STF mantém emenda constitucional que proíbe trabalho a menores de 16 anos
JOTA.Info 2020-10-09
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de sete votos para declarar constitucional a regra da Constituição que proíbe que menores de 16 anos acessem o mercado de trabalho, salvo na condição de menores aprendizes, a partir dos 14 anos.
A maioria dos ministros votou para negar o pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), que defendia que “a realidade social brasileira exige o trabalho de menores”, pois o trabalho de menores de 16 anos seria imprescindível à sobrevivência e ao sustento do trabalhador infantil e de sua família, motivo pelo qual “é melhor manter o emprego do que ver passando fome o próprio menor e, não raras vezes, a sua família”. A entidade buscava o retorno à regra anterior, que permitia que adolescentes com 14 anos já trabalhassem.
O tema é julgado na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 2.096 por meio de sessão do plenário virtual que termina nesta sexta-feira (9/10), às 23h59. A ação foi ajuizada em 1999.
O ministro relator, Celso de Mello, votou pela constitucionalidade da Emenda Constitucional 20/1998, que incluiu a vedação ao trabalho de menores de 16 anos, e já foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Até o momento, ninguém divergiu. Leia a íntegra do voto do relator.
Para o decano, a entidade sugere “a restauração da teoria menorista fundada na doutrina da situação irregular”, ao sustentar que “o trabalho infantil possuiria a virtude de afastar a criança humilde e o adolescente pobre da marginalização e da delinquência, o que justificaria, nessa linha de pensamento, sacrificar o melhor interesse da criança em ordem a preservar a paz e a segurança pública”.
“É fácil constatar que essa equivocada visão de mundo, além de fazer recair sobre a criança e o adolescente indevida e preconceituosa desconfiança motivada por razões de índole financeira , configura manifesta subversão do papel constitucionalmente atribuído à família , à sociedade e ao Estado, a quem incumbe, com absoluta prioridade, em relação à criança e ao adolescente, o dever de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, diz Celso de Mello.
Para o ministro, “essa mesma inversão de responsabilidades é defendida pela autora quando propõe que a criança e o adolescente, por meio do trabalho remunerado , assuma o ônus de sustentar a própria família , de financiar seus estudos e de manter-se afastado da violência das ruas, pois também assiste à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar-lhes, em atenção e respeito à sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, as condições materiais, afetivas, sociais e psicológicas necessárias ao acesso e à proteção ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
O decano destaca que as sequelas físicas, emocionais e sociais infligidas à criança e ao adolescente em decorrência da exploração do trabalho infantil “justificam a proteção especial e prioritária destinada a esse grupo vulnerável, cabendo enfatizar que a exploração abusiva do trabalho infantojuvenil, quando atinge a população economicamente desvalida, revela toda a perversidade de suas consequências, afastando a criança e o adolescente da escola, cujo ensino traz consigo todo o encantamento do saber e o horizonte da esperança, impondo-lhes a privação da infância , em ordem a dedicarem-se , entre as piores formas de trabalho infantil , às condições insalubres da mineração, ao esgotamento físico dos serviços rurais e do trabalho doméstico, aos riscos da construção civil, aos acidentes nos abatedouros de animais, sujeitando as pequenas vítimas desse sistema impiedoso de aproveitamento da mão-de-obra infantil à necessidade de renunciar à primazia de seus direitos em favor das prioridades da classe patronal”.
O ministro também fundamenta a plena validade da regra constitucional no conceito de vedação ao retrocesso social, princípio que está previsto na Constituição desde sua criação. Para o decano, voltar à regra anterior, em que menores de 16 anos poderiam trabalhar, significaria um retrocesso.
“O retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo , em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto na hipótese – de todo inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais”, afirmou.