A possibilidade da exclusão da CFEM da base de cálculo do PIS e da COFINS

JOTA.Info 2021-08-02

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente finalizou a discussão envolvendo o Recurso Extraordinário nº 574.706/PR (RE 574.706), apreciando o tema 69 das demandas com Repercussão Geral. Com efeito, com o julgamento dos Embargos de Declaração opostos pela União, confirmou-se a tese de que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS, vez que esse imposto não se enquadra no conceito de receita.

Considerando que a tese fixada pelo STF inaugurou um novo paradigma no Sistema Tributário Brasileiro, muitos contribuintes têm pleiteado no Poder Judiciário a exclusão de outros tributos na base de cálculo do PIS e da COFINS. São as chamadas “teses filhotes”, relacionadas, por exemplo, à exclusão do ISS e das próprias citadas contribuições de suas bases de cálculo, ainda pendentes de apreciação definitiva de nossos Tribunais Superiores.

Ocorre que, baseado no entendimento definido pelo STF, é possível concluir que não apenas os valores de tributos devem ser excluídos da base de cálculo do PIS e da COFINS, mas também toda e quaisquer outras parcelas financeiras recebidas pelo contribuinte e que não se enquadrem no conceito de receita.

Com efeito, o conceito de receita bruta inserido no artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77 (com a redação dada pela Lei nº 12.973/2014), relaciona-se com a geração de riqueza nova constituída por uma performance do contribuinte, vale dizer, pela realização das atividades próprias de seu intento social, quais sejam, venda de bens ou serviços.

Nesse sentido, amparados pelo quando decidido pelo STF no RE 574.706, entendemos que o valor da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que é repassado à União pelos exploradores de bens minerais, com muito mais razão, não corresponde à receita desses contribuintes, não sendo assim possível tributá-la pelo PIS/COFINS, pois é receita originária da União e não dos contribuintes.

Nesse particular, cabe destacar que os minérios são propriedade da União, sendo certo que sua pesquisa e lavra somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão estatal, como determinam o artigo 20, inciso IX, e o artigo 176 da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

A CFEM encontra previsão no § 1º do referido artigo 20 da CF/88, que institui uma participação no resultado da exploração pela União, já que essa é proprietária dos minérios. Nesse contexto, “participar” significa extrair a utilidade econômica em conjunto com o outro explorador. Ou seja, há uma partilha em favor da União do resultado obtido pela exploração mineral. Sendo assim, é lícito afirmar que a União e o explorador mineral são como verdadeiros “sócios” na exploração, nos termos extraídos da própria CF/88.

A partilha do resultado é uma destinação direta em favor da União de uma parcela econômica pela exploração de tais recursos. Nesse ponto, afasta-se, desde logo, o enquadramento da CFEM como custo ou despesa do explorador mineral.

De fato, o CPC 16[i] prevê que o custo do estoque “deve incluir todos os custos de aquisição e de transformação, bem como outros custos incorridos para trazer os estoques à sua condição e localização atuais”. Vê-se, assim, que a CFEM não se caracteriza como custo do explorador mineral, pois só é transferida pelo explorador mineral à União após a venda dos minerais. Até porque, se o explorador mineral não vender o minério produto da lavra, jamais realizará a transferência da CFEM à União; mas, por outro lado, terá incorrido em diversos custos para a produção mineral.

A CFEM igualmente não se enquadra como despesa, seja ela classificada pela melhor doutrina contábil[ii] como (i) de vendas e (ii) administrativas. As primeiras “representam os gastos de promoção, colocação e distribuição dos produtos da empresa, bem como os riscos assumidos pela venda (…)”. Despesas administrativas, por sua vez, “representam os gastos, pagos ou incorridos, para direção ou gestão da empresa, e constituem-se de várias atividades gerais que beneficiam todas as fases do negócio ou objeto social”. Não tendo a CFEM qualquer relação direta ou indireta com o processo de vendas e/ou com a gestão administrativa do explorador mineral, forçoso concluir que também não se classifica como despesa.

Não nos parece restar dúvida, portanto, que o valor da CFEM não representa uma remuneração do explorador mineral pela exploração e comércio dos minérios, ou mesmo custo / despesa por tais atividades. Mas qual seria, então, a natureza jurídica da CFEM?

Para expressiva e relevante parcela da doutrina,[iii] as receitas originárias estatais são provenientes da exploração do bem público, em que o Estado age como qualquer particular, ou em coordenação com este, com o objetivo de obter resultados economicamente positivos.

A propósito da qualificação da CFEM como receita originária da União, destaca-se a doutrina do Professor Heleno Taveira Torres[iv] que, com a costumeira precisão, assevera que “a entrada do valor da compensação financeira no patrimônio público se dá de maneira originária, à medida que a receita advém da exploração do bem público”.

Esse ponto não passou despercebido pelo STF no RE nº 228.800-5/DF, em que se discutiu a natureza jurídica da CFEM. Naquela oportunidade, o Pretório Excelso cravou o entendimento de que se trata de receita originária da União, decorrente de sua participação nos resultados da exploração mineral. Em seu voto, o Relator Min. Sepúlveda Pertence assevera que foi instituída “genuína ‘participação no resultado da exploração’, entendido o resultado não como o lucro do explorador, mas como aquilo que resulta da exploração”.

Assim, no entendimento do STF, a CFEM é receita originária da União, devida a título de participação nos resultados da atividade de exploração mineral, sendo irrelevante a denominação que lhe foi dada pelo legislador infraconstitucional, i.e., “compensação financeira”. Cabe observar, ademais, que a Suprema Corte confirmou esse seu entendimento em diversas oportunidades[v].

Ora, em sendo a CFEM receita originária da União, valor este que não se agrega em nenhum momento ao patrimônio do explorador mineral, pois tal montante corresponde à parcela da exploração econômica desde sempre pertencente à União, que apenas “transita” pela contabilidade do explorador mineral que a repassa a seu titular, conclui-se que o valor da CFEM não integra a base de cálculo do PIS e da COFINS, pois não é receita do contribuinte.

Nesse contexto, na linha do quanto fixado pelo STF no julgamento do Tema 69, os contribuintes do PIS e da COFINS sujeitos ao repasse da CFEM em decorrência da exploração mineral, possuem argumentos para discutir no Poder Judiciário a exclusão do seu valor da base de cálculo das referidas contribuições e a recuperação dos montantes pagos a maior que o devido nos últimos 05 anos.

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[i] Pronunciamento Técnico nº 16, do Comitê de Pronunciamentos Contábeis

[ii] Manual de Contabilidade Societária. Sergio de Iudícibus, Eliseu Martins, Ernesto Rubens Gelbcke e Ariovaldo dos Santos – São Paulo: Atlas, 2010, páginas 507-508.

[iii] Ana Flávia Messa – Direito Tributário e Financeiro. 4ª ed. Editora Rideel: São Paulo, pg. 53, 2010;

Tathiane Piscitelli – Direito Financeiro. 6ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, p.96, 2018);

Kioshy Harada – Direito Financeiro e Tributário. 26º ed. Editora Atlas Ltda.: São Paulo, 2017;

Paulo de Barros Carvalho – Parecer mencionado na Tese de Doutorado “Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – Regra Matriz de Incidência”, de Fernanda Guimarães Hernandez, para obtenção do grau de doutora em Direito Econômico e Financeira, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010, p. 83.

[iv] Heleno Taveira Torres – A compensação financeira devida pela utilização de recursos hídricos, exploração de recursos minerais ou produção de petrleo, xisto betuminoso e gás natural (art. 20, § 1º, CF) – sua natureza jurídica”. in “Grande Questões Atualizadas de Direito Tributário”. São Paulo: Dialética, v. 2, 1998, p. 139.

[v] ARE 725366 AgR/RS; ADI 4606/BA; AI 453025 AgR/DF; ADI 6233/RJ, dentre outros.