A Lei das Estatais está ameaçada?

JOTA.Info 2021-03-03

O Brasil tem centenas de empresas estatais, muitas das quais de capital misto listadas em bolsa de valores. A história dessas empresas é marcada por escândalos de corrupção e abuso do poder do controlador. Além disso, essas empresas também apresentam um histórico de elevado nível de influência político-partidária na gestão de seus negócios, na definição dos seus planos de investimentos e na formação de seus preços.

Essa situação impede essas empresas de serem eficientes, para não dizer que podem produzir desvios de recursos que acabam sendo socializados com a população. Por não serem eficientes, recolhem menos impostos e geram menos dividendos. Ao mesmo tempo, traz a eventual necessidade de aportes de seus controladores, reduzindo ainda mais a disponibilidade de recursos do Estado. É curioso que parte bastante significativa dos cidadãos não percebem o quanto são prejudicados, a ponto de militarem contra a privatização de estatais.

Motivado pela busca de um aperfeiçoamento institucional nesse campo e uma busca pela melhora do nível de governança corporativa dessas empresas, o Governo Federal publicou a Lei 13.303, conhecida como Lei das Estatais, em 30 de junho de 2016. Essa lei procurou reforçar aspectos e valores constitucionais de eficiência, transparência, controle, moralidade e impessoalidade.  Nesse contexto, reforçando os princípios da moralidade e impessoalidade, a lei é taxativa em vedar e impedir a escolha, por indicações políticas, de membros do conselho de administração e cargos de diretoria.  Basicamente, a Lei das Estatais procurou melhorar as práticas de governança corporativa dessas empresas.

Para quem tem pouco contato com o tema, aqui vai uma definição do Instituto Brasileiro de Governança (IBGC) que define governança corporativa como:

Um sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os acionistas e os cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade”.

Mesmo sendo uma legislação recente, há estudos que demonstram ter havido uma mudança positiva em termos de percepção de risco dessas empresas, por parte do mercado.

Ou seja, a Lei das Estatais se mostrou efetiva na redução da percepção de risco de governança corporativa que sempre marcou a história das estatais.

A troca do presidente da Petrobrás trouxe novamente um receio do abuso do poder do controlador na gestão das estatais. Reflexo dessa medida foi uma queda de aproximadamente 20% nas ações da empresa após o anúncio. O impacto desse tipo de intervenção vai além do resultado observado no retorno das ações da Petrobrás.

Sempre que a percepção de risco do mercado aumenta, o retorno para compensar esse risco também tende a ser maior. Ou seja, sempre que isso acontece, o mercado tende a exigir um prêmio de risco maior para investir nessas empresas.

A medida adotada pelo presidente Jair Bolsonaro gerou um sinal de retrocesso em termos de governança corporativa das estatais. Os efeitos dessa medida tendem a repercutir de forma negativa no médio e longo prazo. Além de aumentar o custo de capital (maior risco) e destruir valor das estatais, esse tipo de medida afeta a confiança dos investidores, algo que é muito difícil de se conquistar, mas muito fácil de se perder. Por fim, a Lei das Estatais pode entrar nas estatísticas das diversas leis no Brasil que não “pegaram”. Talvez, alguém precise alertar o Executivo Federal sobre isso.


O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça: