Ex-presidente da Pfizer diz que governo ignorou compra de vacina desde agosto de 2020

JOTA.Info 2021-05-13

Em depoimento de cerca de 6 horas nesta quinta-feira (13/5), o ex-presidente da Pfizer no Brasil e na América Latina Carlos Murillo afirmou que o governo brasileiro deixou de se manifestar sobre pelo menos seis propostas de compra da vacina contra a Covid-19. Murillo fez um cronograma à CPI da Pandemia, detalhando quantas doses seriam entregues trimestralmente ao Brasil. 

Ao apresentar e detalhar os cronogramas propostos pela Pfizer nas 4 propostas apresentadas, Murillo também desmontou uma versão apresentada pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ao senadores em fevereiro deste ano segundo a qual a farmacêutica havia oferecido apenas 6 milhões de doses no total para o país. “A Pfizer, mesmo que nós aceitássemos todas as condições impostas, a quantidade que nos ofereceram desde o início foi: 500 mil doses em janeiro, 500 em fevereiro e 1 milhão em março; 6 milhões no total no primeiro semestre. Senhores, nós não podíamos ficar nisso”, disse o então ministro durante a sessão plenária.

O depoimento de Murillo é um complicador extra para Pazuello, cujo depoimento está confirmado para quarta-feira (19/5). A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com um habeas corpus preventivo para que o ex-ministro possa se manter em silêncio.

A primeira oferta foi feita pela Pfizer em 14 de agosto de 2020, com duas propostas. Uma para aquisição de 30 milhões de doses e outra de 70 milhões. Em ambas, seriam entregues 500 mil doses no fim de 2020 ao país. No cronograma para as 30 milhões, após o lote inicial de 500 mil seriam entregues 1,5 milhão no primeiro trimestre de 2021, 5 milhões no segundo trimestre, 14 milhões no terceiro trimestre e 9 milhões no último trimestre. O cronograma da proposta de 70 milhões mantinha os números para o fim de 2020 e os primeiros trimestres de 2021, mas aumentava o número de doses no terceiro e quatro trimestres de 2021 para 33 milhões e 30 milhões, respectivamente. 

A segunda oferta foi feita apenas 4 dias depois, em 18 de agosto. As duas propostas também previam 30 ou 70 milhões de doses, mas aumentava o número de imunizantes entregues ainda no fim de 2020: seriam 1,5 milhão de doses ainda naquele ano. O cronograma para 30 milhões acrescentava mais 5 milhões no primeiro, 14 milhões no segundo e 8 milhões no terceiro trimestre de 2021. Já caso a aquisição fosse de 70 milhões, além das 1,5 milhão de doses entregues ao fim de 2020, seriam mais 1,5 milhão no primeiro trimestre, seguidos de 5 milhões no segundo, 33 milhões no terceiro e 29 milhões no quarto trimestres de 2021. 

A terceira oferta, com propostas para compra de 30 ou 70 milhões de doses, foi apresentada ao Brasil no mesmo mês, em 26 de agosto. As ofertas ainda consideravam entregas de 1,5 milhão de doses ainda em 2020. A proposta de aquisição do menor volume previa cronograma de entrega de 2,5 milhões, 8 milhões, 10 milhões e 8 milhões nos primeiro, segundo, terceiro e quarto trimestre de 2021. Já a proposta de 70 milhões de doses tinha cronograma de entrega de 1,5 milhão de doses no fim daquele ano, mais 3 milhões no primeiro trimestre, 14 milhões no segundo, 26,5 milhões no terceiro e 25 milhões no último trimestre deste ano. 

Em novembro, a farmacêutica passou a fazer a oferta apenas do contrato de 70 milhões de doses, sem possibilidade de entrega de doses ainda naquele ano. “O quantitativo que, nesse momento, conseguíamos ofertar, e ofertamos, para o Brasil era de: 2 milhões para o primeiro trimestre de 2021; 6,5 milhões no segundo trimestre de 2021; 32 milhões no terceiro trimestre de 2021; 29,5 milhões no quarto trimestre de 2021”, afirmou Murillo.

Mais uma oferta, já em 15 de fevereiro, já previa venda de 100 milhões de doses. Essa oferta também foi ignorada pelo governo, que só decidiu comprar as 100 milhões de doses produzidas pela farmacêutica na oferta feita em 8 de março. O contrato só foi assinado no dia 19 daquele mês. 

Carlos Bolsonaro

O ex-presidente da Pfizer também confirmou que o filho do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), participou de uma reunião com representantes da Pfizer no ano passado. Segundo Murillo, Carlos participou da reunião organizada por Fabio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo. Em depoimento ontem, Wajngarten disse não ter memória da participação do vereador e que não tinha contato com ele. “Eu nunca tive contato com o filho do presidente, do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro”, disse Wajngarten no depoimento de quarta-feira.

A confirmação da presença do filho do presidente participou de reuniões sobre compra de vacinas no Planalto gerou a expectativa de convocação pela CPI. O relator Renan Calheiros descartou a possibilidade. “Não, porque o que queríamos saber era  da presença dele nas tratativas. Não cabe à comissão parlamentar de inquérito desconstruir, desfazer provas”, disse Renan após o fim do depoimento. Para o relator, a confirmação de que Carlos participou indevidamente de tratativas do governo para a aquisição de doses da vacina da Pfizer não abre linha de investigação na CPI. “Não abre linha, apenas constata que ele participou das tratativas”, avaliou Renan. 

Cloroquina

A base governista na CPI conseguiu uma vitória ao transformar a convocação da médica Nise Yamaguchi de uma convocação para um convite como testemunha. Ao contrário da convocação, Nise pode negar comparecer à comissão e não é obrigada a prestar compromisso de falar a verdade. Não há também risco de prisão. Nise é figura-chave no episódio relatado pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e pelo presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, sobre a mudança na bula da cloroquina para incluir o tratamento para a Covid-19. 

O depoimento de Nise ainda não foi agendado pela comissão. A próxima semana é aguardada com atenção pela CPI. Na terça-feira (18/5), está marcado o depoimento do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo – que acabou demitido depois de embate direto com os senadores. Na quarta-feira (19/5), será a vez de Pazuello. E na quinta-feira (20), será ouvida a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do ministério da Saúde, Mayra Pinheiro – conhecida como “capitã cloroquina”.

Na semana seguinte, os senadores ouvirão os desenvolvedores de vacinas no Brasil. No dia 25, comparecerá à CPI o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas. Na quarta-feira (26/5) será a vez do representante da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). E no dia 27, está previsto o depoimento do representante da União Química, parceira no Brasil para a produção da vacina russa Sputnik V.