Em ação contra benefício a agrotóxicos, PSOL diz que renúncia é de R$ 10bi ao ano
JOTA.Info 2020-11-04
A isenção fiscal concedida aos agrotóxicos representam uma renúncia de R$ 10 bilhões ao ano pelo Estado. O número é apontado pelo PSOL, autor da ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e que pede a derrubada dos benefícios ao setor. O valor, afirma o partido, é mais que o dobro do que o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou em 2017 para tratar pacientes com câncer. O partido argumenta que os impactos negativos são muitos, incluindo econômico, à saúde humana, ao meio ambiente.
Em 2016, o partido ajuizou a ação, que questiona o Decreto 7.660/2011 e a primeira e terceira cláusulas do Convênio 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5.553 havia começado a ser julgada na última sexta-feira (30/10) por meio de sessão virtual. Apenas o relator, Edson Fachin, votou antes do pedido de vista de Gilmar Mendes.
O Decreto 7.660/2011 instituiu a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), que determina a isenção do IPI para estes produtos. Já o convênio do Confaz prevê desconto de 60% no ICMS, imposto recolhido pelos estados, para produtos como inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas e reguladores de crescimento para uso na agricultura.
Em entrevista ao JOTA, João Alfredo Telles Melo, um dos advogados do PSOL na ação e professor de Direito Ambiental, argumenta que a isenção fiscal dos dispositivos atacados beneficiam primordialmente os grandes produtores de commodities do país, e não os responsáveis por prover a alimentação dos brasileiros. João Alfredo cita o exemplo do arroz, hoje em falta para o consumo interno porque alcançou preços mais vantajosos no mercado externo. “Se o interesse é baratear o custo da cesta básica que se concedam benefícios fiscais diretamente aos produtos que a compõem.”
Ele explica, ainda, que faz a comparação dos valores renunciados com o montante despendido pelo SUS em tratamentos de câncer porque as neoplasias são externalidades produzidas pelos agrotóxicos.
Até o momento, apenas o relator votou, pela procedência do pedido e declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados. Pela proposta de Fachin, a mudança de tratamento fiscal ao agronegócio valeria a partir da decisão final do Supremo. Ele entendeu que há incompatibilidade entre a desoneração tributária e o dever constitucional atribuído ao poder público de proteção preventiva ao meio ambiente.
O ministro disse que há de se promover a desoneração tributária ao que menos nocivo for ao meio ambiente. Ele também defendeu que o incentivo ao uso de agrotóxicos pode ser contrários ao princípio da responsabilidade intergeracional.
O JOTA fez as mesmas perguntas a dois advogados que atuam na causa, mas em campos opostos, sobre o impacto econômico do julgamento, o prático para o consumidor final e também sobre a atuação do STF no caso. Leia também a entrevista com o chefe da assessoria jurídica da CNA, Rudy Maia Ferraz.
Confira as respostas dadas por João Alfredo Telles Melo, pelo PSOL.
Qual é o impacto econômico do benefício fiscal concedido aos agrotóxicos hoje no país?
Os impactos econômicos e sociais negativos do benefício fiscal concedido aos agrotóxicos, que induz, portanto, sua utilização, são muitos e incomensuráveis, embora alguns deles já vêm sendo estimados. Estudo realizado pelos pesquisadores Wagner Lopes Soares, Lucas Neves Cunha e Marcelo Firpo de Souza Porto, intitulado “Uma política de Incentivo fiscal a agrotóxicos no Brasil é Injustificável e insustentável“ concluiu que a União e os estados deixam de arrecadar quase R$ 10 bilhões ao ano pelo pacote de benefícios fiscais (tributos federais e estaduais) concedidos às empresas que produzem e comercializam agrotóxicos no Brasil. Isso é mais que o dobro do que o SUS gastou em 2017 para tratar pacientes com câncer. O câncer é uma das chamadas externalidades produzidas pelos agrotóxicos. Os estudos realizados por instituições respeitáveis, como o INCA (Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva) constatou (e está no voto do ministro Fachin) que já há evidência científica, na literatura nacional e internacional, sobre as consequências severas dos uso de agrotóxicos sobre a saúde humana e o meio ambiente. Enquanto os estudos da Fiocruz constataram que já foram mais de 25 mil notificações de intoxicação entre 2007 e 2014 (com 1.186 óbitos) o mercado de agrotóxicos faturou quase R$ 40 bilhões só no ano de 2017.
De que forma a decisão do Supremo pode afetar a produção de alimentos e na cesta básica ao consumidor final?
Desse ponto de vista, o voto do ministro Fachin foi certeiro! Ali, ele apresenta os dados de que o consumo de agrotóxicos no Brasil é concentrado em quatro commodities , cujo preço é determinado pelo mercado mundial. Em 2014, a soja representava 49% do uso dos produtos no Brasil; a cana, 10,1%; o milho, 9,5%; e o algodão, 9,1%, o que soma 77,7% . Portanto, não estamos falando de cesta básica, e sim de produtos para exportação, cujos preços são ditados por outras variáveis. Veja-se o exemplo atual do arroz, que hoje está em falta para o consumo interno porque alcançou preços mais vantajosos no mercado externo. Se o interesse é baratear o custo da cesta básica que se concedam benefícios fiscais diretamente aos produtos que a compõem, não a um de seus insumos (que, inclusive, é rejeitado pela produção de alimentos orgânicos). Em nosso entendimento, ao invés de se incentivar um produto nocivo à saúde humana e ao meio ambiente, no que poderia se chamar de uma verdadeira “extrafiscalidade às avessas”, os benefícios fiscais deveriam se dirigir à agricultura orgânica, com bases agroecológicas.
Cabe ao Judiciário definir se agrotóxicos devem ou não estar listados dentre os produtos essenciais? Como a legislação em relação ao setor trata o tema?
Sim. Cabe ao Supremo, como guardião de nossa Constituição Federal, aplicar as regras e os princípios que se encontram em nossa lei maior. Desde nossa petição inicial, passando pelo parecer da então procuradora-Geral da República Raquel Dodge até chegar ao voto do ministro Fachin, há um reconhecimento de que a concessão de benefícios tributários à produção e comercialização de agrotóxicos fere princípios básicos do Direito Tributário (já que os venenos agrícolas não podem ser considerados essenciais para receber esses incentivos), do Direito à Saúde (por todos os agravos causados na manipulação – e aqui se fala da saúde e dignidade do trabalhador — e no consumo de produtos com agrotóxicos), do Direito à Alimentação, do Direito do Consumidor e, especialmente, do Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, consagrado em nossa Constituição, em seu art. 225 (vários princípios jusambientalistas são malferidos por essa política, e isso, de forma acertada, está no voto do ministro Fachin, como os princípios da precaução e da prevenção, como exemplo). O que esperamos – os que lutamos pelos Direitos à Saúde, ao Meio Ambiente são, à Alimentação e do Consumidor – é que o plenário siga o excelente voto do ministro relator.