Compensação e voto de qualidade no CARF

JOTA.Info 2021-05-04

A compensação tributária segue sendo tratada como uma norma de exceção. Uma norma tributária que deva ser combatida. Uma norma que tem sua aplicação cada vez mais reduzida.

Há pouco mais de um ano o voto de qualidade nos julgamentos do CARF foi afastado (art. 19-E da Lei 10.522/02). Porém, em seguida, foi publicada a Portaria do Ministério da Economia nº 260/2020, restringindo a aplicação da lei e, a rigor, mantendo a possibilidade de utilização do voto de qualidade em diversos casos.

Nas precisas palavras de Adamy, “A Portaria 260/20, ao restringir demasiadamente a aplicação da previsão legislativa, extrapolou a função dos regulamentos no direito brasileiro. Não há dúvidas de que a função regulamentar do Poder Executivo foi violada”[1]

Atualmente, as expectativas dos contribuintes se confirmaram, com diversos julgamentos ainda se utilizando do voto de qualidade. Dentre as exceções, gostaria de destacar aqui os processos administrativos cuja origem são Declaração de Compensação (DCOMPs). Ou seja, os casos que chegaram ao CARF tendo sido iniciados por despachos decisórios, atacados por manifestações de inconformidade[2].

Entendemos que tais processos não podem ser submetidos ao voto de qualidade.

A lei acima referida foi clara em determinar que “Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade (…)”. Entretanto, a Portaria 260/20 determinou que “O resultado do julgamento será proclamado em favor do contribuinte, na forma do art. 19-E da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, quando ocorrer empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, assim compreendido aquele em que há exigência de crédito tributário por meio de auto de infração ou de notificação de lançamento.”

Ao assim dispor, a Portaria afastou os processos administrativos que tenham se originado por meio de manifestações de inconformidade. Porém, essa interpretação está equivocada por diversas razões.

Primeira: A lei 9.430/96 dispôs expressamente que a manifestação de inconformidade e o recurso dela apresentado obedecerão ao rito processual do Decreto no 70.235/1972[3]. Por sua vez, o artigo primeiro do Decreto 70.235/1972 é literal em dispor que “Este Decreto rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União”.

A identidade das palavras não é mera coincidência. A manifestação de inconformidade é manejada contra um despacho decisório que não homologa uma compensação. Esse despacho decisório determina e exige crédito tributário. E não é por outro motivo que o rito será justamente aquele concebido para reger o processo de determinação e exigência do crédito tributário.

Segunda: A compensação é uma modalidade de extinção do crédito tributário. A sua não homologação é justamente o ato administrativo que analisou o lançamento realizado. Isso ocorre no despacho decisório que é prerrogativa da Autoridade Tributária. Qual seria a natureza desse ato senão a de determinação e exigência do crédito tributário?

A Instrução Normativa 1.717/17 é clara em prever que, da não homologação da compensação, o sujeito passivo será intimado a efetuar o pagamento dos débitos indevidamente compensados. E prossegue determinado que não ocorrendo o pagamento ou o parcelamento no prazo previsto no caput, o débito será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para inscrição em Dívida Ativa da União, ressalvada a apresentação de manifestação de inconformidade prevista no art. 135[4].

Ora, considerando essas normas legais fica claro que a Declaração de Compensação gera, sim um processo de determinação e exigência do crédito tributário. Do contrário, sua não homologação não culminaria em cobrança e/ou inscrição na Dívida Ativa.

Terceira: A interpretação da Portaria ME 260/20 viola a igualdade. Ao afastar os processos de compensação, privilegia-se o contribuinte que se esconde da Fiscalização e gera um auto de infração, em relação ao contribuinte que apresentou créditos para serem compensados, cumprindo rigorosamente com suas obrigações tributárias acessórias.

Quarta: Viola a eficiência, pois premia os contribuintes que obrigaram a Autoridade Tributária a realizar uma fiscalização sobre eles, com todos os custos de pessoal e de tempo atrelados. E pune o contribuinte que veio até a Fiscalização cumprindo as suas obrigações acessórias.

Todas essas razões só demonstram, novamente, que a compensação é uma regra tributária que deveria ser mais bem tratada e respeitada pelo Sistema Tributário.

Muito embora o CTN (Código Tributário nacional) preveja que a compensação tributária necessite de lei, entendemos que tal norma está em desacordo com a Constituição. É obrigação moral do Estado facilitar a compensação tributária. É dever que decorre diretamente do princípio da moralidade ao qual a Administração Pública deve obediência É dever que decorre do estado democrático de direito e da segurança jurídica[5].

Isso porque a compensação tributária não é uma benevolência do Estado. É um direito do contribuinte.

A compensação tributária é vedada ou restrita de diversas formas em nosso Sistema. O que deveria ser algo natural. Um simples encontro de contas, em que o cidadão, credor do Estado, extingue seu crédito com uma dívida sua, passou a ser um martírio.

Infelizmente, a utilização do voto de qualidade nos julgamentos empatados do CARF em processos que se originaram de Declarações de Compensação é apenas mais um capítulo em que o Estado se afasta de sua obrigação moral perante os contribuintes. Além de violar a lei e a Constituição Federal, como acima demonstrado.

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[1] ADAMY, Pedro, Portaria ME 260/20: ainda o voto de qualidade. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-carf/portaria-me-260-20-ainda-o-voto-de-qualidade-28072020

[2] Apenas à amostragem: Processos 10945.721076/2012-16, julgado em 17/03/2021, processo 10925.901891/2011-14, julgado em 13/04/2021, acórdão 9101-005.422, julgado em 07/04/2021.

[3] Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. (…) § 9º É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7o, apresentar manifestação de inconformidade contra a não-homologação da compensação. § 10. Da decisão que julgar improcedente a manifestação de inconformidade caberá recurso ao Conselho de Contribuintes. § 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9o e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação.

[4] Art. 73. O sujeito passivo será cientificado da não homologação da compensação e intimado a efetuar o pagamento dos débitos indevidamente compensados no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da ciência do despacho de não homologação.

  • 1º Não ocorrendo o pagamento ou o parcelamento no prazo previsto no caput, o débito será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para inscrição em Dívida Ativa da União, ressalvada a apresentação de manifestação de inconformidade prevista no art. 135.

[5] MAIOLI, Maurício Luís. Compensação Tributária – direito do contribuinte ou benevolência do Estado? https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/compensacao-tributaria-direito-do-contribuinte-ou-benevolencia-do-estado/