Autorregulação do setor de telecomunicações

JOTA.Info 2021-02-28

O Sistema de Autorregulação do Setor de Telecomunicações (SART) completa 1 ano do seu lançamento em março de 2021. O SART é um “conjunto de princípios, regras, estruturas organizacionais, instrumentos, mecanismos de deliberação e procedimentos de autodisciplina que visam permitir uma regulação efetiva e eficiente do setor de telecomunicações[1]”.

Integram a iniciativa as maiores empresas brasileiras do setor e o objetivo está no fomento à transparência, à inovação e na solução de problemas, a partir do desenvolvimento de práticas mais atualizadas e compatíveis com os desafios da rápida evolução tecnológica e das demandas e necessidades dos usuários dos serviços, tudo em conformidade com as exigências do regulador.

O SART não é um acontecimento isolado, mas um marco de um processo de maturidade do setor de Telecomunicações que, neste tema, começou a caminhar de forma efetivamente operacional em julho de 2019 com a criação do “Não me Perturbe”[2]. O lançamento oficial do SART ocorreu em 11/03/2020, seguido da instalação do Conselho de Signatários (hoje formado por Vivo, Claro, Oi, Tim, Sky, Sercomtel e Algar), eleição do corpo diretivo e posse de 5 conselheiros independentes.

Apesar da sua pouca idade, o SART já produziu 4 normativos de profunda relevância: 01 – Normativo de Código de Conduta de Telemarketing; 02 – Normativo de Regras para Atendimento; 03 – Normativo de Regra de Ofertas e 04 – Normativo de Regra de Cobrança[3].

Este movimento do setor de telecomunicações está alinhado com as atuais políticas públicas nacionais e internacionais de diversos setores da economia, trazendo benefícios da autorregulação não apenas para o setor, mas sobretudo para os consumidores, que passam a ter maior facilidade de comparação do comportamento de empresas do mesmo segmento, de seus produtos e serviços, além de fornecer direitos que podem ir além da legislação estabelecida, inclusive com imposição de limites para as empresas em questões sensíveis como oferta, cobrança, atendimento e telemarketing. Além disso, ao se evitar uma maior intervenção governamental, se tem a capacidade de maior controle e flexibilidade para atender as demandas dos consumidores.

Para que tenhamos uma referência deste importante movimento, vale lembrar que em  2010 o Comitê de Política do Consumidor da OCDE publicou um Kit de Ferramentas de Política do Consumidor, que forneceu uma estrutura para o desenvolvimento e implementação de políticas de consumo eficazes[4]. Este relatório aponta que a autorregulação da indústria (Industry Self Regulationo – ISR) pode desempenhar um papel importante na abordagem dos problemas do consumidor, especialmente quando código de boas práticas e padrões de negócios estão envolvidos.

Este relatório examina as funções que o ISR pode desempenhar em diversas áreas, examinando as condições e situações onde são provavelmente benéficos e as etapas que precisam ser tomadas para ajudar a garantir o sucesso de tais iniciativas, havendo vários cases de sucesso no setor de Telecomunicações.

Alinhado com ideia, foi que em dezembro de 2015, por meio da resolução 70/186 que a Assembleia Geral da Nações Unidas (ONU) aprovou uma atualização das diretrizes 39/248 de 16 de abril de 1985 orientadas à defesa dos consumidores. Na lista, foi incluída, por exemplo, a preocupação com a proteção de dados e que hoje é um tema recorrente em todo mundo, além de questões relativas a i) igualdade de tratamento entre os consumidores on-line e off-line, ii) mais orientações sobre os serviços financeiros e serviços públicos e iii) as boas práticas comerciais e de cooperação internacional.

As boas práticas, que neste caso são apresentadas por meio da Autorregulação do Setor de Telecomunicações, são um conjunto de recomendações às empresas que têm o objetivo de melhorar suas condutas corporativas com foco no relacionamento com o consumidor. Essa ideia é um instrumento poderoso para melhoria e eficiência para prestação de serviços e proteção aos consumidores.

E para coroar este entendimento, a ANATEL determinou a abertura de processo para acompanhamento da implementação dos normativos do SART e da evolução dos resultados de iniciavas de autorregulação em curso, especialmente quanto ao levantamento de evidências sobre a efetividade e a agilidade desta forma de atuação e composição setorial para o aumento do nível de satisfação dos consumidores quanto à fruição dos serviços de telecomunicações[5].

Tal acompanhamento tem a finalidade de fornecer subsídios à revisão do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações,  RGC, como insumo de reportes periódicos a serem feitos ao Conselho Diretor da Anatel antes da aprovação final do texto da Minuta de Resolução ora em Consulta Pública nº 77/2020 (6269974), podendo inclusive motivar alterações e ajustes em seus dispositivos.

Este movimento, ao mesmo tempo que reconhece a importância da Autorregulação do Setor, coloca-a a prova, para que sejam possíveis analisar os indicadores.

Uma regulação estatal mais principiológica, alinhada a um modelo de autorregulação ou corregulação (onde normas elaboradas pelas entidades setoriais com o conhecimento ou em conjunto com o regulador) é capaz de gerar eficiência para um ambiente extremamente regulado, auxiliando a resolução de problemas com as iniciativas da própria autorregulação, além criar somente regras necessárias e proporcionais aos custos envolvidos na implantação e riscos gerados aos consumidores, permitindo que as regras permitam e incentivem modelos de negócio inovadores que contribuam para o aumento da competitividade e eficiência do mercado, melhorando a relação com os consumidores e reduzir os níveis de atritos e reclamações.

É importante destacar que as iniciativas de autorregulação não se prestam para conceder ao agente de mercado a prerrogativa de não cumprir as normas aplicáveis, e é por isso que o SART tem por premissa o não retrocesso em relação aos direitos dos usuários. O que se pretende é, a partir da implementação de uma gestão regulatória de resultados e baseada em fatos e dados, menos descritiva e prescritiva e orientada para a satisfação do cliente, que os regulados tenham mais liberdade para buscar soluções inovadoras e eficientes que sejam capazes de alcançar os resultados definidos pelo regulador.

Neste aspecto, o SART reforça a busca por uma regulação mais responsiva, mantendo a prerrogativa da ANATEL quanto ao endereçamento normativo principiológico e necessário para tratamento de questões específicas para a proteção e defesa dos consumidores mais vulneráveis e mercado, mas permitindo que as prestadoras que tem contato direto com os consumidores e as dificuldades enfrentadas no dia a dia ofereçam atendimento e medidas mais apuradas para solucionar os conflitos, resolver os problemas dos usuários, corrigindo mais rápido condutas prejudiciais para transforma-las em boas práticas.


O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:


 

[1] Fonte: https://conexis.org.br/autorregulacao/sart/institucional/sobre-o-sart/

[2] Não Me Perturbe foi criado a partir do normativo 01 do SART (Normativo de Código de Conduta de Telemarketing)  e permite, de forma fácil e gratuita, evitar a oferta de produtos e serviços por meio de contato telefônico provenientes  das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações (Telefone móvel, telefone fixo, TV por assinatura e Internet). Em razão do sucesso do seu lançamento, as Instituições Financeiras (operações de Empréstimo Consignado e Cartão de Crédito Consignado), aderiram ao programa.

[3] Mais informações sobre o SART pode ser obtida no link https://conexis.org.br/autorregulacao/sart/institucional/sobre-o-sart/

[4] OECD (2015-03-01), “Industry Self Regulation: Role and Use in Supporting Consumer Interests”, OECD Digital Economy Papers, No. 247, OECD Publishing, Paris. http://dx.doi.org/10.1787/5js4k1fjqkwh-en

[5] PROCESSO Nº 53500.007569/2021-64