Programa emergencial de retomada do setor de eventos (PERSE): o PL 5.638/20

JOTA.Info 2021-05-04

Aprovado pelo Congresso Nacional no último dia 07 de abril, o Projeto de Lei nº 5.638/2020 visa instituir um Programa de Auxílio às empresas integrantes do setor de eventos[1], em razão da pandemia do coronavírus, custeado com recursos do Tesouro Nacional; derivados de operação de crédito interna decorrente da emissão de títulos, além da arrecadação das loterias.

O PERSE autoriza renegociação de dívidas tributárias e não tributárias, com desconto de até 70% (setenta por cento), em até 145 meses e reduz a 0%, por 5 anos, as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep; Cofins, CSLL e IRPJ.

Além disso, prevê uma indenização de até R$ 2,5 bilhões, para as empresas que tiveram redução superior a 50% (cinquenta por cento) no faturamento entre 2019 e 2020, em razão das despesas com folha de pagamento durante o período da pandemia.

Por fim, a proposição legislativa majora o prazo de validade de certidões de tributos federais e da dívida ativa para 180 dias.

Para a relatora do projeto no Senado Federal, Daniella Ribeiro, “o mercado de eventos é formado por, no mínimo, 52 segmentos que englobam segurança, marketing, transporte, logística, hospedagem, alimentação, infraestrutura e centros de convenções, dentre outros. São mais de 60 mil empresas e 7,5 milhões empregos diretos, indiretos e terceirizados, número maior que o da indústria automobilística. O setor de eventos contribuiu com R$ 48,69 bilhões em impostos em 2019, antes da pandemia. O adiamento ou cancelamento dos maiores eventos no Brasil representou, somente nos 2 primeiros meses da pandemia, prejuízo médio de R$ 80 bilhões pro setor”.[2]

Vários senadores chamaram atenção para o drama vivido por estes setores, especialmente o de eventos – o primeiro a fechar e o último a abrir, no cenário pós-pandemia.

O senador Nelsinho Trad (PSD-MS) disse que o estudo mais recente do governo federal sobre o setor de eventos, datado de 2013, mostra sua importância para o Brasil: “Este estudo mostrou que o segmento movimentou, em toda a cadeia de serviços, R$ 209,2 bilhões, o que representou uma participação de 4,32% do PIB nacional. Só naquele ano, o Brasil sediou 590 mil eventos, 95% deles nacionais, dos quais participaram 202,2 milhões de pessoas”.[3]

Informações do processo legislativo dão conta que o texto final foi negociado com o Ministério da Economia e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Apesar disso, de forma contrária ao que havia combinado com o parlamento, após o envio da redação de autógrafos ao presidente da República, o Governo que 2 pontos do projeto poderão ser vetados pelo presidente da República, que tem até o dia 03 de maio para se pronunciar, sancionando ou vetando, de forma integral ou parcial: o uso de loterias, sob o argumento de que os recursos diretos do Tesouro Nacional seriam suficientes para fazer frente ao PERSE e à possibilidade de renúncia tributária, através da fixação de alíquota zero para tributos federais.[4]

O Governo agora sustenta que a proposição legislativa não se fez acompanhar de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, além de não indicar qual a fonte de sua compensação, como impõe o artigo 14, da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF).[5]

Paralelo a esses argumentos, como forma de realização constitucional[6], no exercício sancionatório, deve-se levar em conta a capacidade contributiva, princípio fundamental do sistema tributário.

A base principiológica da Capacidade Contributiva constrange o legislador infraconstitucional a eleger apenas manifestações de força econômica para compor a hipótese de incidência das normas tributárias, obrigando que se considere as características pessoais do contribuinte na conformação da base de cálculo e exigência de tributos.

O princípio da capacidade contributiva vem expresso na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 145. A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[…]

§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Trata-se, pois, da idoneidade econômica para suportar o tributo, sem sacrificar a existência digna do cidadão ou a continuidade de determinada atividade econômica, que devem ser consideradas quando da distribuição do ônus tributário, como forma de Justiça Tributária.

Nesse passo, como cediço, diante da pandemia causada pela Covid-19, de proporções mundiais, declarada pela OMS, o setor de eventos traduz-se na atividade econômica que suporta os maiores impactos econômicos derivados da ausência de vacinação em massa, diante da paralisação total quanto à realização de feiras, congressos, celebrações, exposições etc..

Não é exagero dizer que a organização e realização de eventos encontra-se paralisada em todas as Unidades Federativas brasileiras. Afinal, das principais capitais brasileiras, não se identificou um ato normativo sequer, editado por prefeitos, que autorizasse, ainda que parcialmente, a realização de eventos em seus respectivos territórios.

Nesta direção, a toda evidência, a capacidade contributiva das empresas de eventos foi significativamente afetada nos últimos 12 meses, fazendo com que não disponham de recursos para suportar, hodiernamente, igual carga tributária, vigente em período pretérito ao início da pandemia.

Neste cenário inimaginável, aproxima-se do conceito de realização da Justiça Tributária, corolário da isonomia, que as empresas de eventos contribuam menos com o pagamento de tributos, a fim de que a continuidade das suas atividades econômicas seja preservada, o que significará a manutenção de postos de trabalho, bem como a manutenção de uma receita empresarial mínima para sua subsistência.

Com efeito, a isenção tributária é um instrumento de exoneração do pagamento de tributos, de forma excepcional, que pode ser concedido por diversas circunstâncias, dentre elas, as de índole políticas, econômicas ou sociais, como ocorre em relação à atual crise sanitária, como forma de Justiça Tributária e efetividade das normas constitucionais.

É importante observar que, ao longo dos últimos anos, que o turismo, mormente o setor de eventos, foi um dos setores que mais colaborou com a geração de novos empregos e para o reaproveitamento da mão de obra de outros setores.

Segundo a Organização Mundial do Turismo, o turismo é responsável por um em cada nove empregos gerados no mundo”. [7]

Certamente, a manutenção desta curva ascendente passa, necessariamente, pelo fortalecimento das atividades econômicas exercidas pelos prestadores de serviços turísticos, responsáveis pelo maior índice de empregabilidade da mão de obra utilizada na maioria dos municípios brasileiros.

A possibilidade de que os tributos federais tenham suas alíquotas zeradas para os prestadores de serviços turísticos, por um prazo razoável, traduz-se em implementar o consubstanciado no art. 180, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[8], bem como compensar tais atividades econômicas pelas perdas experimentadas durante a crise sanitária, que se perpetua, saliente-se, por evidente Fato da Administração[9] [10]

Outro ponto a ser considerado neste imbróglio, consiste no fato de que a aprovação da redação final da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) somente ocorreu em 19/04/2021[11], tornado impossível demonstrar, antecipadamente, que a renúncia tributária proposta pelo projeto do PERSE, não afetaria as metas de resultados fiscais.

Sem embargo, convém asseverar que o art. 14 da LRF não se aplica a toda e qualquer legislação que acarrete perda de receita.

“O Tribunal de Contas da União conceituou ‘renúncia de receitas’, no relatório do voto do Acórdão nº 747-2010. Nessa oportunidade expôs que, para aplicação do art. 14 da LRF, renúncia de receitas seria equivalente ao conceito de gasto tributário consagrado pela Receita Federal do Brasil (RFB), em 2003 – definição uniformizada pela RFB com o entendimento adotado mundialmente, publicada no Demonstrativo dos Gastos Tributário (DGT) de 2005. Nesse segmento, gastos tributários são ‘gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais’ e que configurem uma ‘exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo da arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte‘”[12]. Grifos Nossos

Portanto, o art. 14, da LRF tem aplicação somente em relação à concessão de benefícios tributários, o que não é o caso do art. 5º, do PL 5.638-B, cuja natureza se revela emergencial e compensatória, sendo certo que, caso seja implementado, não aumentará a disponibilidade econômica das empresas de eventos, diante dos gravosos efeitos da pandemia que recaem sobre tais atividades econômicas, mas apenas as compensará, parcialmente, pelos efeitos da crise pandêmica e da sua ineficiente administração pelo Poder Público Federal.

Do quanto exposto, a perpetuação de mora legislativa, através de veto parcial da referida proposição, fará com que, a curto prazo, se gere uma insegurança jurídica sem precedentes, com encerramento de inúmeras atividades empresariais, o que resultará , a curto prazo, numa recessiva ausência de investimentos, tanto internos como externos, diante de um ambiente normativo tributário que atribui à Livre Iniciativa do Turismo, a responsabilidade pela administração de crise sanitária para, cujo agravamento, não concorreu.

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[1] De acordo com o PL 5638/2020, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente: I – realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos; II – hotelaria em geral;

III – administração de salas de exibição cinematográfica; e IV – prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.

[2] Disponível em: <https://www.panrotas.com.br/mercado/economia-e-politica/2021/03/senado-aprova-pl-5638-que-cria-programa-emergencial-para-turismo_180603.html>. Consulta em 21 de abril de 2021.

[3] Disponível em: <https://www.panrotas.com.br/mercado/economia-e-politica/2021/03/senado-aprova-pl-5638-que-cria-programa-emergencial-para-turismo_180603.html>. Consulta em 21 de abril de 2021.

[4] Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/30/senado-aprova-plano-de-recuperacao-para-os-setores-de-eventos-e-de-turismo>. Consulta em 21 de abril de 2021.

[5] Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

[6] “A força normativa da Constituição refere-se à efetividade plena das normas contidas na Carta Magna de um Estado. Tal princípio foi vislumbrado por Konrad Hesse, que afirmava que toda norma Constitucional deve ser revestida de um mínimo de eficácia, sob pena de figurar “letra morta em papel”. Hesse afirma que a Constituição não configura apenas o “ser” (os princípios basilares que determinam a formação do Estado), mas um dever ser, ou seja, a Constituição deve incorporar em seu bojo a realidade jurídica do Estado, estando conexa com a realidade social. Neste sentido, afirma Gerivaldo Alves Neiva que “(…) Esta compreensão de Hesse importa que a Constituição deverá imprimir ordem e conformação à realidade política e social, determinando e ao mesmo tempo sendo determinada, condicionadas mas independentes”. A prática da força normativa da Constituição traduz a essência da ideia neoconstitucionalista. “O princípio da força normativa da constituição e a máxima efetividade das normas”. BRUNA FERNANDES COÊLHO. Disponível em: <https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24267/o-principio-da-forca-normativa-da-constituicao-e-a-maxima-efetividade-das-normas>. Consulta em 21 de abril de 2021.

[7] Disponível em: <http://piresdestinoseventos.com.br/turismo-empregos-numeros-mundo-wttc/>. Consulta em 21 de abril de 2021.

[8] CRFB/1988. Art. 180. A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.

[9] Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-04/covid-19-15-milhao-de-brasileiros-estao-com-segunda-dose-atrasada Consulta em 21/04/2021>.

[10] Disponível em: <https://www.uol.com.br/carros/colunas/kelly-fernandes/2021/03/05/covid-e-o-transporte-publico-segunda-onda-chegou-e-estamos-no-mesmo-lugar.htm>.

[11] Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/congresso-nacional-aprova-projeto-que-destrava-orcamento-de-2021/>. Consulta em 21 de abril de 2021.

[12] Incentivos fiscais e a aplicação do art. 14 da LRF. Mauro Negruni. Disponível em: <https://mauronegruni.com.br/2019/03/07/incentivos-fiscais-e-a-aplicacao-do-art-14-da-lrf/#:~:text=14%2C%20%C2%A72%C2%BA%2C%20LRF).&text=14%20da%20LRF%20n%C3%A3o%20se,necess%C3%A1rio%20o%20cumprimento%20do%20art>. Consulta em 21 de abril 2021.