A quem cabe dizer o que é o interesse público?
JOTA.Info 2021-09-22
Interesse público é conceito celebridade no Direito brasileiro: famoso, todo mundo crê conhecê-lo com alguma intimidade. Mas embora possa orientar e, em alguma extensão, justificar o agir de órgãos e entidades públicas, também pode, em situações análogas, legitimamente levar a soluções práticas muito diferentes entre si.
A indeterminação não é problema, desde que decisões concretas fundadas no interesse público sejam acompanhadas de justificativa razoável e suficiente (art. 20, caput e parágrafo único, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). A análise que o Tribunal de Contas da União fez a respeito da implementação do automated people mover (APM) no aeroporto de Guarulhos ajuda a ilustrar o ponto.
Setembro de 2021. O ministro Vital do Rêgo determinou, cautelar e monocraticamente, a suspensão de aditivo contratual celebrado entre a Agência Nacional de Aviação Civil e a GRU Airport, concessionária do aeroporto de Guarulhos.
O aditivo previu a implementação do APM ligando os terminais aeroportuários à Linha 13 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos — hoje, a integração é feita por ônibus disponibilizados pela concessionária. A ideia, semelhante à adotada em aeroportos mundo afora, é facilitar o acesso a aeroportos.
Segundo a decisão, não teria ficado claro o interesse público a justificar a substituição do ônibus. É que não teriam sido apresentados ao TCU documentos que permitissem avaliar adequadamente, em comparação a outras formas de transporte, a vantajosidade do APM.
O argumento havia aparecido em decisão anterior, tomada no mesmo caso, em que se considerou não haver “manifestação conclusiva quanto à existência de interesse público no empreendimento” (acórdão 407/2021).
Duas questões. Primeira, não há normas legais ou constitucionais dando ao TCU competência para fazer controle prévio de contratações públicas — preocupação recorrente desta coluna. Segunda, o TCU parece ter partido da premissa de que a solução de interesse público para o caso concreto só poderia ter sido definida por meio de consenso com o controle.
A falta de motivação apropriada de fato é problemática. E o interesse público pode ter, sim, caráter normativo mais forte, ao menos para cobrar fundamentação adequada da autoridade. Mas é preciso atentar para o uso de conceitos indeterminados no controle da administração, sobretudo quando realizado de modo prévio. O risco é de arbítrio, de ingerência indevida do controle na atividade administrativa.
No caso, a insatisfação decorreu da suposta insuficiência das justificativas para a escolha do APM: “A fumaça do bom direito continua sendo a ausência dos estudos comparativos que demonstrem a etapa de pré-viabilidade e o alcance do interesse público para balizar a escolha do sistema APM”.
O ministro relator parece não ter ficado intimamente convencido que adoção da tecnologia seria a melhor opção à luz do interesse público. Mas seria papel do TCU, órgão de controle de contas, dizer se a solução proposta pela administração atende, ou não, a esse princípio?
No final, o argumento do interesse público soa como uma autobiografia: parece dizer mais sobre quem o invoca do que sobre o público ao qual ele deve servir.