Importância da segurança jurídica para desenvolvimento da aviação regional no Brasil

JOTA.Info 2021-08-30

Em 13 de agosto de 2001, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria nº 248 do então Ministério da Fazenda estabelecendo a liberdade tarifária para o transporte aéreo doméstico de passageiros e cargas. Quatro anos depois, esse regime foi consolidado no art. 49 da Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, que criou a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

Contudo, quase 20 anos depois da instituição do regime de liberdade tarifária, ainda são comuns os questionamentos sobre os preços praticados pelas empresas aéreas, com a insinuação da adoção de práticas abusivas e discriminatórias.

Destaca-se que a série histórica de acompanhamento de tarifas aéreas mantida pela ANAC apresenta uma queda de quase 23% no valor da tarifa aérea média real praticada no mercado doméstico entre os anos de 2002 e 2021 (de R$ 486,75 em 2002 para R$ 376, 32 no primeiro trimestre de 2021, conforme descrito na 51ª Edição do Relatório de Tarifas Aéreas Domésticas da Agência[1]), mesmo diante do contexto adverso, sem precedentes, provocado pela pandemia da Covid-19, pela desvalorização do real frente ao dólar e pela recente alta no preço do querosene de aviação. Ressalta-se que, ao longo da série histórica, já foram verificados períodos em que a redução comparativa a 2002 foi superior a 50%.

Mais importante ainda que o valor da tarifa aérea média real, é a distribuição dos assentos comercializados por faixa de preço. Enquanto em 2002 apenas 27% dos assentos foram comercializados a valores inferiores a R$ 300,00, no primeiro trimestre de 2021 mais de 50% dos assentos foram vendidos abaixo desse valor. Esse incremento na quantidade de assentos comercializados a preços mais baixos é sinônimo de maior acessibilidade ao transporte aéreo.

Outro importante pilar regulatório do setor, também estabelecido pela Lei nº 11.182, de 2005, diz respeito à liberdade para a exploração de quaisquer linhas aéreas pelas empresas aéreas, condicionada apenas à existência de capacidade operacional dos aeroportos, a chamada liberdade de oferta.

Dessa forma, as empresas podem, livremente, criar ou extinguir rotas, definir quantidades de frequências semanais ofertadas em cada rota e programar os horários dos voos de acordo com a percepção de demanda e em busca da maior eficiência de sua malha operacional.

Mesmo com a previsão legal da liberdade de oferta de rotas, também são corriqueiras as indagações, principalmente por parlamentares e por representantes dos governos estaduais e municipais, sobre a insuficiência ou inexistência de serviços de transporte aéreo em diversas localidades, bem como são frequentes as tentativas de forçar a criação ou evitar a extinção de rotas por meio de projetos de lei ou provocações à ANAC.

É importante ressaltar que o respeito a esses dois princípios basilares, que se aplicam de forma geral ao transporte aéreo, é de suma importância para o desenvolvimento sustentável da aviação no país, especialmente a aviação regional.

A garantia de que uma empresa aérea possa testar um novo mercado, entrando e saindo livremente, com a capacidade de praticar um mix tarifário que viabilize a operação pretendida, é fundamental para o estabelecimento de novas rotas.

Ameaças de intervenção nos preços praticados e na oferta de rotas inibem o empreendedorismo e a atração de investimentos para o setor.

E o que ainda falta para que a aviação regional se desenvolva, aumentando a conectividade no Brasil? Por que, mesmo com a liberdade tarifária e com a liberdade de oferta, o número atual de cidades atendidas pelo transporte aéreo regular é inferior àquele verificado no início dos anos 2000?

Um dos entraves ao desenvolvimento da aviação regional, que não é foco deste artigo, mas que merece breve citação, é a adequação da infraestrutura aeroportuária fora dos grandes centros.

Até recentemente, diversos aeroportos não dispunham de condições operacionais satisfatórias para o frequente recebimento de voos comerciais. Em relação a esse aspecto, o Governo Federal, por meio da Secretaria Nacional de Aviação Civil – SAC, da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e diversos outros parceiros, tem investido pesado em reformas, ampliações, modernizações e até na construção de novos aeroportos, bem como na aquisição de equipamentos de segurança e auxílio à navegação aérea.

Adicionalmente, as recentes rodadas de concessões aeroportuárias, realizadas agora em blocos, contemplam também a previsão de investimentos em aeroportos regionais. Assim, no curto prazo, a adequação da infraestrutura aeroportuária deixará de ser um entrave para a aviação regional e abrirá espaço para a exploração de novas fronteiras aéreas no país.

Outro motivo para o baixo nível de exploração da aviação regional está relacionado à eficiência alocativa buscada pelas empresas atuantes no setor aéreo. Assim como em qualquer atividade econômica, os investimentos em determinado mercado e a oferta de serviços está vinculada a uma perspectiva de rentabilidade.

Com a estratégia de padronização de frota, em busca da redução de custos operacionais, as grandes empresas aéreas brasileiras vêm concentrando as suas atividades em localidades nas quais a demanda otimiza a ocupação de suas aeronaves.

É importante destacar que, diante do gigantismo e da diversidade do Brasil, existem rotas nas quais a demanda não é suficiente para o emprego de aeronaves com mais de 20 ou 30 assentos, desafiando o mercado a encontrar soluções criativas e inteligentes para viabilizar a operação com aeronaves de menor porte. É nesse contexto que vemos nascer a chamada aviação “sub-regional”.

O fato é que, ao longo das últimas décadas, já foram várias as tentativas de estabelecimento de políticas de incentivos à aviação regional no País, sempre com alguma proposição de subsídio ou exclusividade de exploração de rota, como forma de tentar superar a ineficiência econômica das operações. Essas inciativas nunca foram bem-sucedidas no médio e longo prazo, pois dependiam da estruturação de modelos de complexa formatação, implementação e acompanhamento.

A solução para o aumento da capilaridade do transporte aéreo pode estar, portanto, no estabelecimento de novos modelos de negócio, com a formação de parcerias entre os grandes operadores e empresas de táxi-aéreo. São arranjos como operações em code-share ou interline, capacity purchase agreement (tipo de acordo em que parte da operação de uma grande empresa é realizada por outra de pequeno porte) ou até mesmo a verticalização da operação, com a incorporação de empresas de táxi-aéreo ao grupo econômico da empresa principal.

Nos últimos anos, temos visto algumas iniciativas dessa natureza no Brasil, mas ainda de forma muito tímida e pouco duradoura. Nesse caminho, é fundamental frisar que a viabilidade dessas parcerias e para a criação e manutenção de rotas regionais depende de iniciativas como os programas de estaduais de redução do ICMS sobre o querosene de aviação.

A redução no custo do combustível, conforme o aumento do número de cidades atendidas em um mesmo estado, pode estimular a adoção de novas bases de abastecimento pelas empresas e se tornar fator crucial para a decisão de exploração de um novo mercado.

Por fim, cabe menção aos problemas de segurança jurídica provocados pelo excesso de judicialização no transporte aéreo. Levantamentos realizados por associações de empresas aéreas apontam que o Brasil é um dos países com o maior percentual de ações judiciais por passageiro transportado, em relação a causas associadas ao contrato de transporte.

Essa situação se agravou ainda mais com o surgimento de startups que oferecem serviços de assessoria jurídica a passageiros que tiveram problemas tais como atraso; cancelamento, preterição de embarque ou extravio de bagagem. Para empresas de menor porte, que poderiam impulsionar o desenvolvimento da aviação regional e sub-regional, a perspectiva de estarem sujeitas a um elevado volume de ações judiciais, que certamente inviabilizariam esse novo modelo de negócio, reduzem o apetite para a exploração de novos negócios.

Diversas medidas regulatórias têm sido promovidas ao longo dos últimos anos no intuito de reduzir a proliferação de ações judiciais e incentivar mecanismos de conciliação entre passageiros e transportadores. Destaca-se aqui as Condições Gerais de Transporte, atualmente dispostas na Resolução nº 400, de 2016, da ANAC, que estabelece procedimentos a serem seguidos pelas empresas aéreas para que um consumidor não fique desassistido quando há algum problema na relação de consumo, desde o momento da aquisição de uma passagem aérea até o momento da restituição da bagagem após um voo.

Também foi de extrema valia para a redução da judicialização a publicação da Lei nº 14.034, de 2020, que definiu condicionantes para a aplicação de responsabilização pelo dano extrapatrimonial e delimitando eventos de força maior e fatos de terceiro, inerentes ao transporte aéreo, que afastam a responsabilidade do transportador em casos de atraso ou cancelamento.

Em resumo, vencidas as questões de disponibilidade de infraestrutura aeroportuária e aeronáutica para a realização de voos regionais, o aumento da conectividade no transporte aéreo doméstico depende: da preservação dos pilares regulatórios da liberdade tarifária e da liberdade de oferta de rotas; do estabelecimento de regras claras e incentivos que viabilizem a alocação eficiente da frota de aeronaves das empresas de táxi-aéreo e que permitam a criação de parcerias entre transportadores de grande e pequeno porte; assim como da redução da judicialização no setor.

new RDStationForms('teste3-99b6e4ed7825b47581be', 'UA-53687336-1').createForm(); setTimeout(function(){ const btn = document.getElementById("rd-button-knf3ol7n") const check = document.getElementById("rd-checkbox_field-knj7ibbg") btn.disabled = true; btn.style.opacity = 0.7; check.addEventListener("click", function() { if (check.checked){ btn.disabled = false; btn.style.opacity = 1; } else { btn.disabled = true; btn.style.opacity = 0.7; } });}, 3000);


[1] Disponível em: <https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/regulados/empresas-aereas/envio-de-informacoes/tarifas-aereas-domesticas-1/relatorio-de-tarifas-aereas-domesticas-nacional>.