Barroso suspende atos da Funai que restringiam proteção a terras homologadas
JOTA.Info 2022-02-01
O ministro Luís Roberto Barroso suspendeu, nesta terça-feira (1/2), por medida cautelar, atos administrativos da Fundação Nacional do Índio (Funai) que restringiam a proteção das terras indígenas somente àquelas homologadas. Dessa forma, Barroso determinou que a Funai garanta a proteção territorial independentemente do registro e, caso a decisão judicial não seja cumprida, o Ministério Público deverá investigar os responsáveis por crime de desobediência.
Com a decisão ficam suspensos o ofício 18/2021 e parecer 00013/2021, ambos da Funai. De acordo com esses atos, a execução de atividades de proteção territorial deveria ocorrer somente após o término do procedimento administrativo demarcatório, ou seja, após a homologação da demarcação por decreto presidencial e o registro imobiliário em nome da União.
A decisão atende a um pedido incidental da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na ADPF 709, que discute a omissão do governo federal no combate à Covid-19 entre os indígenas. Segundo dados trazidos na decisão, das 726 terras indígenas do país, 239 ainda não foram homologadas. De acordo com a Apib, 114 povos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato são atingidos porque seus territórios ainda estão pendentes de homologação.
No texto, Barroso justifica a medida cautelar dizendo que os atos administrativos abrem precedentes para invasão das terras indígenas, o que pode, inclusive, contribuir para o avanço da Covid-19 nessas populações. O relator lembra ainda que os atos administrativos ocorrem em um contexto em que o próprio presidente da República assumiu postura contrária à regularização das terras indígenas e declarou publicamente que, em seu governo, elas não seriam demarcadas. Em uma entrevista, o chefe do Executivo chegou a dizer: “Não demarcarei um centímetro quadrado a mais de terra indígena. Ponto final”.
“Os atos da FUNAI representam uma tentativa – reiterada, é válido frisar – de esvaziamento de medidas de proteção já deferidas por este juízo. Em primeiro lugar, ao afastar a proteção territorial em terras não homologadas, a Funai sinaliza a invasores que a União se absterá de combater atuações irregulares em tais áreas, o que pode constituir um convite à invasão de áreas que são sabidamente cobiçadas por grileiros e madeireiros, bem como à prática de ilícitos de toda ordem”, diz a decisão.
De acordo com Barroso, a demora na homologação e a não proteção às terras indígenas cria um ciclo vicioso. “Assim, de um lado, não se demarcam novas terras ou se homologam demarcações já realizadas. E, de outro lado, utiliza-se o argumento da não homologação para retirar a proteção das terras não homologadas e de suas comunidades. Ora, a não homologação de tais terras deriva de inércia deliberada do poder público, que viola o direito originário de tais povos, previsto na Constituição, cabendo à União o dever (e não a escolha) de demarcar suas terras”.
Em nota pública datada de 12 de janeiro, a Apib diz que os atos da Funai expõe os indígenas “a todo tipo de violência cometida pelas diversas organizações criminosas que continuam a invadir os territórios indígenas: grileiros, madeireiros, pecuaristas, garimpeiros, mineradoras, arrendatários, enfim, empresas e corporações que visam explorar economicamente os territórios indígenas”.
A Coordenação-Geral de Monitoramento Territorial da Fundação Nacional do Índio também divulgou nota contra os atos da Funai no dia 10 de novembro e afirmou que “a conduta temerária e recorrente da atual gestão da Funai pode se enquadrar, dada a previsão legal, supralegal e constitucional, em possíveis atos de improbidade administrativa, exigindo atuação firme do Ministério Público Federal para apuração dos atos e responsabilização de seus agentes”.
Ao final, o ministro afirmou que “a recalcitrância no descumprimento da presente decisão implicará a extração de peças e devido encaminhamento aos órgãos do Ministério Público para a apuração de crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Código Penal”.