STF começa a julgar delação de Sérgio Cabral. Placar está 2×1 contra manutenção

JOTA.Info 2021-05-21

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta sexta-feira (21/5) a validade da delação do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Os ministros julgam, no plenário virtual, recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra decisão do ministro Edson Fachin que homologou a delação, em fevereiro de 2020. 

Até o momento, o placar está em dois votos a um para anular a homologação da delação. Votaram neste sentido os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes, com fundamentações diferentes. Já o ministro Luís Roberto Barroso votou para negar o recurso da PGR e manter a delação.

O caso ganhou destaque após a PF pedir investigação contra o ministro Dias Toffoli com base na delação de Cabral. Na semana passada, Fachin negou abrir o inquérito e determinou que, até que o plenário decida se mantém ou não a delação, a Polícia Federal deve se abster “de tomar qualquer providência ou promover qualquer diligência direta ou indiretamente inserida ou em conexão ao âmbito da colaboração premiada em tela”.

Em 2018, o plenário do STF decidiu que delegados da Polícia podem celebrar acordos de colaboração premiada, e Fachin ficou vencido. Desde então, entretanto, o ministro tem aplicado o entendimento do plenário, e por isso homologou a delação de Cabral no ano passado. Cabral firmou acordo com a Polícia Federal, e o MPF sempre se manifestou de forma contrária.

O Supremo está votando apenas se mantém ou não a decisão de Fachin que homologou a delação. Não está em jogo neste momento a abertura de investigações com base na delação, nem a análise da veracidade das alegações do ex-governador do Rio de Janeiro. Os ministros têm até o dia 28/5 para votar.

O voto de Fachin

Em seu voto, Fachin primeiro analisa a preliminar suscitada pela PGR, que pede que se fixe que a colaboração premiada firmada com a Polícia, para poder surtir efeitos, deve necessariamente contar com a concordância do MP. Para o relator, ainda que a Lei 12.850/13, que regulamenta as delações premiadas, defina a colaboração como meio de obtenção de prova, o que está alinhado às atribuições das Polícias Federal e Civil, “quando a colaboração se insere num contexto negocial que envolve a disponibilidade do jus puniendi, revela-se inconstitucional o sentido de atribuir-se à autoridade policial poderes de disposição”. 

Fachin explica que delegados de Polícia podem, constitucionalmente, envolver-se nas dinâmicas que envolvem a colaboração premiada, mas entende que é necessária a participação do Ministério Público. “A lei autoriza ao Delegado de Polícia: (i) representar ao Juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador; (ii) participar das negociações entre as partes; (iii) apresentar para manifestação do Ministério Público a colaboração, decorrente de negociação entre delegado, investigado e defensor. Dito em menor extensão: sem a presença do Ministério Público, a Polícia não é parte que pode chancelar acordo e obter homologação judicial”, argumenta.

Fachin explica que homologou a delação de Cabral justamente porque ficou vencido no julgamento da ADI 5.508, na qual o plenário autorizou a Polícia a fazer acordos de colaboração premiada. “Segui, como não poderia deixar de ser, em decisão monocrática, a orientação majoritária. Aqui, porém, o campo é o de revisita à tese, por isso reafirmo: o acordo em âmbito policial não pode se transformar numa nova oportunidade para que o candidato a colaborador, cujos elementos de convicção de que dispunha tenham sido considerados insuficientes por um agente estatal, possa submeter sua proposta a uma segunda análise. Deve o Estado-Acusação manifestar-se a uma só voz”,  disse. 

Na conclusão, Fachin se manifesta tanto em relação à preliminar quanto em relação ao mérito do agravo. O voto sobre o mérito só valerá se a maioria dos outros ministros decidir adentrar no mérito; caso contrário, fica valendo o voto da preliminar. Leia a íntegra do voto.

Fachin acolhe a preliminar para dar provimento do agravo interposto pela PGR para tornar sem efeito a decisão homologatória do acordo de colaboração premiada de Cabral, ficando prejudicado o exame do mérito. Caso a maioria ultrapasse a preliminar e adentre no mérito, o ministro nega provimento ao recurso da PGR “em respeito à colegialidade, à luz da orientação até aqui prevalente”, para manter sua decisão que homologou o acordo de colaboração premiada de Cabral. 

Voto de Gilmar Mendes

Gilmar Mendes abriu a divergência parcial. Assim como o relator, o ministro votou para acolher a questão preliminar para tornar sem efeito a decisão que homologou o acordo de colaboração premiada. Entretanto, destaca que não firma qualquer tese com efeito geral quanto à competência da Polícia Federal para celebrar acordo de colaboração premiada. Ou seja, sua posição se atém a este caso.

Caso superada a preliminar, Gilmar Mendes diverge e dá provimento ao agravo regimental para reformar a decisão homologatória do acordo de colaboração premiada firmado entre Sérgio Cabral e a Polícia Federal. Leia o voto de Mendes.

Para o ministro, “resta claramente demonstrado que a homologação do acordo de colaboração em questão desaguou em um quadro de sistemáticas violações às garantias constitucionais do sistema acusatório, em especial ao princípio da culpabilidade”. Em sua visão, “as estratégias do colaborador voltadas ao constrangimento dos órgãos de persecução criminal e deste próprio Tribunal tinham como finalidade não a elucidação da verdade material, mas sim a profusão de narrativas falsas como combustível da sua aventura em busca de liberdade a qualquer custo”.

Voto de Barroso

O ministro Luís Roberto Barroso divergiu completamente, para negar provimento ao recurso da PGR e manter a decisão que homologou a delação de Cabral. Para o ministro, não houve usurpação, pela Polícia Federal, de competência do Ministério Público.

Barroso disse que a autoridade policial não assegurou nenhum benefício a Cabral, e somente o juiz, ao proferir a sentença, “verificando a eficácia da colaboração, bem como a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso é que poderá conceder perdão judicial, redução em até 2/3 (dois terços) da pena privativa de liberdade ou sua substituição por restritiva de direitos”.

Acrescentou ainda que a homologação do acordo “não implica reconhecimento de que as declarações do colaborador sejam suficientes, isoladamente, para a abertura de investigações”. Por isso, não vê razão para rescindir a delação. Leia o voto de Barroso.