‘Calculadora de carbono’ e litigância climática no Brasil

JOTA.Info 2021-08-02

Seguindo a tendência de evolução dos casos de litigância climática ao redor do mundo – primeiras ações propostas contra governos, posteriormente evoluindo para litígios contra entidades privadas –, uma nova ação judicial recentemente ajuizada no Brasil chama atenção. Neste breve artigo, fazemos algumas breves reflexões sobre esta ação e como a estratégia de atuação do Ministério Público no caso pode ser considerada mais um capítulo da evolução dos litígios climáticos no Brasil.

Em abril, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra um proprietário rural do estado do Amazonas, pleiteando sua responsabilização por suposto desmatamento ilegal relacionado à criação de gado na Amazônia. Como sabido, este tipo de ação de responsabilização ambiental é bastante comum no país, uma vez que a legislação brasileira respalda a responsabilização por danos ao meio ambiente, de natureza objetiva, solidária, propter rem e imprescritível. No entanto, neste caso específico, uma das teses trazidas pelo Ministério Público merece atenção.

Além de exigir indenização por danos ambientais, danos coletivos, bem como indenização pelos lucros pretensamente obtidos de forma ilegal, o Ministério Público também demanda o pagamento de indenização pelos danos climáticos decorrentes do desmatamento, algo até então inédito em casos deste tipo no Brasil.

Além disso, a ação chega a indicar qual seria o valor da indenização devida em conexão com tais danos climáticos.

Por meio da “calculadora de carbono” desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa da Amazônia (IPAM), o Ministério Público calculou o volume de carbono equivalente que teria sido lançado na atmosfera, por hectare de desmatamento naquela área específica. A partir de tais informações, conhecendo a extensão do desmatamento e utilizando a precificação de carbono equivalente praticada pelo Fundo Amazônia, chegou-se então à conclusão de que o réu seria responsável pelo pagamento de indenização no valor de R$ 44,7 milhões a título de danos climáticos.

Além de se tratar de um método de cálculo inovador, nunca antes visto nos tribunais brasileiros, tal atuação é relevante porque o software do IPAM é público, acessível online e de uso gratuito. Mesmo que, até o momento, o sistema somente seja capaz de calcular emissões nos estados do Norte do país, o fato de estar disponível online o torna uma ferramenta para subsidiar potenciais novas judicializações, possivelmente contribuindo para a crescente tendência de litigância climática contra entes privados no Brasil.

Trata-se de tendência verificada mundialmente e que, no Brasil, ganha destaque não em razão de atividades industriais, mas principalmente em função da relevância da conversão de uso de solo para o perfil das emissões brasileiras. De fato, esta iniciativa de responsabilização climática empreendida pelo Ministério Público, direcionada exatamente a um proprietário rural da Amazônia Legal, é bastante representativa do que se pode esperar da evolução do assunto no país, podendo ser um primeiro passo para a proliferação de demandas dessa natureza não somente contra tais proprietários, mas também contra os demais elos de cadeias produtivas relacionadas ao agronegócio brasileiro.

Ao contrário do que possa parecer, muito embora estejamos presenciando os primeiros casos de litigância efetivamente climática no Brasil, a verdade é que já há algum tempo o país dá sinais de que este caminho inevitavelmente seria percorrido, especialmente tendo em vista os precedentes de responsabilização de elos de cadeias produtivas com base no conceito de poluidor indireto.

A esse respeito, existem alguns precedentes que merecem registro, os quais, muito embora não diretamente relacionados às mudanças climáticas, tratam de questões de direitos humanos e responsabilidade no âmbito de cadeias produtivas. São inúmeros os casos, por exemplo, de atuação do Ministério Público (ações judiciais) e de órgãos ambientais (autos de infração) contra empresas que se beneficiam de cadeias produtivas envolvidas em trabalho análogo ao escravo ou desmatamento. Aliás, recentemente tem-se verificado a tendência de que tais empresas sejam demandadas inclusive fora do Brasil, com fundamento em suas operações brasileiras. Foi o caso, por exemplo, da BHP sendo demandada na Inglaterra pelo rompimento da barragem Samarco / Mariana (2020), da Norsk Hydro sendo demandada na Holanda devido à suposta poluição de águas causada pelo descarte irregular de resíduos em suas operações de Barcarena (fevereiro de 2021), e do Groupe Casino sendo demandado na França em conexão com a suposta venda de proteína bovina ligada ao desmatamento e grilagem de terras na Amazônia brasileira (março de 2021).

Portanto, extenso caminho já foi percorrido para que se chegasse ao atual momento de amadurecimento do contencioso climático no Brasil. O desenrolar da ação proposta pelo Ministério Público no estado do Amazonas será mais um termômetro – juntamente com as demais ações climáticas já ajuizadas contra o Governo Brasileiro – a respeito de como nossos Tribunais tratarão o assunto. Por ora, a ação ainda se encontra pendente de julgamento, sendo que, em abril, foi concedida liminar determinando a retirada do gado da área e suspendendo a emissão das Guias de Transporte Animal vinculadas à propriedade. Entre os motivos utilizados pelo juízo para justificar a concessão da referida liminar está o reconhecimento de que as ações do proprietário seriam capazes de degradar o meio ambiente e, em particular, o clima.

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