Os detalhes – ou a falta deles – da delação de Cabral sobre Toffoli

JOTA.Info 2021-05-13

O vazamento da delação de Sérgio Cabral e o consequente pedido de inquérito pela Polícia Federal contra o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), provocaram a reação de integrantes da Corte. 

E pode ter uma dupla consequência: o tribunal pode reverter a decisão do ministro Edson Fachin, que homologou o acordo de Cabral com a PF, e firmar o entendimento de que a Polícia Federal não tem competência para pedir a abertura de inquérito em dissonância com o Ministério Público. 

Ministros atribuem a disputas internas na PF o movimento na direção do Supremo. Mas consideram que o vazamento de novos depoimentos prestados por Sérgio Cabral – em que acusa, sem apontar provas, o ministro Toffoli de receber recursos para beneficiar prefeitos processados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – seria uma tentativa de descredibilizar o STF e o TSE. 

Na última quarta-feira (12/5), antes de iniciada a sessão plenária, ministros questionaram Fachin sobre a homologação, especialmente Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Mendes questionou, inclusive, por que a delação de Cabral, que é parte da Lava Jato do Rio de Janeiro, foi distribuída para Fachin. Em seguida, durante a tarde, Fachin – já em resposta – liberou para julgamento o agravo da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão de homologar a delação do ex-governador fluminense. 

A PGR deve pedir até amanhã o arquivamento da delação em relação ao Toffoli. O JOTA teve acesso à íntegra dos 20 novos depoimentos de Cabral e à íntegra da petição da Polícia Federal que pede providências contra Toffoli e outras pessoas citadas. O ex-governador, que tenta salvar a sua delação já rechaçada pelo MPF, sustenta que Toffoli recebeu R$ 4 milhões para beneficiar prefeitos fluminenses em decisões de 2014 e 2015, tomadas enquanto também era ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Do presídio Bangu 8, Cabral prestou por videoconferência dois depoimentos à Polícia Federal em setembro do ano passado, como parte de seu acordo de colaboração premiada. Nessas oitivas, ele contou que foi procurado em abril de 2015 pelo então prefeito de Volta Redonda, Antônio Francisco Neto, ex-presidente do Detran-RJ no governo de Cabral. Em uma conversa no escritório do ex-governador, no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, Francisco Neto teria lhe solicitado se “havia a possibilidade de intervir junto ao Tribunal Superior Eleitoral”, para evitar a confirmação da cassação de seu mandato. 

Naquela altura, Francisco Neto já tinha sido cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) por abuso de poder político e econômico, e o TSE já tinha confirmado a perda de mandato, por 4 votos a 3, tendo Toffoli votado inicialmente pela cassação do prefeito. No entanto, pouco mais de dois meses depois, Toffoli inverteu sua decisão quando o TSE analisou um embargo de declaração apresentado pela defesa do prefeito. 

Ao proferir seu voto, Toffoli afirmou que reavaliou as provas do caso. “Nesta revaloração, eu considero que não houve o abuso”, afirmou. 

No julgamento, a ministra Maria Thereza de Assis Moura manifestou desconforto com essa “revaloração” de provas. “Nós, a meu ver, estamos ‘rejulgando’ o caso. Mas esta é a decisão do pleno, que eu aceito”, afirmou na sessão. 

Julgamentos de embargos são habitualmente etapas processuais em que provas não são reavaliadas pelos magistrados. 

Cabral afirma que a mudança de entendimento de Toffoli foi motivada pelo suposto recebimento de R$ 3 milhões, mas o ex-governador não informa como esses pagamentos teriam sido feitos. Cabral sustenta que a empreitada também teve a participação do ex-governador Luiz Fernando Pezão, seu sucessor e aliado. De acordo com Cabral, Pezão acionou José Luiz Solheiro, ex-assessor do Governo do Rio de Janeiro, que teria tratado do assunto com Roberta Rangel, a mulher de Toffoli. De acordo com a delação de Cabral, os pagamentos foram providenciados por Hudson Braga, ex-secretário de Obras do governo Cabral e ex-secretário de Administração da gestão de Francisco Neto na Prefeitura de Volta Redonda. 

Em entrevista ao JOTA, Solheiro negou que conhecesse Roberta Rangel, Toffoli ou que tenha feito qualquer tratativa sobre o assunto. “Se me pedissem isso em especial, eu não poderia fazer porque não conheço as pessoas. Nunca estive com Dias Toffoli. Nunca me chamaram pra nada. Não faço a menor ideia por que o Cabral me citou”, afirmou Solheiro, que foi delegado de patrimônio da União em São Paulo  antes de trabalhar em sucessivas gestões da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. 

Antes de pedir a abertura de inquérito contra Toffoli, a PF fez verificações preliminares de reuniões mencionadas por Cabral, entre Solheiro e Pezão, e recuperou registros de material apreendido pela Lava Jato que tratavam de encontros e ligações entre os dois em período próximo aos julgamentos. 

Já o segundo depoimento de Cabral sobre Toffoli abordou uma decisão liminar do ministro, como presidente do TSE, que permitiu a recondução ao cargo da então prefeita de Bom Jesus do Itabapoana, Branca Motta, cujo mandato havia sido cassado pelo TRE-RJ. Nesse caso, Cabral sustenta que seu grupo político também recorreu ao ex-assessor citado, mas diz também que houve a participação do advogado Daniane Mângia Furtado, que foi advogado da prefeita no TSE e, em período anterior e também anos depois do julgamento, sócio da mulher de Toffoli. Novamente sem dar detalhes sobre como teriam sido feitos tais pagamentos, Cabral diz que Toffoli recebeu R$ 1 milhão. 

A Polícia Federal também sustenta, em petição apresentada ao STF, que Toffoli “em tese (…) obstruiu 12 (doze) investigações criminais na condição de Presidente do Supremo Tribunal Federal, no ano de 2020, ao determinar o arquivamento de inquéritos encaminhados pelo Excelentíssimo Ministro Edson Fachin para fins de distribuição, em decorrência dele ter mantido tratativas espúrias com o colaborador Sérgio Cabral e ser implicado criminalmente em anexo da colaboração premiada na condição de membro de grupo criminoso atuante na venda de decisões judiciais”. 

Em setembro do ano passado, Toffoli, dias antes de deixar a presidência do STF, arquivou 12 inquéritos pedidos pela Polícia Federal com base na delação de Sérgio Cabral. Em março daquele ano, o ministro Edson Fachin, que homologou a delação de Cabral, enviou os inquéritos para a Presidência para livre distribuição entre os ministros. 

Mas Toffoli, em vez de determinar a distribuição, pediu parecer da Procuradoria-Geral da República. O procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou pelo arquivamento dos inquéritos, e Toffoli os arquivou — como é praxe quando o MP se manifesta pelo encerramento da investigação. Em relatório, a PF diz que houve “interferência anômala” de Toffoli ao arquivar os inquéritos, em vez de distribuir aos ministros. Neste relatório, a PF detalha o que é apurado em cada um destes inquéritos. 

“Ocorre que a decisão do Excelentíssimo Ministro DIAS TOFFOLI que determinou o encaminhamento dos inquéritos 4815 a 4826 à Procuradoria Geral da República para manifestação, sob o fundamento inédito e inapropriado de que o órgão de acusação ‘detém o panorama mais abrangente das investigações na Corte’, antes da distribuição dos inquéritos aos Excelentíssimos Ministros Relatores, destoou da rotina praticada pela Presidência da Suprema Corte”, diz a PF sobre os 12 inquéritos arquivados.

A defesa de Cabral recorreu por meio de agravos regimentais, e os inquéritos agora estão nas mãos da ministra Rosa Weber, na condição de vice-presidente – já que Luiz Fux se declarou suspeito. A ministra já adiantou que vai levar os agravos para o plenário decidir se o presidente do STF poderia ter arquivado os inquéritos monocraticamente.

O ministro Dias Toffoli afirmou, por meio da assessoria, não ter conhecimento dos fatos mencionados e disse que jamais recebeu os supostos valores ilegais. Além disso, refutou a possibilidade de ter atuado para favorecer qualquer pessoa no exercício de suas funções.

Os inquéritos arquivados por Toffoli 

INQ 4815

Investiga possíveis contribuições financeiras no valor de R$ 30 milhões a senadores do MDB nas eleições de 2014, a partir da estrutura de arrecadação de valores indevidos de Eduardo Paes. 

INQ 4816

Investiga possíveis contribuições indevidas a ministro do Superior Tribunal de Justiça para a obtenção de decisões favoráveis para a manutenção da gestão de Orlando Diniz à frente da Fecomercio/Senac/Sesc-RJ. 

INQ 4817

Investiga possíveis contribuições financeiras indevidas ao ministro do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz, para a proteção dos interesses da gestão de Orlando Diniz à frente da Fecomercio/Senac/Sesc-RJ. 

INQ 4818

Investiga possíveis contribuições financeiras indevidas aos ministros do TCU Vital do Rêgo, Bruno Dantas e Raimundo Carreiro para a proteção dos interesses da gestão de Orlando Diniz a frente da Fecomercio/Senac/Sesc-RJ. 

INQ 4819

Investiga possíveis contribuições financeiras indevidas aos Ministros do TCU Valmir Campelo como forma de garantir a regularidade de obras no Rio de Janeiro.

INQ 4820

Investiga possíveis contribuições financeiras indevidas ao então senador da República Vital do Rego, hoje ministro do TCU, e ao deputado federal Odair Cunha, na CPI da Operação Monte Carlo, que investigou Carlinhos Cachoeira. 

INQ 4821 Investiga supostas contribuições financeiras indevidas para a compra do apoio político do PSD de Gilberto Kassab e do senador Aroldo de Oliveira pelo PMDB para as eleições estaduais do Rio de Janeiro em 2014, mediante utilização do grupo J&F e da Odebrecht. 

INQ 4822

Investiga supostas contribuições financeiras indevidas para a compra do apoio político do Solidariedade do deputado federal Paulo Pereira da Silva (Paulinho da Força) pelo PMDB para as eleições estaduais do Rio de Janeiro no ano de 2014 mediante utilização do Grupo J&F e da Odebrecht.

INQ 4823

Apura possíveis contribuições financeiras indevidas para a compra do apoio político do senador Romário  no segundo turno das eleições do estado do Rio de Janeiro em 2014 por R$ 5 milhões. 

INQ 4824

Investiga possíveis contribuições financeiras indevidas para a compra do alvará de funcionamento do Hotel Nacional pelo empresário Marcelo Limírio (ex-dono da Neoquímica), mediante doação oficial de R$ 200 mil à campanha do deputado federal Pedro Paulo para concorrer à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016.

INQ 4825

Investiga a realização de possíveis contribuições financeiras indevidas para a compra do apoio político do Solidariedade do Deputado Federal Paulinho da Força pelo PMDB para as eleições estaduais no Rio de Janeiro no ano de 2014, mediante a utilização do Grupo J&F e da Odebrecht. 

INQ 4826

Investiga possíveis contribuições financeiras para o então senador Aécio Neves e operadas supostamente por Oswaldo Borges (ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais) em 2014.