador do Banco Central Marcus Rosa, isso ocorreu porque “a lei desagregou os serviços de pagamento dos serviços bancários”.

O debate ganhou um olhar mais profundo na fala do professor Bruno Miragem, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que alertou para desafios estruturais que devem ser enfrentados para promoção da inclusão financeira: “29% da população brasileira é formada de analfabetos e analfabetos funcionais. Esse é um cuidado importante para nós potencializarmos os efeitos da inclusão. Mas não há nenhuma dúvida quanto ao impacto da Lei 12.865/2013 na inclusão financeira. A popularização das contas de pagamento foi só uma pequena parte disso”.

Seminário Propague de Cidadania Financeira

Com a sua 1ª edição sendo realizada em Belo Horizonte, o Seminário Propague é um evento itinerante que busca construir pontes entre a academia, reguladores e os cidadãos interessados na promoção da cidadania financeira. “Por que não expandir, propagar as ideias que debatemos hoje no instituto? Não basta produzir ciência, se não formos capazes de transmiti-la à sociedade”, pontuou Cohen.