ExCelso: Os 90 anos da cassação de seis ministros do Supremo

JOTA.Info 2021-02-28

Neste domingo, o Supremo Tribunal Federal completa 130 anos, data que foi lembrada neste espaço na semana passada e que foi discretamente celebrada pelo STF na quinta-feira, em discurso do presidente Luiz Fux no início da sessão plenária. Mas há outra data a ser rememorada neste fevereiro de 2021.

Há 90 anos, o presidente Getulio Vargas assinou o decreto 19.656 para reorganizar provisoriamente o STF a fim de abreviar e acelerar os seus julgamentos. No seu artigo primeiro, o texto reduzia o número de ministros de 15 para 11. Para dar efetividade a esta mudança, Vargas assinou em seguida o decreto 19.711 e tirou seis ministros do Supremo.

Foi a primeira, mas não a única vez, em que ministros do STF foram cassados, perseguidos pelo poder executivo. O decreto foi sucinto:

Art. 1º São aposentados, com as vantagens que lhes assegura a legislação vidente, dispensado o exame de sanidade, os ministros Godofredo Cunha, Edmundo Muniz Barreto, Antonio C. Pires e Albuquerque, Pedro Affonso Mibieli, Pedro dos Santos e Geminiano da Franca.

Na justificativa, algo vago: “Considerando que imperiosas razões de ordem pública reclamam o afastamento de ministros que se incompatibilizaram com as suas funcções por motivo de moléstia, idade avançada, ou outros de natureza relevante”.

Qual ministro deveria ser apostado por moléstia? E qual em razão de idade avançada? E qual seria a outra natureza relevante? Nada havia que pudesse identificar por que cada um dos ministros foi atingido. Nenhuma justificativa mais objetiva, individualizada. As hipóteses para a aposentadoria de cada um levantam hipóteses.

Mas, sucintamente, a razão central era a mudança política do país, com o fim da primeira República. Os revoltosos de 1930 chegaram ao poder. Os partícipes e apoiadores do movimento defendiam uma reforma judiciária em prol da celeridade dos julgamentos. Outros, mais radicais, o fechamento do tribunal.

Além disso, na década que antecedeu o movimento político-militar que levou Getulio Vargas ao poder, alguns dos revoltosos foram acusados, condenados e tiveram seus habeas corpus denegados pelo Supremo – que agora tornara-se alvo.

Exemplo mais claro e notório é do ministro Pires e Albuquerque. Como ministro do STF, ele atuava como procurador-geral da República. Na época, um dos integrantes do tribunal era nomeado para exercer a função de procurador.

E como acusador dos revoltosos de 30 nos anos anteriores, foi dos primeiros a figurar na lista dos expurgos do STF. Como ele mesmo, em protesto publicado na imprensa, reconheceu que era vitimado pelo “sentimento humaníssimo da vingança”.

“Acusei-os como e quando me cumpria fazê-lo, e ainda hoje os acusaria. Como não fazê-los, se tinham transgredido a lei? Se o dever do Ministério Público outro não era senão acusa-los?”, questionava no manifesto que publicou, referindo-se aos revoltosos que ele acusou, sendo o procurador-geral.

No Supremo, o ministro Hermenegildo de Barros, fez um protesto veemente na sessão do dia 25 de fevereiro contra a aposentadoria dos colegas. Palavras que depois os ministros que assistiriam à cassação – igualmente por motivação política – de mais três integrantes da Corte.

“Não sou levado a este protesto pelo mal-entendido sentimento de coleguismo. Mas há circunstâncias – e esta é uma delas – em que se compreende, e é forçoso que se manifeste, o sentimento de classe”, disse. “Trata-se de exclusão acintosa de ministros que foram varridos do tribunal, sob a consideração de que ‘imperiosas razões de ordem pública reclamam o afastamento de ministros que se incompatibilizaram com as suas funções por motivo de moléstia, idade avançada, ou outros de natureza relevante’. É a morte do Poder Judiciário do Brasil”, ele enfatizou.

E, ao final, afirmou que nenhum ministro do Supremo, a partir daquele momento, podia se considerar institucionalmente protegido para exercer suas funções. Porque o Supremo, sem garantia de independência, viveria “exclusivamente da magnanimidade do governo provisório”.

“Pela minha parte, declaro que não tenho honra nenhuma de fazer parte deste tribunal, assim desprestigiado, vilipendiado, humilhado, e é com vexame e constrangimento que ocupo esta cadeira de espinhos, para a qual estarão voltadas as vistas dos assistentes, na dúvida de que aqui esteja um juiz capaz de cumprir com sacrifício o seu dever”.

*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna é publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao ex-ministro Celso de Mello, que atuou como a memória do tribunal durante seus anos como decano. Quem assistia às sessões se acostumou às suas referências que, não raro, iam até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.